terça-feira, 3 de janeiro de 2017

CANIS MAJOR , CANIS MINOR





CANIS  MAJOR fica perto de Orion, a sudeste, tendo merecido, como acontece  com outras constelações, várias leituras, conforme a tradição que para ela se voltou. Para dela retirar todas as
ARGOS   RECONHECE   ULISSES
(THEODOR VAN THULDEN , 1606 - 1669)
possibilidades significativas, lembremos inicialmente que o cão foi um dos primeiros  animais a ser domesticado pelo homem. Desde então, passou a simbolizar a fidelidade, a confiança e a vigilância. A propósito, lembremos do cão Argos, de Ulisses, o único ser a reconhecê-lo, sob o disfarce de um mendigo,  quando de seu retorno a Ítaca.

ANÚBIS
Há que se destacar também o cão na sua função de animal psicopompo. Esta função foi, miticamente, a primeira a ele atribuída, como guia das almas na noite escura da morte. O deus Anúbis, entre os egípcios, se encarnava como cão selvagem (chacal). Nesta forma, ele protegia, nos desertos, os túmulos, evitando violações e roubo. Os gregos o associaram a Hermes, sendo ele venerado em Cynopolis, a cidade dos cães. Elevado ao status de divindade entre os egípcios, o cão era honrado em todas as casas, gozando de quase tanto prestígio quanto o gato, este uma
CÃES   MUMIFICADOS
( MUSEU  DO  LOUVRE )
manifestação de Rá, a grande divindade. O cão selvagem, o chacal, entre os egípcios aparecia também associado a Upuaut, patrono das portas, principalmente dos portões do mundo subterrâneo. Animal noturno, o chacal vivia nas margens dos desertos, fazendo, na sua forma divina, a passagem das almas para o mundo dos mortos. Domesticado no Egito desde tempos pré-faraônicos, quando o cão da casa morria os egípcios costumavam se depilar e jejuavam em sinal de luto. Em Tebas e Abydos foram encontrados cemitérios só para cães mumificados.    

Muito comum em várias culturas, como nas do antigo México, o sacrifício de cães aos mortos era feito para que eles conduzissem a alma do morto pelos caminhos certos quando da sua viagem para o Outro
ZODÍACO   MEXICANO
Mundo. É por essa razão, aliás, que a constelação do Cão Maior aparece como a décima terceira e última constelação do Zodíaco mexicano, lembrando morte, fim, mundo subterrâneo e também renascimento. Outra qualidade do cão, responsável pela sua valorização simbólica, é a de que ele é um animal capaz de pressentir perigos invisíveis. Esta qualidade vai além do faro, que é a capacidade que tem um animal, especialmente o cão, de conhecer qualquer coisa pelo olfato. 


CÉRBERO   ( VASO  GREGO )
Apesar de todas as suas qualidades positivas, o cão é visto também negativamente, às vezes pela mesma cultura. É o que acontece com os gregos antigos que tanto conheciam o cão como um animal bajulador e desavergonhado como viam nele o maior exemplo de devotamento ao seu dono e guardião da casa (phylax) e dos rebanhos. Os gregos têm em sua Mitologia o  monstruoso cão tricéfalo Cérbero, que não só guarda a entrada do Hades como simboliza  o inferno interior de cada ser humano no qual ele vive aprisionado. Na mitologia dos povos escandinavos e
GARM  ( J. GEHRTS , 1889 )
germânicos, por exemplo, temos o cão infernal. Garm, também monstruoso, ctônico, que no fim dos tempos (Ragnarok) atacará os deuses, enfrentando o deus Tyr, numa luta em que ambos morrerão. Garm guardava a entrada do Niflheim, país dor mortos, de geleiras eternas. Entre esses povos, Hela ou Hel era deusa da morte. Filha de Loki e irmã de Midgard, a Serpente, e de Fenris, o monstruoso cão, ela era invisível aos humanos. Só os cães podiam percebê-la, uivando desesperadamente quando a viam.

Os uivos e latidos dos cães sempre foram considerados por muitos povos da antiguidade, babilônicos, gregos, romanos e  gauleses, por exemplo, como lúgubres, ameaçadores, pois sinalizavam a passagem deste para o Outro Mundo.   


HÉCATE
Ainda na Grécia, não podemos esquecer a deusa lunar Hécate, que nas noites de Lua nova, saindo do Hades, subia à superfície da Terra, sempre acompanhada de cães negros e de outros animais. Cães negros, aliás, sempre representaram o lado negativo do animal, acompanhando  figuras   demoníacas, como feiticeiros e magos.


Os gregos viram nas constelações do Cão Maior, também chamada
MORTE   DE   ACTEON
de Canis Australior, e do Cão Menor, os animais de caça que acompanhavam o gigante caçador Orion, uma das constelações austrais, a ser estudada mais adiante. Em períodos mais recuados da tradição grega, esta constelação, entretanto, teve vários outros nomes. Uns a viram como uma ilustração da história Acteon, o desditado caçador que surpreendeu a deusa Ártemis quando se banhava desnuda num lago. A deusa transformou o caçador num veado, imediatamente morto a dentadas pelos seus próprios cães, açulados pela deusa. 

A constelação do Cão Maior, entre os gregos, também aparecia ligada ao centauro Kiron, mestre de heróis. Dentre as cinco artes que ensinava aos que o procuravam na sua caverna do monte Pelion, uma delas tinha relação com o cão. Era a cinegética, a arte de caçar com cães. Evidentemente, esta arte aqui mencionada não pode ser entendida pelo seu sentido literal, o de se abater simplesmente animais. O herói (nós, o homem comum) deve entender que a morte do animal deve significar aqui a destruição da sua ignorância, de suas inclinações negativas, de suas tendências de se aproximar de coisas nefastas e deletérias. Caçar, sim, então,
SMARTPHONE
oportunidades de crescimento, de desenvolvimento mental e espiritual, uma espécie de ascese, enfim. Isto será particularmente válido quando pensamos no homem moderno "caçando", com os seu aparelhos eletrônicos (smartphones) as "maravilhas" que a comunicação de massas lhe oferece. O cão entra nesta arte como um indicador de trilhas. Será então, neste papel, um símbolo da nossa animalidade conciliada que nos ajuda a ultrapassar o território liminar que separa a nossa vida consciente da nossa vida inconsciente, um primeiro estágio de nossa evolução.    

Outros  viram na constelação uma lembrança da história de Prócris. Filha de Erecteu, rei de Atenas, casada, traiu o marido. Temendo a vingança do esposo, fugiu para a ilha de Creta. Recebida por Minos, rei da ilha, logo foi assediada por ele. Tudo em vão, porém, porque pesava sobre Minos uma maldição lançada por sua mulher, a rainha Pasífae, que tinha poderes mágicos (era filha do deus
CIRCE
Hélio, irmã da maga Circe e tia de Medeia). Qualquer mulher, excetuando-se ela, Pasífae, que com ele viesse a ter relações sexuais morreria picada por serpentes que escapariam pelos seus poros. Prócris, contudo, impediu que isto acontecesse com Minos, pois Circe lhe dera uma erva que anulava qualquer encantamento. Minos, como recompensa, deu-lhe de presente um dardo que jamais errava o alvo e um cão, do qual nenhuma caça podia escapar, se por ele perseguida. 

Uma terceira variante, ligada à precedente, nos faz saber que Zeus presenteara a belíssima Prócris com um cão que tinha o dom de localizar e de agarrar qualquer caça. Este cão Prócris o deu de presente a Céfado, com quem se casou, depois que a deusa Eos, a Aurora, antes por ele apaixonada, o abandonou.

ARATUS
Por volta de 270 dC, Aratus, poeta e astrônomo grego, afastou as versões acima mencionadas, definindo, a partir de então para Astrologia ocidental, no que foi acatado pelas tradições mais consequentes, que o cão que “aparecia” na constelação que estava próxima de Orion era o animal que acompanhava o gigante nas suas caçadas. Os latinos adotaram a nomenclatura grega, passando a chamar o

Cão Maior de Canícula, ao que me parece erroneamente, já que a palavra em latim é diminutivo de canis, cão (o nome seria mais apropriado ao Cão Menor). Uma hipótese linguística seria a de se associar a constelação ao verbo latino candeo, ser de uma brancura brilhante, que aparece seguida de muito calor, algo abrasador; é deste verbo que sai candente, ardente. 

Alguns astrólogos latinos associaram esta constelação ao cão infernal Cérbero, chamando-a de Janitor Lethaeus (O Porteiro do Lethe), ou seja, o guardador do mundo do esquecimento, do sul, a região situada à esquerda do Sol. A palavra Lethe tanto significa aqui esquecimento, olvido, sono, como designa também um rio infernal, cujas águas tinham a propriedade de fazer esquecer o passado. 

CUCHULAINN
( E. MILLAR , 1905 )
O mundo celta via o cão positivamente, ligando-o ao mundo dos guerreiros. O maior herói dos celtas, Cuchulainn, um herói solar, que lembra Hércules e Aquiles, tinha seu nome derivado do animal. Os heróis eram comparados a cães, sempre uma homenagem ao seu valor guerreiro. A constelação do Cão Maior e a sua principal estrela associavam-se naturalmente à figura de Cuchulainn, herói que ninguém conseguia olhar diretamente, encarar. O calor que se desprendia de seu corpo derretia neve a uma distância de dez metros. Quando ele entrava na água, nela mergulhando seu corpo, ela borbulhava e emitia silvos.


SANTO   HUBERTO 
No mundo cristão, é de se lembrar que o cão aparece ligado a alguns santos, Huberto, Eustácio ou Eustáquio, Roque, Domingos e outros. Huberto (séc. VIII) é considerado o padroeiro dos caçadores e peleteiros. Eustácio, militar romano, depois canonizado, foi conduzido por seus cães de caça até um enorme veado (Cristo), que lhe perguntou a razão de tanta perseguição, decorrendo desse episódio a sua conversão. São
SÃO   DOMINGOS
Domingos tem como emblema um cão procurando o fogo (um cão com um archote na boca). É o fundador da ordem dos dominicanos (os cães do Senhor). Astrólogos cristãos medievais, contudo. associaram a constelação do Cão Maior ao animal que ficava junto de São Pedro (janitor, porteiro) guardando as portas de entrada do céu. Há aqui, também, uma evidente ligação com o signo de Sagitário, representado pelo apóstolo Pedro, o signo que abre as portas para a subida da montanha (Capricórnio).

Na Bíblia, o cão aparece também, em algumas passagens, negativamente, como símbolo da fraqueza e do servilismo. A história do dr. Fausto é um bom exemplo da demonização do cão a partir da visão bíblica.
FAUSTO   E   MEFISTÓFELES
O cão que o dr. Fausto encontra na rua e traz para casa era o próprio Diabo disfarçado, que depois toma a forma de Mefistófeles. No Islã, a não ser o animal usado nas caçadas, o cão é, no geral, objeto de repulsão, sendo sinônimo de impureza, de sujeira. É por esta razão que a cinofagia sempre foi proibida entre os muçulmanos. Embora as qualidades positivas do animal possam ser celebradas popularmente, através de ditados, provérbios e aforismos, prevalece sempre entre os povos do Islã uma visão negativa do animal.

A visão acima mencionada parece ter chegado ao Brasil, no período colonial, através  de negros islamizados que para cá vieram como escravos. Entre nós, o cão de um modo geral é tido como um animal demoníaco, confundindo-se ele muitas vezes com o próprio Diabo quando este é chamado pelo nome de Cão Tinhoso, Cão Sarnento. Estar com o cão no corpo é estar endiabrado, endemoninhado. Cachorrada, por extensão, é sinônimo de comportamento vil, indigno, indecente.

Sob o ponto de vista psicológico, lembre-se que o cão pode ser associado também ao processo de individuação do ser humano na medida em que o relacionamos simbolicamente com a vida instintiva na sua expressão mais negativa, a do perigoso aspecto de um animus inconsciente. Nesta visão, ele pode ser considerado como uma representação do primeiro estágio do desenvolvimento do psiquismo humano. 

A constelação do Cão Maior estende-se de 0º de Câncer a 0º de Leão, fazendo portanto a ligação entre a quarta e a quinta casas astrológicas. Ptolomeu entende que todas as estrelas desta constelação, com exceção de Sírius, têm a natureza de Vênus, proporcionando afabilidade na convivência, mas trazendo também o risco de paixões extremadas, além nictofobia e perigo por cães.
ARCANO   XVIII
Uma aproximação bastante frutífera poderá ser feita entre esta constelação e o arcano XVIIII do Tarot, a Lua, na medida em que nele temos simbolicamente ilustrada a passagem da vida inconsciente à vida consciente, com a consequente conquista de um eu que poderá nos dar acesso às torres douradas. Em outros termos: ultrapassada a quarta casa, a da Lua, fica aberto o caminho, a partir de Leão, para a ascensão até Capricórnio. Deixando para trás os atavismos, os condicionamentos, os hábitos, representados na figura pela água e pelo lagostim, surge à frente a experiência da travessia (a saída da quarta casa). Há que cruzar o limite  entre os dois mundos, guardado pelos cães que ladram, estes sem dúvida advertindo os “donos” da casa quanto à ousadia do “herói”, por sinal ausente da figura. Com exceção das oito patas do lagostim e naturalmente da Lua, tudo é duplo na imagem, tudo é gêmeo, A saída desta área pede que ao número que a representa, o quatro, se acrescente o número um, perfazendo-se o cinco, o número de um eu a ser criado, não herdado. Não há lugar nesta passagem para a dualidade, pois, do contrário, nunca será possível se passar do quatro ao cinco, sair da indeterminação para a conquista de um eu autônomo.


CANIS   MAJOR
A mais importante estrela de Canis Major é Sírius, alfa, a mais brilhante do céu, hoje a 13º 24´de Câncer. As demais são, em ordem de magnitude, Murzim, Wezen e Aludra. Para Ptolomeu, Sirius (do grego Sereios, latinizado) tem a natureza de Júpiter e um pouco de Marte. Sepedet para os egípcios, os gregos a chamavam de Sothis, A Brilhante, associando-se seu brilho máximo, no solstício de verão, às enchentes do rio Nilo e, portanto, ao renascimento do deus Osíris, que trazia de novo a fertilidade, vencendo seu irmão Seth, que simbolizava a esterilidade e a seca do deserto. Ísis-Sothis era um outro nome pelo qual então se designava a estrela. A importância de Sothis era tamanha entre os egípcios que eles a tomavam para fundamentar seu calendário (início do ano).

Sirius sempre teve seus efeitos, em várias tradições, ligados à causa da raiva animal, à loucura de cães, e à morte (Seth) e à ressurreição (Osiris), de um modo geral. Hesíodo assim advertia os seus vizinhos com relação às influência da estrela: Quando Sírius
HIPÓCRATES
resseca as cabeças e curva os joelhos, e o corpo está seco por causa do calor, vocês devem sentar numa sombra  e beber. Hipócrates, o pai da Medicina, no seu texto sobre as epidemias e nos seus aforismos, discorreu sobre o poder de Sírius, informando-nos sobre o tempo e os efeitos físicos que produzia, afetando a saúde dos humanos. Os romanos chamavam de dies canicularae o período que se estendia de 3 de julho e 11 de agosto, quando Sírius se mostrava, para eles talvez o período do ano menos saudável.  

Uma das histórias mais interessantes sobre Sírius é a que liga a estrela ao deus Pan. No mito grego, a par de outras versões sobre sua origem, Pan, filho do deus Hermes e de Dríope, foi muito usado por mitógrafos e por filósofos para simbolizar a própria encarnação do universo como um todo. Turbulento e jovial, teriomorfo (bode), era o deus dos pastores e dos rebanhos. Dotado de agilidade prodigiosa, percorria vales, bosques e grutas perseguindo ninfas para satisfazer a sua inesgotável energia sexual. Os imortais do
PAN  ( LOUISE  D'AUSSY , 1944 )
Olimpo se identificavam com ele enquanto representava, acima de tudo, a energia presente em todo o universo, a energia fecundante do Todo. Seus aparecimentos súbitos provocavam o pânico, um terror que se apossava de tudo, da natureza, dos animais, dos seres humanos, perturbando o espírito e enlouquecendo os sentidos. Pan acabou por personificar a parte do Todo que há em cada ser. Filósofos neoplatônicos e cristãos farão dele a síntese do paganismo.

PLUTARCO
Plutarco (46-120), o grande historiador grego, narra que ao tempo do reinado de Tibério um piloto que conduzia um barco, perto da ilha de Naxos, ouviu uma voz misteriosa que, vinda do mar, anunciava soturnamente, mas de modo perfeitamente audível: O Grande Pan está morto e que essa mesma voz lhe pedira que, ao chegar ao Épiro, transmitisse a todos a mensagem que ouvira. A história prossegue, dizendo-nos que quando os marinheiros tinham acabado de transmiti-la um grande lamento se elevou, vindo dos animais, da vegetação, das pedras, de toda a natureza. 

Muitos historiadores que se voltaram para este episódio interpretaram a frase como um lamento que anunciava o fim dos antigos deuses greco-latinos, o fim das velhas instituições, o alvorecer de uma nova era, que traria o silêncio dos oráculos e o fim das grandes divindades. Outros, porém, apresentaram uma outra leitura desta história. O anúncio O grande Pan está morto teria sido a versão grega de uma história muito mais antiga, egípcia, a morte dos deuses e das instituições do país do Nilo, versão esta que tinha como personagem Ísis-Sothis. 

O poder de Isis se estendia a todo o universo. Cada ser humano tinha o gota do sangue da deusa. Tanto no oriente médio como na Grécia ou em Roma e em toda a bacia do Mediterrâneo, Isis foi adorada como deusa suprema e universal. Era a deusa de toda a natureza, mãe de todos os elementos, suprema, rainha dos manes, primeira dentre as divindades celestes. Em todos os círculos
CRUZ   ANSADA
esotéricos, ela era considerada como a Iniciadora, aquela que tinha o segredo da vida, da morte e da ressurreição. A cruz ansada (ankh) ou o nó de Ísis são os símbolos de seu poder infinito. Em todas as religiões de mistério da antiguidade, ela, mais do que qualquer outra deusa, representava o princípio feminino, fonte de toda a fecundidade e transformação. Para os povos semitas, lamento semelhante estava presente nos cultos de Tammuz (Adônis dos gregos), divindade que simbolizava o grão.




SEPEDET  ( SIRIUS OU SOTHIS )  ADORADA   NO   VALE   DO   NILO

Os egípcios tinham um calendário, desde mais ou menos 5.000 aC., baseado na elevação heliacal de Sirius no solstício de verão. Este calendário foi abandonado pelos sacerdotes egípcios em 23 aC, depois de milhares de anos, adotando-se o calendário alexandrino, em virtude de ter Sothis se submetido a efeitos precessionais (precessão: a lenta mudança de direção do eixo da Terra devido à ação gravitacional da Lua no bojo do equador terrestre). A lenta mudança do eixo causa o movimento em direção do oeste dos equinócios, entre as constelações). Sírius não se levantou com o Sol naquela data. O acontecimento teve enorme repercussão religiosa. Tendo sido Sírius afetada, a deusa (Ísis) também o foi. 

PTOLOMEU , 1559
Segundo Ptolomeu, Sirius tem a natureza de Júpiter e de Marte, proporcionando renome, riqueza, realce e também  fortes paixões, podendo inclinar à curatela de alguém ou de algo e a atividades protetoras. No mais, perigo através de cães. As melhores influências de Sírius aparecem quando o individual dá lugar ao coletivo, ou seja, conquistas mundanas são colocadas a serviço de interesses maiores. O aspecto elevado que Sírius oferece pede o sacrifício do lado “mortal”. Quanto mais dermos passagem ao todo, ao coletivo, ao humanitário, ao espiritual, se quisermos,
TÉTIS   E   AQUILES
( PETER  PAUL  RUBENS )
com a atenuação do nosso lado racional, egoico, maiores os benefícios de Sirius. Algumas “metáforas” mitológicas são cabíveis aqui para uma melhor visualização do que está se colocando. Através delas temos como ideia central a de que o divino só aparece com o sacrifício da matéria. Uma delas está na passagem em que Tétis, a mais bela das nereidas, tentou imortalizar seu filho Aquiles, temperando-o no fogo (calcinatio) no sentido de destruir o seu lado mortal. Outra é a de Deméter quando tentou 
imortalizar Demofonte, filho do rei de Elêusis, esfregando-lhe no corpo ambrósia (e depois levando-o à calcinatio). Um terceiro exemplo está na história de Hércules, quando do seu suicídio apoteótico, que lhe abriu o caminho do Olimpo. A morte de Hércules teve como causa o fogo, através do qual ele se purificou por inteiro, despindo-se do se lado mortal, que lhe havia sido dado pelo lado materno (Alcmena).

TRIÂNGULO   DA   AFIRMAÇÃO
Astrologicamente, todas estas histórias, a partir da constelação do Cão Maior, que nos fala do nascimento de um eu (Câncer para Leão), prenunciam a trajetória evolutiva do fogo, através do chamado triângulo da afirmação, constituído pelos signos de Áries (Ascendente), Leão (casa V) e Sagitário (casa IX) e acenam também para o significado acidental da casa V (Leão), na medida em que apontam para o pessoal dando lugar ao coletivo, casa XI (Aquário). O tema astrológico de Gandhi é, sem dúvida, um bom exemplo para o estudo do Cão Maior e de sua principal estrela, Sírius.

A estrela beta do Cão Maior é Murzin, de 2ª magnitude, a 6º 29´ de Câncer, às vezes chamada de Mirzan. O nome vem do árabe, Al Murzim (a que anuncia), já que surgia antes de Sírius. Ptolomeu a considerou como jupiteriana. A estrela incorpora o simbolismo do cão enquanto ele chama a atenção, latindo muito. As influências desta estrela costumam se apresentar em mapas de pessoas cuja vida parece estar ligada a declarações, revelações, de natureza variada. Declarações ou revelações muitas vezes proteladas,
EDUARDO VIII  E
SRA. SIMPSON
retardadas, mas que acabam sendo produzidas, desmentindo o ditado de que o cão que ladra muito não morde. Há casos de pessoas com esta estrela evidenciada de algum modo que podem passar a vida “ladrando”, mas um dia acabam “mordendo”. Um exemplo histórico é o mapa de Eduardo VIII, da Inglaterra, que renunciou ao trono inglês (renuncio em consideração à mulher que amo) para se casar com uma divorciada, a americana Sra.Simpson, tornando-se depois o duque de Windsor. 







CANIS MINOR sempre foi chamada por Ptolomeu de Procyon, o segundo cão de Orion. Os latinos, como Cícero, davam-lhe o nome de Anticanis, ou, outros, de Praecanis, Procynis etc. Ou seja, a que vinha antes do Cão Maior. Aos poucos, as denominações se fixaram: Cão Menor para a constelação, apenas, e Procyon para a sua principal estrela. Foram os latinos (Lucanus, poeta, sobrinho de Sêneca) que lhe deram também o nome de Catulus ou Catelus, pequeno cão. Os gregos viram nesta constelação o cão Mera, cuja história foi apresentada no texto sobre Bootes. 

Os árabes deram a esta constelação o nome de Al Kalb al Asghar, o Pequeno Cão. É preciso, porém, entender que os árabes, com exceção do cão de caça, um galgo, por exemplo, fazem do animal um sinônimo de impureza. Um hadith (dito atribuído ao Profeta, recolhido por um isnad, testemunho auditivo) chega até a afirmar que os latidos de um cão afastam os anjos. Lembremos que o cão no folclore brasileiro é tido como sinônimo de algo demoníaco, luciferiano (Cão-Tinhoso é um dos nomes do Diabo), embora também o encontremos positivamente como símbolo da fidelidade e da dedicação devotada. O desprestígio moral do cão foi trazido ao Brasil durante o período colonial pelos negros islamizados. 

Os antigos chineses consideravam que a constelação do Cão Menor caracterizava o cão como um símbolo de tudo o que era passageiro,

efêmero ou fenomênico. Um ritual chinês muito famoso usava cães de palha com este sentido. No quinto poema do Tao-te-Ching, de Lao-Tse, obra máxima da antiga sabedoria da China, encontramos uma referência muito esclarecedora sobre esse ritual. Fala o grande mestre no poema que o universo não não tem predileções ou afetos por ninguém, por nada; que todas as coisas do mundo são para ele como cães de palha. Assim como o universo não tem predileções ou afetos, o santo também não os terá: o povo, para ele, não passa de um cão de palha. Lao-Tse fecha este pequeno poema afirmando que quanto mais falamos sobre o universo menos o apreendemos. O melhor, conclui, será nos inserirmos nele, ao contrário de ficarmos sobre ele discorrendo.  

O cão de palha é objeto ritual usado em cerimônias fúnebres para representar a precariedade da existência. Terminada a cerimônia, deve ser queimado, destruído, uma vez que deixou de ser útil; conservá-lo, seria torná-lo nefasto, correr o risco de, usando-o de novo, atrair espíritos que perturbariam o sono dos familiares do morto. O recado de Lao-Tse é óbvio: o cão de palha simboliza o caráter transitório das coisas do mundo, às quais o sábio deverá renunciar, delas se desapegando. Uma tradição chinesa dá o nome a esta constelação de Nan Ho, o Rio do Sul, associando-a a influências que proporcionam fortuna, fama, saúde, sempre com a ideia de que tudo isto pode, como acontece como um rio, “correr” muito depressa, passar logo. 




Procyon encontra-se atualmente a 25º06´ de Câncer; é de 1ª magnitude, alfa, e é uma das estrelas mais próximas da Terra, cerca de 11,2 anos-luz. Ptolomeu associa a influência de Procyon a Mercúrio, com uma leve contribuição de Marte. O significado astrológico de Procyon, em todas as tradições, incorpora ideias de rapidez, de algo que dura pouco, perecível, efêmero. Procyon sai na frente de Sírius, mas logo desaparece diante do esplendor desta última. O
MORIN   DE   VILLEFRANCHE
favorecimento de Procyon deve ser aproveitado logo, não se podendo esperar para colher o que ela oferece. Evidentemente, quanto ao mais, a estrela aponta para o perigo com relação a cães, o mesmo se diga também com relação a Sírius quanto a este particular. O mapa de Morin de Villefranche é um bom exemplo para se estudar a influência de Procyon. 

MARIA   DE   MÉDICIS
Sob a proteção da rainha Maria de Médicis, Morin assumiu em 1.629 o posto de professor de matemática do Colégio de França, deixando os serviços do duque de Luxemburgo. É neste período de sua vida que se aproxima mais do virginiano Cardeal de Richelieu (Armand-Jean Du Plessis), prelado e homem político que, como sabemos, foi a eminência parda do reino francês por longo período no século XVII. A parte mais ativa da vida de Morin transcorre praticamente dentro da primeira metade do século XVII, durante o reinado de Luiz XIII, que se estende de 1.610 a 1.643. Por trás de Luiz XIII encontramos a figura do cardeal que, com mão de ferro, promoveu uma depuração política e religiosa de modo a tornar o libriano rei muito poderoso. Quando Luiz XIII morreu,  em 1.643, o leonino Luiz XIV, o futuro rei-Sol, não tinha mais que cinco anos.

As relações entre Morin e o cardeal Richelieu nunca foram
RICHELIEU
esclarecidas devidamente. O que se sabe de concreto é que Morin alimentava com relação ao poderoso cardeal muito ressentimento. O fato foi causado pelo seguinte fato: os reis da Europa, inclusive o da França, haviam oferecido uma enorme soma em dinheiro para quem criasse um método confiável para cálculo das longitudes geográficas. No ano de 1.634, no dia 30 de março, Morin faz uma demonstração do que chamou de “Ciência das Longitudes” diante de uma grande plateia (cientistas, nobres, religiosos etc.), mais de 300 personagens importantes da Corte. Depois de seis horas de discussão, o trabalho foi aprovado. Poucos dias depois, porém, o Cardeal, sem uma justificativa pública plausível, substituiu retroativamente cinco dos comissários julgadores da apresentação de Morin e a decisão foi reconsiderada. O trabalho foi rejeitado. Morin não foi ouvido e nada lhe foi comunicado, por escrito ou verbalmente. 

Só depois da morte do Cardeal, ocorrida em 1.642, é que o assunto
LIVRE
voltou a ser considerado. Foi o próprio Morin, com base na oportunidade mais propícia para fazê-lo, analisada astrologicamente, obteve, em 1.645, do Real Conselho a reconsideração da decisão do Cardeal. Seu trabalho foi então aprovado e lhe foi concedido no ato um prêmio de 1,000 livres e uma pensão mensal de 2.000 livres. Uma belíssima soma, sem dúvida.

Morin tinha Procyon a mais ou menos 18º de Câncer, no Nadir, em conjunção com Netuno, dispositor e em trígono com os planetas que tinha na sua casa XII, Vênus, Sol, Júpiter, Saturno e Lua.