quinta-feira, 19 de junho de 2014

HÉRCULES - NONO TRABALHO


LAGO  ESTINFALO  -  PELOPONESO

AS AVES DO LAGO ESTINFALO - Na Arcádia, havia um lago de nome Estinfalo, às margens do qual viviam milhares de aves. Como os habitantes da região contavam, sempre afirmando terem ouvido a história de seus ancestrais, as aves tinham uma característica estranha, incompreensível: jamais pousavam em algum galho de árvore ou desciam à terra à beira do lago; viviam em permanente movimento, incansáveis, dia e noite.  Tinham vindo de muito longe, multiplicando-se de modo descontrolado, como uma verdadeira praga. Eram metálicas, ágeis, não muito grandes, com bicos de ferro, de garras afiadas que feriam e matavam animais e também seres humanos, já que sempre procuravam atacar em grupos. Além do mais, gostavam de carne humana. Corria também entre os habitantes da região a notícia de que eram antropófagas, com predileção pelas entranhas dos seres que abatiam.


HÉRCULES   E  AS  AVES  DO  LAGO  -  CERÂMICA GREGA

O que se sabe é que o lago aos poucos foi se transformando num lugar sombrio, sujo, de águas pesadas, pantanoso, devido aos dejetos das aves, restos de animais e de seres humanos em decomposição. Tantas eram as aves que em torno do lago volteavam que a luz do Sol não mais chegava ao solo. Alguns mitógrafos, porém, como Apollodoro, mais realistas talvez, nos informam que as aves, em número incontável, se escondiam em florestas próximas, fazendo delas uma espécie de base para as suas ininterruptas incursões pela região do lago, aterrorizando os camponeses da região.   


HEFESTO

Ao se aproximar do lago para exterminá-las, conforme determinação de Euristeu, Hércules foi atacado por algumas delas. Conseguiu afugentá-las, brandindo a sua clava furiosamente. Logo, porém, elas voltavam, agressivamente. Para melhor dar cumprimento ao seu trabalho, recebera nosso herói da deusa Palas Atena um pequeno sino de bronze, fabricado por Hefesto. Quando o recebeu, não atinou bem com a razão do presente, mas, como lhe era oferecido por uma divindade, guardou-o. 

HÉRCULES

Agora, diante do lago, percebeu o motivo da dádiva. Serviria para espantar as aves. O sino, agitado por Hércules, produzia um som quase sobrenatural, extremamente desagradável. Amedrontados, os pássaros, aturdidos, entontecidos, começaram a voar desorientados, chocando-se uns contra os outros. Aproveitou-se então Hércules para, com seu arco e flechas que tudo atravessavam, presente de Apolo, matá-las, promovendo, assim, a limpeza do lago. As que o nosso herói não conseguiu atingir, acabaram fugindo, voando para longe, jamais retornando à região, conforme histórias que os habitantes locais foram passando depois de geração em geração.

Antigos textos (Pisandro), porém, nos oferecem outra versão:
DIODORO  DA  SICÍLIA
Hércules não matou as aves, apenas as expulsou, tomando elas a direção da Cítia. Diodoro da Sicília, ao que parece sempre pronto a nos passar depoimentos favoráveis sobre a inteligência de nosso herói, nos relata que o uso de um instrumento sonoro para a expulsão das aves foi ideia sua, nada tendo Palas Athena a ver com ele. Ainda dentro do capítulo das versões sobre este trabalho, não podemos esquecer de uma, que apareceu no período helenístico da história grega, atribuída a Mnaseas de Patara, séc. II aC, que viveu na Capadócia, mitógrafo evemerista, de tendência racionalizante: segundo ele, os problemas na região do lago eram causados por mulheres, filhas do herói Stymphalos e de Ornis (pássaro, em grego). Hércules as matou porque elas haviam acolhido os Molíonides (os belicosos, etimologicamente), gêmeos, filhos de Poseidon e de Molíone, que tentaram interferir no trabalho de nosso herói, que lá estava, no sentido promover o saneamento (construção de um canal de drenagem) da região do lago. 

EVÊMERO  DA  MESSINA
O evemerismo foi uma doutrina criada por Evêmero da Messina, séc. IV aC, mitólogo, autor de Hiera Anagrafa (História Sagrada), pela qual se explicava que os mitos gregos nada mais eram que fatos históricos que, com o tempo, haviam sido mitificados; a transmissão oral, perdido o contacto com a história original e com os seus personagens, fora revestindo-as de características sobrenaturais, maravilhosas (etimologicamente, o que causa admiração). A teoria evemerista despertou muito interesse a partir do Renascimento, sendo Voltaire um de seus entusiastas como o atesta seu texto Diálogos com Evêmero. A doutrina de Evêmero é considerada como uma teoria hermenêutica (abertura de sentidos), segundo a qual o sentido mais importante de um texto está abaixo da sua superfície, oculta-se na sua literalidade. Utilíssimo também, a meu ver, quando falamos de mitologia, valermo-nos da hyponoia, recurso filosófico grego que nos remete muito mais aos aspectos simbólicos dos textos do que aos históricos, sempre um poderoso método para uma interpretação alegórica, para a  extração de sentidos ocultos. 

Quanto ao nome da região, é oportuno esclarecer ele vem de Stymphalos,  herói epônimo que tanto deu nome à cidade, à montanha e ao lago que nela se encontram, no Peloponeso. Era ele o pai das estinfálidas, assim chamadas as suas filhas. Destaque também a esta altura, com relação à intervenção de Mnaseas, para o fato de que Hércules deve ter sido realmente um personagem histórico, um herói civilizador, promotor do progresso, um fundador de cidades, fazendo parte dessa sua ação pioneira sobretudo os serviços que realizava para sanear as regiões onde ia atuar (drenagem, construção de barragens, de diques, contenção das margens de rios etc.), como podemos ter neste nono trabalho e como temos também, de modo explícito, no décimo primeiro. Fazia também parte importante de sua atividade civilizadora, como fartamente demonstram os trabalhos, a missão de cuidar da segurança das regiões às quais levava seu espírito empreendedor, das quais procurava afastar bandidos e animais selvagens. Além disso, sabe-se que Hércules deixou inúmeros filhos por onde passou, cujos descendentes  até hoje se orgulham de possuir o seu nome. Chamavam-se heráclidas os filhos que teve com Djanira; eles, seus filhos e netos, como sabe, colonizaram o Peloponeso, a vasta península que forma o extremo sul da Grécia, que o estreito de Corinto liga ao continente.    

Em grego, lembre-se, ave é ornis. Desde a mais remota antiguidade, as aves sempre foram consideradas simbolicamente como um elemento de ligação céu-terra. Representam, de um modo geral, o poder humano de ligação com as divindades, das quais elas são também mensageiras ou atributos; simbolizam enfim estados superiores do ser, aproximando-se das esferas espirituais ou das faculdades superiores dadas ao homem. Elas são depositárias da linguagem celeste e, como tal, utilizadas como instrumento privilegiado na arte augural. A adivinhação baseada em seu voo tinha o nome de ornitomancia. Em muitas tradições, como na grega, as aves equivaliam às palavras. Seu voo, canto ou pio encerram mensagens que é preciso aprender a decifrar.  

A importância da ornitomancia poderá ser avaliada se lembrarmos
TIRÉSIAS
que um dos maiores adivinhos da mitologia grega, Tirésias, tinha recebido o dom interpretar o canto dos pássaros. Filho da ninfa Cáriclo, ainda púbere, flagrou sua mãe e a deusa banhando-se nuas numa fonte. De imediato, Palas Athena o cegou. Cáriclo queixou-se a Zeus, falando da crueldade de sua querida filha. Zeus, compadecido, deu ao jovem um bordão mágico que o guiava perfeitamente como se tivesse olhos e lhe purificou os ouvidos para que pudesse interpretar a voz dos pássaros. Mais ainda: prometeu-lhe Zeus que ele conservaria os dons recebidos mesmo depois de sua morte.

Como testemunhas da criação, tudo o que provêm das aves, segundo o entendimento mítico grego, tem um caráter sagrado, lembrando preces, hinos à natureza e à própria vida. Deste modo, o canto-palavra dos pássaros é mensagem que se dirige a poderes superiores, a instâncias mais altas, unindo o próximo ao distante, ao transcendente. Esta a visão sublime dos antigos gregos com relação às aves.

ÍCARO
Na simbologia e na mitologia, os pássaros, de um modo geral, têm uma valorização positiva. Na mitologia grega, encontramos duas exceções a esta atitude com relação a elas: as Harpias e as aves do lago Estinfalo. Tanto as primeiras, monstros alados, como estas últimas se alimentavam de carte humana. De um modo geral, porém, prevalece o sentido positivo quando falamos de aves no mito, pois, além do que já se disse, simbolizam elas o desejo do homem de escapar das suas limitações terrestres para atingir níveis superiores de existência. Tal não é o caso de Ícaro, o filho de Dédalo, que tomado por imensa hybris, desmedido orgulho, tentou se aproximar do Sol (aqui símbolo da vida espiritual), precipitando-se no mar, morrendo.


HÉRCULES  E  AS  AVES -  TAPEÇARIA SÉCULO  XVI

No caso deste trabalho, a enorme quantidade das aves, o seu exagerado número, a sua mobilidade extrema, a sua espantosa instabilidade e espontaneidade, voando elas sempre de um lado para outro, jamais se pousando, trazem-nos uma ideia de dispersão, de inconstância, de inconsequência, de incontinência doentia. O contrário, portanto, das palavras cultuais e rituais que, nas culturas arcaicas e tradicionais, têm ritmo, pulsam com a ordem cósmica como propostas de vida transcendente, uma experiência que abre a consciência para um mundo que está além do pessoal, do individual; consciência que é ao mesmo tempo conhecimento e prática, que deve reger as relações do indivíduo com a coletividade, com a humanidade,  com o mais distante, enfim, com o grande Todo.

Já o lago deixa aqui de ser visto como um espelho do céu, um céu líquido onde o Sol, como inteligência cósmica que é, deve se refletir enquanto símbolo permanente das forças da criação. No lago, um pântano agora, não mais se refletiam os raios solares, as influências celestes, que tudo vivificam e que fazem com que as coisas do mundo sejam percebidas pela sua luz. O Sol, por causa das aves, tornava-se então negro, perdendo-se a sua imagem no zênite, agora não mais símbolo da vida triunfante, mas, ao contrário, confundido com o próprio pântano, identificando-se ele regressivamente com as forças destrutivas do universo, um retorno à matéria primordial, ainda não trabalhada numa via evolutiva. Perde-se, assim, traduzido o simbolismo deste trabalho, a função solar fecundante, obstruída pelo voo ensandecido das aves e pelo desagradável e incessante barulho metálico do seu canto. 


CHIRON

Este nono trabalho se relaciona com o signo de Sagitário. Nele surge o iniciado, o mystes (o que não fala, o que antes tem que trabalhar, de viver, de ir aprendendo enquanto trabalha). Sagitário é representado, como sabemos, pelo centauro Chiron (cheir, mão, em grego); aliás, ele é o próprio signo, já que Zeus, quando de sua morte, o colocou lá, entre as constelações. É o centauro, filho de Cronos e de Filira, diferente de todos os demais, estes filhos de Ixion e de Néfele, a nuvem, símbolos da ameaça permanente da vida instintiva no ser humano.




Em antigas representações babilônicas, de onde veio a Astrologia para o mundo grego, encontramos a representação do centauro, cuja figura aparece acompanhada de um pequeno escorpião, resto do signo precedente. Sagitário era conhecido como o signo-efeito de Scorpio, isto é, no momento em que nos libertamos da ilusão da matéria, do ego, se quisermos, é possível vislumbrar metas mais distantes, agora interiormente. Contudo, estas metas podem deixar de ser vistas porque entre elas e o iniciado se interpõe muitas vezes um mundo de palavras, de conceitos, de citações, criando falsas expectativas.

Essa verdadeira nuvem de palavras pode se mostrar de diversos modos: falamos muito de amor espiritual, de devoção, de vida superior, de transcendência e, na maior parte dos casos, não percebemos que nós não estamos nesse mundo do qual falamos. Em muitos casos, até podemos escrever sobre ele com muito entusiasmo e propriedade. Mas quem está nos textos que produzimos são as nossas emoções, que comandam as nossas palavras, não os nossos atos. Isto é, construímos mapas de territórios que desconhecemos totalmente. Ficamos muito ocupados com esses pensamentos, criamos um mundo de palavras, como as aves do lago, que acabamos de deixar de ver o caminho que nos conduziria à meta desejada.




Quando chegamos à esta nona etapa, o que nela se pede é que deixemos de pensar e de falar tanto sobre o "lá", o "distante", e que aprendamos a ser simplesmente no lugar em que nos encontramos, isto é, na terra, no lugar em que vivemos. Deixar de falar tanto em desonestidade e corrupção para perceber o quanto podemos ser desonestos e corruptos agindo “corretamente”, “honestamente” e cumprindo o “nosso dever”. O conhecimento sagitariano deve se expressar antes pela ação, sobretudo por um modo de vida, e não por palavras e conceitos. Uma das grandes lições do signo é a do silêncio. Ou seja; restrição da palavra (geminiana) através do controle do fluxo do pensamento, do mental. Grande parte de nossa vida não passa de uma rede de palavras, uma malha de relações que fomos criando desnecessariamente (celulares e Internet com as suas redes) e que, a rigor, nenhuma ou mínima importância teria se desfeita (não é por acaso que se usa a palavra web para designar essas redes; esquecemos porém que web também pode ser teia). O que estamos aqui a expor encontra a sua melhor representação naquilo que os hindus chamam de Indrajala, a rede de Indra, a criação de uma aparência de coisas que não existem, a divulgação de coisas absolutamente inúteis, irreais, falsas crenças, perdemo-nos em epifenômenos, uma espécie de Maya, aqui com o sentido de engano, erro, fraude, ardil. 


No momento em que começarmos a dominar tudo isso, em que não mais estabelecermos ligações erradas ou desnecessárias com o mundo, em que aprendermos a dominar as palavras, nosso instrumento de ligação, no momento em que percebermos as coisas que não deveriam ser ditas, pouco a pouco as nossas falsas relações serão cortadas, os laços desnecessários serão desfeitos. Aí, então, a luz do Sol voltará a brilhar sobre as águas do lago, vivificando-o, e poderemos iniciar a caminhada em direção da montanha, da meta distante.


Isto não quer dizer descompromisso, fuga, "casa fechada". Pelo contrário, será a ligação com o outro, no aqui e no agora, mas sem deixarmos que ilusões egoicas e as nossas emoções falseiem o nosso mental.  Na antiguidade, dizia-se que Sagitário era uma pequena porta para Capricórnio, uma pequena porta ao pé da montanha.

Libra, Escorpião e Sagitário formam o outono, o terceiro quadrante zodiacal. Um dos grandes símbolos deste quadrante é o do casulo, considerado como uma triplicidade: lagarta, crisálida e borboleta ou mariposa. Dentro do casulo, algo que escapa dos nossos olhos acontece. A matéria se fluidifica, torna-se difusa, e depois se organiza no milagre da mariposa, uma reconstrução alada. 

Sagitário é o resultado da informação que entrou pelo signo de Gêmeos (multiplicidade), que foi criticada e aplicada em Virgem.
Neste sentido Sagitário é síntese. Um grande perigo que ronda os do signo é, por isso, o sectarismo. Dizem muitos do signo: vislumbro a meta, ela me foi revelada e eu a imponho aos demais, algo que não passa da minha presunção, da minha interpretação da verdade. Esqueço-me que outros poderão ter a sua interpretação da verdade. Em Sagitário, tenho que aprender que a minha justiça pode ser a injustiça para o outro. Quando chegamos a Sagitário, a atividade do pensamento e da linguagem são muito importantes. Se nos descuidarmos, as aves, isto é, as nossas palavras, proliferando descontroladamente, não deixarão que a luz do Sol chegue ao lago.  
O ideal sagitariano de ultrapassagem da condição material pode aparecer, nos tipos menos logrados, por exemplo, por um desejo de superação dos limites físicos do corpo, através de esportes, jogos, competições, de intensa atividade muscular. Psiquicamente, muitas vezes, isto se revela como sonhos de evasão, de realização de fantasias juvenis. Nos tipos menos logrados, o lado venatório do signo se corrompe, tornando o sagitariano um nômade, um caçador, um aventureiro, um negociante de cavalos, um jogador (é o signo das apostas idiotas, lembre-se).

JÚPITER
Um dos grandes perigos de Sagitário é o de gerar tipos que se propõem a conduzir os outros para onde eles não querem ou não sabem ir ao invés de auxiliá-los a escolher por si mesmos o próprio caminho.  
Aspectos de Júpiter (regente do signo), no mapa, poderão, por exemplo, indicar os diversos tipos de guias que podemos encontrar em nossa vida ou aqueles que podemos ser. Sagitário é o símbolo do guru, do mestre, do ensinamento superior, mental ou espiritual. Necessário, pois, o domínio das palavras, o correto pensar, e sobretudo a prática do que se fala. Características típicas do signo: intervenção a favor dos outros, da coletividade, profissões que legislam, que curam, que legalizam, que orientam. Grande, por isso, os riscos de dogmatismo, de sectarismo. 

SIGNO DE SAGITÁRIO
Em Sagitário, o intelecto inferior começa a se iluminar. Mercúrio "morre", ou melhor, ele que nos ajuda tanto a falar e a escrever, quando chegamos a Sagitário, deve se colocar a serviço da construção do nosso conhecimento. É aqui, assim, que aprendemos a diferença que há entre informação e conhecimento, atividade permanente que a própria vida tem que alimentar. Não mais teorias de antemão, de “essências” predeterminadas; é esse conhecimento proporcionado pela vida que há de nos levar à sabedoria (signo de Peixes), ou seja, a um conhecimento-vida como doação desinteressada à humanidade. Em Sagitário, vemos a meta, mas temos que nos lembrar que estamos na terra, que a nossa transcendência só pode acontecer na terra e não para fora dela. A flecha, símbolo do signo, lembremos, é atravessada por um traço, formando-se então a cruz. Aceitando-a como os antigos alquimistas, ela passa então a representar o cruzamento do ativo, do vertical e do masculino com o traço horizontal, deitado, feminino e passivo. Tornar-se-á então a cruz, essencialmente, um emblema da vida, de conjunção fecundante e de poder realizador. 




A proliferação dos pássaros tem correspondência astrológica com o eixo Gêmeos-Sagitário, casas III-IX, eixo da comunicação, sugerindo-nos a sua compreensão que sempre devemos falar e escrever menos e viver mais. Ou seja, traduzir em vida o que falamos e escrevemos. O uso correto do arco e das flechas pelo nosso herói se dá nesta nona etapa. Nove é o número que indica a medida das gestações, das buscas frutíferas, o término da criação. A ideia da multiplicação e da enorme quantidade dos pássaros aponta para um crescente enredamento, um perigo de imobilização (ficarmos presos na rede). A antiga Sofronística  (sophron, em grego, é prudência, moderação, austeridade, modéstia, sabedoria)
A  BANALIZAÇÃO  SAGITARIANA
dos gregos, oposta à Hybris, desmedida, orgulho, excesso, imoderação, era o ensinamento de Chiron aos heróis, dela fazendo parte a Iátrica (arte clínica), a Mântica (arte divinatória), a Hípica (domínio dos cavalos), a Agonística (arte da luta) e a Cinegética (arte da caça ou arte venatória).  Ou seja, sumariamente: a) o herói deverá ser o seu médico, isto é, saber se cuidar adequadamente, sob o ponto de vista físico e mental b) deverá desenvolver a capacidade de estabelecer comunicação com acontecimentos futuros, isto é, desenvolver a sua intuição, de modo a poder chegar à verdade sem reflexão; c) o herói deverá aprender a controlar os seus “cavalos interiores”, isto é, ter plena noção do que é a vida instintiva, a vida racional e a vida espiritual e como organizá-las; d) o herói, tendo em mente que vida é uma luta (agon) de contrários, isto é, que ela tem um caráter angustiante, deverá, segundo os critérios do item anterior, aprender a fazer as suas escolhas; e) o herói deverá aprender a “caçar” oportunidades de crescimento, de desenvolvimento, eliminando de sua vida tudo o que nada tenha a ver com esta proposta. 



ALQUIMIA -  A  MORTE  DO  MERCÚRIO
  
Sagitário é a síntese dinâmica do homem através de Gêmeos (informação) para que a meta do conhecimento seja atingida. Isto é, do animal ao humano e ao espiritual, entendido este como a ida para o mais universal, já que Sagitário é o fim do social e a porta que se abre para o coletivo. Muitas palavras atrapalham, muitos jogos mentais, muita informação, tudo perturba, impedindo tanto a visão da meta como a escolha do caminho. Falamos de amor, de filosofia, de religião, de crenças, somos eruditos, escrevemos grandes teses, somos mestres e doutores, pontificamos em cátedras e o que vemos? Tornamo-nos, no fundo, formalistas, burocráticos, acadêmicos, ritualistas, mecânicos, fechados nas nossas conquistas, exibindo-as pomposamente. Criamos uma nuvem de palavras entre a situação em que nos encontramos e nossas aspirações. Silêncio, pois, restrição da palavra, controle, conter o mental inferior (Mercúrio), a tentação da dispersão diabólica. Do contrário, só estaremos criando expectativas erradas, decepções e desilusões para nós e para os outros. 


MOSTEIRO  DE  CIMIEZ

Em Sagitário, unimos o mental inferior ao superior; o mental inferior morre simbolicamente entre Escorpião e Sagitário, mas antes deve transmitir a sua alma ao novo corpo que nasce. Esta ideia de mental superior, diga-se, não existe na cultura ocidental. Os hindus dão o nome de Manas ao mental inferior, útil, sem dúvida, como o encarregado de nos abastecer de informações. Mas quem vai selecionar estas informações, avaliá-las, expurgá-las, para que fiquemos com o que vamos usar para nos colocarmos a serviço da totalidade, como colaboradores e não como competidores, é um corpo mental superior ao qual eles dão o nome de Buddhi, um corpo que deve ser criação nossa. Na Alquimia, esta “morte” mercuriana é chamada de "a morte do cisne". Os alquimistas medievais deixaram gravada numa das paredes do mosteiro de Cimiez, em Nice, a frase que é uma ilustração do que aqui se diz: Divina sibi canit et orbi (canta divinamente por si e pelo mundo). Em Sagitário temos que deixar de servir o nosso ego para aprender a servir melhor o mundo. Quantos discursos literários, políticos, filosóficos e religiosos não passam de pura vaidade! 

Espantar as aves, acabar como o "blá, blá, blá", com a tagarelice inconsequente, mesmo nos meios mais letrados, com a transmissão
de informações a quem não está pronto para recebê-las, deixar de lado a ostentação vaidosa da mente, com o uso inadequado do som. Daí, o sino, ghanta para os hindus, símbolo do som primordial. Para eles, todos os sons dos instrumentos musicais estão sintetizados no som do sino, que, na mão dos deuses, é arma, inspirando medo e terror aos seres das trevas. O sino, como se sabe, tem em todas as tradições o poder de exorcizar e de purificar.

Dois tipos em Sagitário, basicamente: o introvertido, o que "vê longe", religioso, filosófico, o que vence a serpente, mais "vertical" e, de outro lado, o extrovertido, mais "horizontal", mais "cavalar", atlético, viajante, aventureiro, esportista. Em Escorpião, perdemos definitivamente os valores da carne (desencarnamos); em Sagitário, ultrapassamos os valores da carne. Tal ultrapassagem poderá se dar de diversos modos. Exemplos: profecias, tentar a sorte, ir além fronteiras, navegação extracontinental, colonialismo, puritanismo, viver no exterior, participar de expedições, fazer peregrinações, lidar com comércio exterior, proferir heresias (opinião particular), aventureirismo, vagabundagem etc.

Dentre alguns tipos sagitarianos (pelo signo solar ou pelo ascendente), destacamos: Cervantes, Saint Exupéry, Paul Éluard, Beethoven, Nietzsche, Alfred Musset, Baruch Spinoza, Manuel de
Falla, Toulouse-Lautrec, Winston Churchill, Jonathan Swift, Gaetano Donizetti, Mark Twain, General Franco, Gérard Philippe, Pietro Mascagni, Diego Rivera,  Robert Kock,  Heinrich Heine, Tycho Brahé, Oscar Niemeyer, Gustave Eiffel, Paracelso, Racine, Joseph Stalin, Emile Zola, Camile Corot, Gandhi, Mme. de Maintenon, Rudyard Kipling, Mozart, Robespierre, Charles Lindberg,  Berlioz e outros mais.


A  ORIGEM  DA  VIA  LÁCTEA  ( RUBENS )

Astrologicamente, ressalte-se, a Via Láctea cruza a eclíptica entre as constelações de Gêmeos-Câncer e Sagitário-Capricórnio, em trechos muito marcados por nebulosas. Esta associação entre a Via Láctea e a constelação de Sagitário sempre foi entendida, desde a pré-história, como uma ligação entre dois mundos a indicar um sentido transcendente. Não é por outra razão que Sagitário é o signo das grandes viagens, sejam físicas, mentais ou espirituais, e que a Via Láctea sempre foi conhecida, como está em todas tradições, como o “caminho dos heróis”, um lugar de passagem que une dois mundos, o humano, terrestre, e o Grande Todo. É neste sentido que ela representa a via dos peregrinos, daqueles que buscam os níveis superiores da existência.