domingo, 9 de novembro de 2014

MITOLOGIAS DO CÉU - MARTE (1)




Marte  é  um planeta relativamente pequeno em comparação com  o nosso. Seu giro inclinado em torno do Sol é muito semelhante ao da Terra.  Seu  diâmetro  (6720 km)  é  a  metade  do  nosso   diâmetro equatorial e seu dia tem  pouco mais de 24 horas;  possui ele quatro estações,   mais  longas  que   as nossas, pois seu  ano é de 687 dias. Dista do Sol, em média,  mais ou menos,   227  milhões de km. e da Terra  cerca de 56 milhões de km. Sua massa é de 11% da massa da Terra e sua densidade é de cerca de 70%.


Observado desde a antiguidade, sempre foi conhecido como o “planeta vermelho” por causa de sua coloração. Era chamado pelos babilônicos de Nergal, o “astro da morte”, nome do seu deus da guerra. Suas Luas,  Fobos e Deimos, têm seus nomes extraídos da mitologia grega.

Como todos os planetas, Marte é um dos princípios da vida cósmica, representando os conceitos masculinos caracterizados pelo dinamismo instintivo, pela vontade obstinada, pela coragem, pela brutalidade, pela violência, pela luta e pela oposição. Neste sentido, simbolicamente, é a força do ego em ação, revelando o grau da natureza animal que há no homem, podendo indicar, contudo, uma busca de superação dos desejos pessoais em direção a uma orientação mais universal. 


Os egípcios associavam a atividade guerreira ao Sol, como a imagem e as atribuições do deus Montu deixam claro. Por essa razão, os gregos quando chegaram ao Egito, ligaram essa divindade tebana ao seu Apolo. Montu foi particularmente venerado pelos reis da décima primeira dinastia, no começo do Médio Império (2133-1786 aC).

Foi nesse período que faraós poderosos suprimiram os privilégios feudais e deram início a grandes obras de irrigação, vitais para o país, unificado sob o comando do faraó tebano Mentuhotep II, que impôs Tebas como a capital do país. As minas de cobre da península do Sinai começaram então a ser exploradas ativamente e postos avançados foram construídos, atingindo-se a terceira catarata do rio Nilo. 


TEBAS

A política real tinha, externamente, a esse tempo, um caráter expansionista. Nesse período, de grande esplendor cultural, foi produzida uma literatura de nível superior, com destaque, nas artes figurativas, para o retrato. Construiriam-se templos e estátuas em escala colossal, base de uma centralização religiosa na figura do deus Amon.


AMON COM A CABEÇA DE CARNEIRO

Amon, o Escondido, antropomorfizado, era representado ora com a cabeça de um carneiro ora com a de um ganso, sobre a qual havia um disco solar, nele se fixando duas grandes penas. No Médio Império, a personalidade de Amon se enriqueceu,  ao incorporar traços de outras divindades, especialmente os de Ra, deus solar de Heliópolis. Dessa fusão, nasceu Amon-Ra, que recebeu as prerrogativas de Montu e de Konsu, O Navegador, aquele que atravessa o céu na sua barca, uma divindade lunar na sua origem. 

Amon-Ra, como se sabe, foi a grande divindade egípcia que serviu de inspiração para os judeus adotarem o monoteísmo como forma religiosa. A crença em um só deus é fixada pelos judeus na Bíblia e no Talmud. De acordo com a tradição, foi Abraão o primeiro, como fundador do judaísmo, a defender a unicidade de deus.  

Montu é conhecido também por imagens em que a sua cabeça é de falcão ou de touro. Aos poucos, pela relevância política dada a Amon-Ra, o culto de Montu se concentrou na sua imagem guerreira, divindade bélica, que usa a khopesh, espécie de cimitarra em forma de meia-lua, usada para cortar a cabeça dos inimigos do faraó.

Fazendo parte do mundo marcial entre os egípcios encontramos
SEKHMET
também Sekhmet, Sakhmis em grego, deusa da guerra e dos combates, representada comumente como uma leoa ou uma mulher com cabeça de leoa. Seu nome, que significa A Poderosa, é um epíteto dado à deusa Hathor, divindade associada pelos gregos à sua Afrodite, quando a deusa, tomando a forma de uma leoa, se lançou contra os humanos que não aceitavam Amon-Ra como divindade suprema. Sua violência foi tamanha que o próprio deus teve que lhe pedir calma,  que se contivesse um pouco, pois grande parte da humanidade corria o risco de ser exterminada. 


ROMÃ
Para conter A Poderosa, Amon-Ra recorreu a um estratagema: espalhou sobre o lugar da carnificina milhares de cântaros com uma bebida mágica (mistura de cerveja com suco de romã). A deusa, tomando a bebida por sangue humano, se pôs a bebê-la com tamanha avidez que, embriagada, não conseguiu levar adiante a matança. 

Salva assim a humanidade, Amon-Ra instituiu uma festividade para apaziguar Sekhmet. No calendário religioso egípcio, esta festa caía no décimo segundo dia do primeiro mês do inverno, data em que a deusa promovera o grande massacre. 

Na  Mesopotâmia, no mundo assiro-babilônico, é Ishtar quem assume as atribuições de deusa da guerra. Filha de Anu, deus dos espaços celestes, segundo uns ou, segundo outros, de Sin, deus-Lua, que ocupava o primeiro lugar na trindade astral (Shamash, o Sol, e a própria Ishtar eram os outros), Ishtar era uma divindade bastante complexa, sendo considerada tanto como deusa da guerra como do amor. 


ISHTAR

Como guerreira, Ishtar era venerada sobretudo em Hallab, aparecendo neste caso como filha de Sin e irmã de Shamash. Era a “dama das batalhas”, a mais valente entre as deusas. Ela conservou estes atributos quando foi adotada pelos assírios, tornando-se esposa de Ashur, deus nacional do país. Tomava parte em todas as expedições do marido, participando ativamente das batalhas. Era representada sempre de pé, conduzindo um carro puxado por sete leões, levando numa das mãos um arco, sendo particularmente adorada em Nínive e Arbeles, onde tomava às vezes o nome de Anunit, como ocorria em Agadé, capital do país de Akad. 

Como irmã de Ereshkigal, deusa dos infernos, Ishtar contribuiu
ERESHKIGAL
bastante para povoar o reino da irmã. Era conhecida então como a “estrela da lamentação” (planeta Vênus), ao provocar disputas de todo o gênero, brigas entre irmãos, entre pais e filhos,  separação de amigos, de casais, de colegas de trabalho etc. Embora apareça também como deusa do amor, o traço mais forte de sua personalidade é a voluptuosidade, o caráter obsessivo de seus desejos, lembrando muito, astrologicamente, o planeta Marte no signo de Escorpião. Ishtar mostra-se invariavelmente irritável, violenta, incapaz de suportar qualquer negativa aos seus desejos. 


Uma de suas atribuições mais importantes era a de  espalhar, por todo o mundo natural e humano (aqui unilateralmente) o desejo amoroso. A prostituição religiosa, como a hierodulia entre os gregos, fazia parte de seu culto, sendo Erech a sua cidade santa. Como primeira prostituta sagrada, seus amantes eram muitos. Inconstante, ela costumava tratá-los muito mal. Para os próprios deuses, o amor de Ishtar era funesto.





ASTARTE

Contudo, apesar de seu temperamento irritadiço, o coração de Ishtar era capaz de experimentar sentimentos generosos. Um de seus apelidos, quando assumia esse papel, era Benfeitora. Muitos reis deveram a sua ascensão ao trono à sua proteção. Soberana do mundo, foi a deusa mais popular da Assíria e da Babilônia, sendo imenso o seu prestígio. Sob o nome de Astarte, tornou-se uma das grandes divindades da Fenícia, tendo fornecido inclusive muitos de seus traços para a Afrodite grega.

Inicialmente, no mito, Ereshkigal era a divindade absoluta do mundo subterrâneo, infernal. Um dia, porém, o deus Nergal, divindade masculina da guerra (o planeta Marte como regente de Áries na Astrologia babilônica) resolveu atacar o reino dos mortos, assessorado por catorze demônios. Para uns, depôs a rainha e assumiu o poder. Para outros, porém, chegaram ambos a um acordo e o compartilharam. Nergal, além de deus das batalhas, era o Sol do meio-dia que secava a terra, que queimava e destruía, provocando incêndios e devastação. Associava-se assim tanto à luz (Sol do meio-dia) como à escuridão, o mundo subterrâneo. Esta elaboração mitológica dos babilônicos, sob o ângulo astrológico, é perfeita. Fala da exaltação do Sol em Áries e da regência noturna de Marte em Escorpião, apontando também para a grande “acomodação” que Plutão tem em Áries. 


NERGAL

A união entre Ereshkigal e Nergal está assim expressa num tabuinha de argila que desse mundo nos chegou: Tu serás meu esposo, disse-lhe ela, e eu serei tua mulher; farei com que possuas a realeza sobre a vastidão da terra, colocando-te na mão a tabuinha da sabedoria.” Foi assim que Nergal se transformou no baal dos mortos. Ele tinha por símbolo a espada e a cabeça de um leão. Dentre seus assessores, destaca-se Namtaru, seu primeiro ministro e comandante das tropas infernais, deus da peste. 

Diante do que expus acima sobre Ishtar, julgo interessante
IANSÃ
aproximar a grande deusa mesopotâmica de um dos mais conhecidos orixás, Yansã, do Candomblé, religião animista, original dos atuais Nigéria e Benin; trazida para o Brasil por africanos escravizados e aqui estabelecida. Nessa religião, como se sabe, sacerdote e adeptos encenam, em cerimônias públicas e privadas, uma convivência com forças ancestrais da natureza. 

Orixá é designação genérica das divindades cultuadas pelos iorubás do sudeste da Nigéria, do Benin e do Togo que fazem a intermediação entre as referidas forças naturais e sobrenaturais e os seres humanos.

Divindade dos ventos e das tempestades, Yansã tem um temperamento ardente e impetuoso. Foi a primeira mulher de Xangô, grande orixá, viril, violento e atrevido, justiceiro, que castiga os mentirosos, ladrões e malfeitores. Seus atributos são o trovão, o relâmpago e o raio, os mesmos de Zeus, na mitologia grega, que Yansã foi buscá-los no Inferno e os deu a seu “homem”. É por essa razão que acidentes ou mortes provocados pelo raio são sempre considerados no Candomblé como infamantes.  O carneiro, cuja chifrada tem a rapidez do raio, é o animal do seu sacrifício.


DANÇA DE YANSÃ

As danças de Yansã são guerreiras, nelas se evocando sempre, através de movimentos sinuosos e rápidos, as tempestades e os ventos enfurecidos. No Brasil, no catolicismo, Yansã é sincretizada contra o perigo dos raios. Por sua ligação com esse fenômeno atmosférico, passou a ser reverenciada como santa padroeira por mineradores e artilheiros de um modo geral, sendo a torre um de seus emblemas. Na tradição cristã, as torres vieram simbolicamente através de construções militares e feudais, passando elas a representar vigilância e ascensão, lembrando também, no que tange a esta última, escadas. 


YANSÃ   E   SANTA   BÁRBARA

Yansã  tipifica o comportamento de mulheres audaciosas, poderosas e autoritárias. Mulheres que podem se entregar totalmente a um projeto existencial, mas que, se contrariadas, explodem com incontida cólera. De temperamento sensual e voluptuoso, a mulher Yansã, se casada, costuma se entregar livremente a muitas aventuras amorosas extraconjugais, sem reserva nenhuma, conservando-se, porém, contraditoriamente, muito ciumenta de seu marido.

INDRA

Na Índia, muito antes da fixação do Vedismo como religião oficial dos povos indo-arianos que ali se estabeleceram por volta do início do segundo milênio aC, o que tínhamos era uma mitologia típica de uma casta guerreira, de uma aristocracia de conquistadores; Indra, Varuna, Mitra, Nasatyas e outros são os nomes dos deuses desse período.   


KARTIKEYA

Com a fixação da grande trindade hinduísta (Brahma, Vishnu e Shiva), os papéis divinos ganharam uma demarcação mais precisa. Nesse contexto, aparece Kartikeya ou Skanda como deus da guerra. É essa divindade uma criatura de Shiva e irmão do deus-elefante Ganesha. Seu nascimento decorreu de um pedido dos demais deuses, que precisavam de alguém que pudesse dar combate aos demônios, às forças do mal. Dirigindo o fogo do seu terceiro olho para um lago, Shiva fez surgir das águas, ao mesmo tempo, seis crianças, que foram amamentadas pelas esposas dos Rishis (profetas, seres espirituais que receberam a revelação dos Vedas). 


SHIVA

Um dia, porém, a esposa de Shiva, Parvati, tomou as seis crianças nos seus braços e acariciou-as tão fortemente que elas acabaram fundindo-se num só corpo. Como deus da guerra, Skanda é o generalíssimo do exército divino. As histórias sobre o nascimento de Kartikeya nos são narradas em vários textos (Ramayana, Mahabharata e Puranas), nos quais o deus da guerra ora passa por um filho que Shiva teve sem o concurso de deusa alguma; ora é considerado  como seu pai o deus Agni e como sua mãe a deusa do rio Ganges; ora a sua paternidade é atribuída ao deus Rudra.

Kartyikeya é representado normalmente com seis cabeças, doze orelhas e um igual número de olhos, braços e pés, um pescoço e um só ventre. Sua imagem é a de um adolescente (Kumara), sempre vestido de vermelho, carregando arco e flechas, espada, o raio (vajra) e o machado. O seu dardo curto, disparado, jamais deixa de atingir o alvo escolhido, voltando sempre às suas mãos depois de ter morto o oponente, como o martelo de Thor. O deus tem por montaria o pavão (paravani), sendo seu emblema o galo. A bandeirola que usa no seu carro, presente do deus Agni, sempre trepidando ao vento, é vermelha como o fogo da destruição.

KSHATRYA
O culto de Skanda parece muito antigo, centralizado inicialmente no norte da Índia. Grande importância a ele foi dada pela militarizada dinastia dos Gupta, que reinou no país, no séc. IV dC. As mulheres estavam excluídas de seu culto, privilégio da casta guerreira, a dos kshatryas. 


Antigas divindades do sul da Índia, dos povos pré-arianos,
MURAGAN
Muragan, Velan e Sheyan, foram incorporadas a Kartikeya. O primeiro era o deus da guerra dos dravdas. Venerado com flores e danças orgiásticas, atualmente o culto de Skanda se fixa mais no sul da Índia, onde temos explicações sobre seu vários epítetos: Kumara (Adolescente, isto é, energia sempre jovem, a sugerir uma ideia primaveril, lembrando o puer aeternus do mundo greco-romano); Kartikeya, o seu primeiro nome, é conservado como uma homenagem às Plêiades, esposas dos sete Rishis, que o criaram; Rudra Sanu (filho de Rudra, divindade das tempestades); Maha-Sena (Grande Capitão); Sena-Pati (Chefe dos Exércitos); Shakti-Data (o que leva o dardo), Ganga-Putra (Filho do Ganges); Taraka-Jit (Vencedor do Demônio); Shadana (o de seis rostos); Pavaka (Filho do Fogo).



No Yoga, lembre-se, Skanda é nome dado ao poder de abstinência sexual. Nos textos da doutrina, encontramos: A energia da semente viril, preservada pela ascese e pela castidade absoluta, é chamada Skanda (o jato do esperma) ou Kumara (adolescente). Na prática do Yoga, quando um controle absoluto não é conseguido, Kumara não “nasce” e o esforço mental é sempre ameaçado pelas tentações. Para o iogue, isto significa que entre os humanos os deuses são sempre atormentados pelos anti-deuses. Somente quando a semente viril é sublimada e ascende pelo canal central (sushumna) do corpo sutil, que acompanha a coluna vertebral, que o iogue se torna mestre de sua vida instintiva. É nesse momento que Skanda nasce.

As Plêiades, nesse contexto, são divindades associadas ao fogo,

consideradas sob um aspecto benéfico. São elas as amas de Kumara, tendo relação com os seis centros sutis através dos quais Kumara progride. Estes centros sutis, como se sabe, são os chakras (rodas), que fazem parte de um total de sete, que se dispõem no corpo humano da região sacro-coccígeo ao topo da cabeça, na seguinte ordem: muladhara (centro do suporte da raiz, no períneo), svadhisthana (região genital), manipura (na área do estômago), anahata (no centro do peito), vishuddha (na região da garganta), ajña (entre os olhos, no meio da testa) e sahasrara (na coroa da cabeça). Cada um destes centros corresponde a uma função, na ordem acima: coesão, contração, expansão, movimento, espaço, consciência do eu e realidade transcendente. Cada um deles, na mesma ordem, corresponde aos seguintes elementos: terra, água, fogo, ar, éter, até o quinto centro. 


Kumara Skanda cavalga um pavão, ave que é grande inimiga das serpentes, e, como tal, destruidora dos mais sutis instintos que submetem o ser humano. É neste sentido, dizem os hindus, que Kumara muda o veneno em ambrósia. A serpente, por outro lado, como uróboro, representa o ciclo anual. O pavão aparece assim como o destruidor do Tempo. Na cosmologia, Kumara identifica-se à energia solar presente nas mais altas esferas, acima do ar, na região etérica.

CAUDA   PAVONIS
Taos em grego, pavus em latim, o pavão é originário da Índia, sempre considerado como montaria (vahana) divina, inimigo natural das serpentes, como se disse. Às suas penas atribuía-se o poder de transformar os venenos em energia solar. Na Alquimia, sua cauda (cauda pavonis) constitui em muitos textos e imagens o signo da transformação visível de substâncias inferiores em superiores.


Na astrologia védica (Jyotish), Kartikeya é um dos nomes do planeta Marte, também apelidado de Angaraka (brasa) e Kuja (nascido da terra), sempre associado ao guna rajas e à segunda casta (varna), à dos guerreiros.


KUNDALINI

A serpente é um dos mais importantes arquétipos da vida humana. Ela se confunde com a própria energia cósmica, localizada no ser humano no chamado chakra básico (Muladhara), inconsciente, ali aninhada. Tem a ver com a vida instintiva, que precisa ser controlada, disciplinada. Os hindus a chamam de kundalini, força que nos anima e mantém. Seu agente é o planeta Marte, Kumara Skanda, que na Astrologia passa por nefasto, já que é seco, quente, áspero e feroz.