segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

SAGITÁRIO (2)

                                                  

KIRON  E  A  MÚSICA
O mito que melhor explica o signo de Sagitário para a cultura ocidental é o do centauro Kiron,  como os antigos gregos o elaboraram, com base certamente nas influências recebidas dos mesopotâmicos. Antes, porém, é preciso entender que Kiron, como tantos outros monstros, faz parte da galeria de estranhos seres bicorpóreos produzidos pela imaginação humana,  que encontramos em todas as culturas. Monstros são sempre símbolos das dificuldades e dos obstáculos que o homem deve vencer para ter acesso a certos bens e/ou a níveis superiores de vida, seja material ou espiritualmente. Sempre
MONSTROS , ILUMINURA   MEDIEVAL ,  SÉCULO XIV
associados à vida primordial na Terra, os monstros míticos são seres de um mundo que antecedeu a organização do cosmos, um tempo em que a ordem ainda não se impusera aos seus elementos constitutivos, um tempo anterior ao da História. Nesse sentido é que os monstros, onde aparecem, lembram sempre regressão, indiferenciação, indeterminação, confusão,  como agentes do caos. Significam sempre uma perturbação, uma perversão, uma resistência à ordem, um desejo de voltar a um estado que antecedia o mundo conhecido como obra dos deuses e dos homens. 

O SONHO DA RAZÃO PRODUZ MONSTROS
( FRANCISCO  DE  GOYA , 1746 - 1828 )
Produzidos pelos excessos e descontroles da imaginação criadora dos homens, a faculdade que que eles têm de representar seres ou coisas ausentes, os monstros “vivem” no psiquismo dos homens, invadem a sua consciência, anulando ou distorcendo o que se entende por vida racional. Seja pela memória, pelo hábito, pelos sonhos, por  desejos recalcados ou por complexos, essas entidades vêm, ao longo de  milênios, dando provas de seu poder, da sua ineludível presença na vida dos seres humanos.

Todas as sociedades humanas sempre procuraram estabelecer o que devia ser entendido por seus membros como essencial para a sua sobrevivência, principalmente sob o ponto de vista moral, das suas relações, do seu convívio, em termos de sentimentos, ação e razão. Conceitos como humano, humanidade, humanismo, vida comunitária, por exemplo, pedem limites  bem definidos. Comportamentos que afrontam ou que contrariam esses conceitos, baseados em práticas e valores diferentes, devem ser desestimulados, condenados, proibidos. 

Na história da humanidade, um dos meios mais eficazes para falar de comportamentos socialmente nefastos, condenáveis, que atentem contra a ordem estabelecida, foi o de compará-los com exemplos retirados do reino animal, considerados totalmente contrários àqueles que são esperados de um ser humano normal. Daí se caracterizar, de uma maneira no geral muito simplista  até, como animal, bestial, esses comportamentos, como se houvesse uma fronteira perfeitamente definida entre a vida instintiva e a vida racional.


CAPITEL  ROMÂNICO  FRANCÊS
IGREJA  DE  ST. PATRICE, NIÈVRE
O comportamento animal diz respeito ao que se denomina vida instintiva. Instinto é impulso para agir que independe da razão. No animal, tem caráter compulsivo e nele costumamos distinguir três características: é inato, uniforme e específico a cada espécie. Já quanto ao ser humano, a vida instintiva apresenta bem maior complexidade: depende do temperamento de cada um, da sua inteligência, do seu nível de consciência, e da maior ou menor pressão por ele sentida com relação às regras sociais.

É preciso lembrar que nenhuma outra fonte iconográfica proporcionou ao homem tantas possibilidades para ele estabelecer o seu universo simbólico como o animal. Poucas são as qualidades e peculiaridades humanas que não podem ser representadas pelo mundo animal. Os mitos, as religiões e mais perto de nós a psicologia sempre procuraram representar o simbolismo da vida instintiva, do inconsciente, da libido e das emoções valendo-se sobretudo de exemplos colhidos no mundo animal. 


MONSTROS   DE   BESTIÁRIO   MEDIEVAL


CENTAURO
Na mitologia grega, os centauros fazem parte de um grupo de monstros bicorpóreos, formados por uma parte humana e por uma parte animal. Representam assim a permanente ameaça da vida instintiva à vida racional. Na sua parte superior, pelo ser humano, possuem cabeça, tronco e dois braços; na parte inferior, pelo cavalo, possuem a genitália animal, quatro pernas e patas.  Concupiscentes, lúbricos, os centauros mais conhecidos, viviam em bandos, alimentavam-se de carne crua, eram barulhentos e gostavam do vinho, embriagando-se facilmente, entregues sempre às mais baixas paixões.


POSEIDON   E   ANFITRITE 
O cavalo, na mitologia grega, foi “inventado” pelo deus Poseidon quando disputou com Palas Athena a tutela da polis ateniense. Conta o mito que o povo da cidade optou pela “invenção” que a deusa lhe ofereceu, a oliveira, rejeitando a oferta do deus dos oceanos. Dentre as várias possibilidades significativas que o cavalo adquiriu, uma das mais importantes foi a de se considerá-lo como um símbolo universal da energia psíquica colocada a serviço das paixões humanas, a sexual sobretudo, paixões que se não controladas podem levar o homem à destruição. É com este sentido, por exemplo, que ele aparece nos bestiários medievais como um ser da impulsividade, da impetuosidade dos desejos, das pulsões instintivas que acometem o homem. Esta associação do cavalo com as forças obscuras que atuam no psiquismo do ser humano, visualiza-o sempre como uma encarnação da libido negativa que se opõe a qualquer tentativa de controle. 

É de se lembrar que algumas línguas, como a francesa e a inglesa, encerraram  na designação que deram a sonhos angustiantes, os pesadelos, essa relação entre o cavalo e as forças obscuras do inconsciente. O pesadelo, como se sabe, é um sonho  aflitivo que nos oprime, como se algo (a pata de um cavalo) pressionasse o nosso peito, podendo afetar a nossa respiração, causando inclusive perturbações respiratórias, dispneia. Em francês, pesadelo é cauchemar, palavra formada pelo verbo cauchier (calcar, oprimir; calcare, em latim) e por mare, palavra oriunda de antigas línguas europeias nas quais tinha tanto o sentido de besta, animal, cavalo como de fantasma noturno). Para os ingleses, a mesma coisa: pesadelo é nightmare, que podemos traduzir como a opressão noturna do cavalo. 


PÉGASO  ( JAN  BOECKHORST , 1604 - 1668 )

Apesar desta visão negativa do cavalo aparecer com muito ênfase nas tradições mítico-religiosas e artísticas, não podemos esquecer que foram os próprios gregos que também viram o animal positivamente. Esta versão positiva do animal, que recebeu o nome de Pégaso (nome que lembra fonte, em grego), tem na sua origem uma história na qual aparece o  próprio deus Poseidon, que o gerou ao se unir à Medusa. Aparecendo como um animal em tudo diferente dos centauros, Pégaso é, no mito, tanto montaria de heróis como um símbolo de elevação, da imaginação criadora e fonte da inspiração poética. 


HIPOCRENE ( JOOS  DE  MOMPER , O JOVEM , 1564 - 1635 )

Branco e alado, rápido como o vento, só poderia ser montado por heróis. Ao escoicear o flanco do monte Helicon, fez brotar a fonte de Hipocrene (Fonte do Cavalo), de cuja água podiam se beneficiar os artistas para a sua inspiração. Para que isto acontecesse, porém, os artistas, como os heróis, deveriam ter o domínio completo da sua montaria, isto é, ser donos de uma tekhne (técnica) perfeita. Sem esta, Pégaso lançava ao solo tanto cavaleiros como artistas despreparados. 


LA  DAME  À  LA  LICORNE, 1484 -1538
Em muitas tradições, depois, lembre-se, na esteira da grega, temos o registro da transformação do cavalo num símbolo positivo, como, por exemplo, o encontramos na famosa tapeçaria de La Dame à La Licorne. No início da Idade Média, o cavalo adquiriu um status de nobreza, uma aura solar. Apesar de continuar trabalhando nos campos e de simbolizar a impetuosidade dos desejos, associado à vida inconsciente, sua imagem consagrada neste período é a que o considera como a montaria do guerreiro, do cavaleiro, do caçador, sempre valorizado positivamente pelas ordens de cavalaria que se fundam em vários países da Europa.      

Agrupam-se os centauros na mitologia grega em duas famílias. Uma delas está relacionada com a história de Ixion, filho do deus Ares, rei dos lápitas, um povo da Tessália. Insolente e falastrão, para se casar com a bela Dia, Ixion prometeu ao pai da jovem, Dioneu, que o cumularia de presentes, uns cavalos maravilhosos. Realizado o casamento, nada de presentes, porém. Ao reclamá-los ao genro, Dioneu foi assassinado por ele, que lançou o corpo do sogro num poço cheio de carvões em brasa. Ocultando o acontecido, falso e hipócrita, Ixion passou a cultuar a memória do sogro em cerimônias que Dia realizava.

Historicamente, os lápitas eram rudes criadores de cavalos e mercenários. Violentos e cruéis, viviam nos maciços montanhosos ao norte da Grécia. Úmida e fria no inverno, muito quente no verão, a Tessália se integrou ao mito pelas histórias de muitos de seus personagens, do deus-rio Pneu, da ninfa Filira, de Lápites (filho de Apolo), de Mopso e de muitos outros, alguns inclusive participantes da expedição dos argonautas.


O assassinato de Dioneu acabou sendo descoberto e levou os lápitas a investigar outros crimes cometidos por seu rei, todos desvendados. Ixion foi afastado do trono e expulso do seu reino.Tornou-se um ser errante, um nômade, por todos amaldiçoado. Zeus, que do alto tudo via, compadeceu-se inexplicavelmente de seu neto, chamando-o para viver no Olimpo. Mal instalado na mansão dos deuses, atacado por imensa hybris, ousou Ixion cometer um crime muito mais grave do que aqueles que cometera em sua vida terrena. Tentou violentar a deusa Hera, esposa imperial de Zeus, seu protetor. 

ZEUS  E  HERA ( PETER - PAUL RUBENS , 1577 - 1640 )

Cientificado do fato por Hera, Zeus mandou confeccionar com nuvens um simulacro de sua esposa, em tudo idêntico a ela, chamando Nephele (nuvem, em grego). Ixion caiu no engodo. Unindo-se sexualmente com o simulacro da deusa, tornou-se pai de uma grande ninhada de centauros, machos e fêmeas, despachados para viver na Terra, chamados desde então de ixiônidas. Para castigar o insolente Ixion, Zeus lhe deu ambrósia, tornando-o imortal, e depois o mandou para o Tártaro, o mais profundo do mundo infernal, para que, até o final dos tempos, ficasse amarrado com serpentes a uma roda incandescente ali a girar. Alguns poucos mortais que visitaram o Hades, contam que Ixion, preso à roda, grita dia e noite: Honrai vosso benfeitor pelo tributo da gratidão. 

KRONOS    E   FILIRA
( PARMIGIANINO , 1503 - 1540 )
O outro grupo familiar onde encontramos centauros é o que tem por origem a relação que Kronos manteve com uma jovem e belíssima oceânida, que passou à história com o nome de Filira (nome grego da tília, árvore-símbolo da amizade). Kronos uniu-se à jovem sob a forma de esplêndido garanhão, já que ela, para fugir dele, tomara a forma de uma égua. Dessa união, nasceram vários centauros, totalmente diferentes dos ixiônidas. Gentis, pacíficos, eram amigos dos deuses e dos humanos. Dentre todos, porém, destacava-se um, inteligentíssimo, ao qual foi dado o nome de Kiron (do grego, kheir, mão), “o que trabalha com as mãos”.

Além dos dois grupos familiares mencionados acima, temos que fazer referência também a um outro centauro, pela sua participação indireta na morte de Kiron. De nome Folo, filho único de um sileno e de uma ninfa melíade, este ser, nascido como centauro, era
NINFAS   E   SÁTIRO
pacífico. Silenos participam do mito como companheiros envelhecidos do deus Dioniso, fazendo parte de seu séquito. As melíades, nascidas do sangue derramado de Urano, quando de sua castração por Kronos, são ninfas dos freixos, árvores que fornecem uma madeira especial pela qual os heróis gregos têm especial predileção para a confecção dos cabos de suas lanças. Vivendo na Arcádia,  Folo recebeu Hércules quando nosso herói para lá se dirigiu para dar cumprimento ao seu sétimo trabalho, a captura do javali de Erimanto. 

Certa vez, quando em visita à Terra, o deus Dioniso, hospedado por Folo, deu-lhe uma botija de precioso vinho, recomenando que só a abrisse quando Hércules passasse pela região. Lembrando-se da recomendação do deus, mas, ao mesmo tempo, sabendo que se abrisse a botija os centauros ixiônidas que por ali viviam  invadiriam a sua gruta, relutava em fazê-lo. Precipitando-se, Hércules rompeu o lacre da botija; imediatamente, os ixiônidas, com grande algazarra, invadiram a gruta, tentando arrancá-la das mãos do nosso herói. Reagindo, Hércules matou alguns, pondo-se a perseguir outros que fugiram. Ao retornar, Hércules encontrou Folo agonizante. Ao sepultar diligentemente os centauros que nosso herói matara, uma das flechas, que eram envenenadas, acidentalmente desprendeu-se e o atingiu na perna. Hércules esperou que Folo morresse, preparando-lhe um funeral magnífico.

Pesarosa, diante dos monstruosos filhos que tivera, a jovem oceânida rejeitou-os e pediu aos deuses que a metamorfoseassem, sendo ela então transforma
POTNIA   THERON
da numa tília. Kronos, por seu lado, entregou Kiron a Ártemis e a Apolo, os deuses da Lua e do Sol, respectivamente, para que eles se encarregassem de sua educação. Como preceptora do infante Kiron, Ártemis assumiu diante dele o seu aspecto “oriental”, o de Potnia Theron, a Senhora das Feras, divindade protetora de todas as crias, filhotes e rebentos do mundo animal, protetora de tudo o que entrava na vida, mas que devia aprender que vida pede desapegos, como um passar, um fluir, um devenir constante.


ÁRTEMIS
Embora a corça seja o seu animal predileto, que está sempre ao seu lado, Ártemis nos lembra que em razão de seus imutáveis condicionamentos instintivos, a corça não “sabe passar”, não sabe adaptar-se a situações novas que tem de enfrentar. É, nesse sentido, instinto puro e, como tal, tem que ser sacrificada. Não é preciso se fazer muito esforço para perceber o quanto dessa educação pode ser aplicável aos seres humanos que não sabem construir uma personalidade autônoma nem nela integrar hábitos, atavismos e os comportamentos herdados, de modo a transformá-los  em algo seu. É por isso que a Lua, como se sabe, sob o ponto de vista aqui expresso,  encarna astrologicamente a anima, o princípio feminino, maternal, passivo, as trevas do inconsciente. Rege, por isso, os temperamentos linfáticos, digestivos, receptivos, marcados por forte instinto de conservação, sempre voltados para a calma, para vida protegida, a ser vivida dentro de fronteiras seguras.

A Ártemis de que falamos aqui nada tem a ver com aquela que os creto-micênicos veneraram como deusa da fertilidade do solo e da fecundidade humana. Esta deusa que aqui relacionamos com Kiron é chamada de Elafieia, a que massacrava corças e veados, no festival de Elafebolion, realizado anualmente em março, no qual, em alguns lugares da Grécia, se praticavam os ritos do diasparagmos (despedaçamento das vítimas ainda vivas) e da omophagia (consumo da carne e do sangue do animal sacrificado).


APOLO , KIRON , ASCLÉPIO

Quanto a Apolo, como deus da luz e da harmonia, transmitiu ele a Kiron que um ideal de sabedoria que só poderia se realizar pelo controle das pulsões, dos desejos humanos, pela via racional, e por sua progressiva orientação a caminho, sempre, de uma crescente espiritualidade. Faziam parte desse ideal apolíneo também os ensinamentos complementares referentes à ética, à mântica profética, à medicina, à leitura do céu e às artes em geral, com destaque especial para a música,  

Apolo explicou a Kiron, sob o conceito de inteligência, todo um conjunto de funções (sensação, associação, memória, imaginação, entendimento, razão e consciência) que lhe permitiram racionalmente compreender todas as relações entre os seres e as
KIRON , TAPEÇARIA  MEDIEVAL
coisas do mundo. Assim o fazendo, incutiu-lhe Apolo todo um ideal de sabedoria que, no homem, se realizaria por sua caminhada em direção de uma espiritualização progressiva pelo alargamento cada vez maior do campo da sua consciência. Um ideal de sabedoria no qual a vida instintiva e a razão, aquela devidamente iluminada por esta, se ajustariam para que ambas, cada uma no seu nível, se tornassem servidoras da vida espiritual, uma concepção ternária que o próprio Kiron emblematizava com o seu corpo híbrido e com o arco e a flecha que Apolo lhe pusera nas mãos. 

Aqueles que não sabiam “passar, que continuavam apegados às influências das suas origens, inteiramente presos à vida instintiva, não sabendo integrá-las a um eu novo que teriam que construir na sua caminhada,  Ártemis os “matava” impiedosamente. Era nesta condição que a deusa aparecia como cruel, sanguinária, bárbara, em vários cultos como o do Elaphebolion. 


APOLO   E   MUSAS

Como aconteceu também com relação à dupla personalidade de Ártemis, a personalidade apolínea que se relacionou com Kiron foi a do deus como venerada na Ática, a de uma magnífica figura, representada pelo Sol e pela luz civilizadora, sendo neste papel conhecido ele pelo nome de Apolo Musagetes (condutor das Musas), divindade tutelar de todas as artes. Não foi como uma divindade dórica, ligada à vida castrense e às aventuras colonialistas, honrado nos acampamentos militares, o violento, vingativo e temível Toxoforo (Arqueiro), que Apolo assumiu a educação de Kiron. Foi como um deus ático, ateniense, que ele transmitiu a Kiron um conhecimento que refletia um ideal de beleza e de progresso, representado pelo arco e pela flecha, por ele oferecido ao centauro, um símbolo complexo, do qual fazem parte, na perspectiva apolínea, ideais de separação e de libertação por um domínio em que se harmonizassem, uma servindo à outra, a vida instintiva, a vida racional e a vida espiritual. 

Kiron, do grego kheir, mão,  o que trabalha com as mãos, com os ensinamentos recebeidos de Ártemis e de Apolo, tornou-se um ser muito diferente dos seus congêneres ixiônidas. Sábio e prudente, amigo dos deuses e benfeitor dos humanos, era muito conhecido como médico, cirurgião, herborista e terapeuta, além de profundo conhecedor de todas as artes. Logo se tornou o tutor de um grande número de filhos de deuses e de futuros heróis. Vivendo num gruta do monte Pelion, casado com Cáriclo (a de grande beleza e renomada, etimologicente), oceânida, foi pai de três filhas, Hipe, Endeis e Ocírroe,  e de um filho, Caristo.

Passaram pela gruta de Kiron, como seus discípulos, além de  outros, os Discuros (Castor e Polideuces); Aquiles, o fremente; Hércules, cuja amizade lhe seria fatal; Jasão, o chefe da expedição dos argonautas; Ulisses, o polimetis; Meleagro; Acteon; Amphiaraos, o duplamente maldito; Diomedes. Dentre seus discípulos, merece referência especial Asclépio, filho de Apolo, que se tornaria a maior divindade médica da Grécia no grande santuário de Epidauro.


PELEU , AQUILES  E KIRON
Foi Kiron, por exemplo, quem deu sábios conselhos a Peleu para que ele cortejasse e se unisse a Tétis,para que dessa união nascesse Aquiles, o maior guerreiro dos gregos. Foi Kiron quem preparou o calendário de que se serviram os argonautas para a sua viagem à Cólquida, além de orientá-los com relação à posição dos astros no céu. Consta que Kiron, com os acordes de sua lira, curava muitas doenças e que pelo conhecimento da influência dos corpos celestes prevenia os homens quanto às suas influências nefastas. Muito se poderia dizer sobre a vida de Kiron e do quanto ajudou mortais, heróis e deuses. As informações mais detalhadas que temos sobre ele estão registradas em Apolodoro (Biblioteca Mitológica) e Apolônio de Rodes (Argonáutica).

A morte de Kiron se deve a uma fatalidade, ligada diretamente à  morte do centauro Folo, acima relatada. Hércules,  ao perseguir  os brutais e selvagens centauros que fugiram da gruta de Folo, disparou uma flecha que, trespassando o coração de um deles, de nome Elato, atingiu acidentalmente Kiron na coxa. O sangue dos centauros, como se sabe, é um veneno contra o qual não havia antídotos. A flecha envenenada não matou Kiron, pois tinha em seu corpo um lado imortal, como filho de Kronos. Isto não impediu entretanto que as dores o atingissem, causando-lhe  muito sofrimento ao seu lado mortal. Diante dessa aflitiva situação, Hércules propôs um acordo a seu pai divino, Zeus: que Kiron cedesse o seu lado imortal ao titã Prometeu, condenado a padecer eternamente por ter roubado o fogo dos céus e tê-lo entregue aos humanos. 

Acorrentado nas montanhas do Cáucaso por ordem de Zeus, um abutre gigantesco destruía diariamente o fígado do titã, que se recompunha à noite quando a monstruosa ave se afastava. Zeus afirmara que só o libertaria se um imortal cedesse a sua imortalidade a ele e fosse para o Hades, o reino dos mortos. Aceita a proposta, Kiron foi liberado de seu sofrimento e pode assim morrer tranquilamente. Para homenagear o desprendimento de Kiron e para que o seu exemplo jamais fosse esquecido pela humanidade, Zeus colocou o centauro-mestre nos céus, com o arco e a flecha nas mãos, como a constelação de Sagitário, a nona do círculo zodiacal.


CONSTELAÇÃO   DE   SAGITÁRIO

Desde então a constelação de Sagitário é representada pela mítica imagem do centauro, com um arco e uma flecha a ser disparada nas mãos. Muitas vezes, porém, ao invés da imagem do centauro, em algumas tradições astrológicas, já na antiguidade, a constelação era representada apenas por uma flecha, disposta de modo a formar um ângulo de 45º com a base da figura, o melhor ângulo para se atingir a máxima distância.