quinta-feira, 31 de março de 2011

OS (DES)CAMINHOS DA SEDUÇÃO

A palavra Bíblia, como sabemos, quer dizer livros (plural de livro em grego). A Bíblia compreende as Escrituras Sagradas dos judeus e dos cristãos, isto é, os chamados Antigo Testamento e Novo Testamento, dois livros, portanto. Essa denominação não quer dizer, como muitos erradamente supõem, que o Antigo Testamento tenha sido ultrapassado pelo Novo Testamento. Não há entre os dois livros nenhuma ideia de subordinação. Preferível chamar o primeiro livro de Escrituras Sagradas Hebraicas e o segundo de Escrituras Sagradas Cristãs. De um modo geral, quando esses textos são mencionados muitos pensam em santidade, moralidade, sacrifício, pietismo, abstinência sexual, castidade, sofrimento, mortificação, caminhos vários, enfim, pelos quais é possível chegar a Deus, ao Reino dos Céus. 

 A abordagem que vamos fazer se concentra nos textos judaicos que nos levam exatamente no sentido contrário das idéias acima. O nosso ponto de partida é a constatação de que nos referidos textos há uma dessacralização geral do sexo. Estamos, nesses textos, longe da abstinência sexual, da castidade, do recato. Presentes, em grandes doses, ao longo deles, muito erotismo e muitos lances de sedução. Esta constatação afasta também a ideia de que no texto bíblico judaico o sexo só esteja ligado a preocupações de ordem matrimonial ou à procriação, à descendência. A maior parte dos comentadores dos textos sagrados do Antigo Testamento fala muito pouco sobre estas questões de sexualidade ou então silencia mesmo sobre elas. Uma leitura mais atenta dos textos nos revelará, isto sim, que os seus autores não tinham preconceitos contra o sexo nem contra o erotismo em geral. As histórias narradas sobre estes temas são apresentadas sempre de modo muito simples, direto, natural.

Os textos bíblicos judaicos espelham, como se sabe, uma cultura de fundo patriarcal. Esta cultura é a de um povo semi-nômade, abrangendo um período que vai de, mais ou menos, 3.000 a 1.200 aC. Em termos gregos, essa cultura se insere entre as idades do bronze e do ferro e é representativa de diversas tribos que, apesar de algumas diferenças, constituíam, no seu todo, um povo chamado abirus, hebreus, de origem semita, que emigrou da Mesopotâmia em direção da costa mediterrânea, da Palestina, de desertos do sul e do Egito. Com base em antigas tradições orais de mais de mil anos aC, é no Gênesis que encontramos os principais registros da chamada cultura patriarcal.

Ainda que alguns traços de antigas tradições matriarcais possam ser percebidos nesses textos, a figura central desse mundo é o patriarca. Sua autoridade é suprema. Ele é o chefe, o senhor dos bens, das suas esposas, dos seus filhos e de tudo aquilo que o grupo, o clã, possuía. Ele estabelece normas, procura proteger a todos, alimentá-los, defendê-los, orienta as relações internas e externas dos membros do grupo, definindo inclusive com quem seus filhos e filhas poderão se casar. O objetivo final de suas determinações e atitudes era, sem dúvida, a manutenção da coesão grupal. Num meio hostil, como aquele em que viviam, esta condição era indispensável. Além do mais, tudo isto reforçava a responsabilidade coletiva, já que se procurava manter sempre a pureza do sangue.

O casamento nesse mundo era estabelecido entre famílias. Um pacto através do qual o pai da noiva entregava a filha em troca de um dote (mohar) que deveria ser devolvido no caso de divórcio. No Gênesis, exemplos de casamentos podem ser vistos, como o de Isaac, o filho de Abraão e Sara, que se casou com Rebeca. Outro exemplo é o do casamento de Jacó, um dos dois filhos gêmeos de Isaac, narrado com uma grande quantidade de detalhes.



Fixemo-nos neste último, onde temos um caso de amor à primeira vista. Jacó, ao chegar do deserto, fugindo das iras de seu irmão Esaú, viu a pastora Raquel. Esse encontro foi abrasador. Eram primos. Jacó ficou abalado porque Raquel tinha um belo porte e um lindo rosto, conforme está no texto bíblico, que procura sempre ressaltar a beleza feminina. O mesmo problema teve Abraão com Sara, que atraía os olhares de egípcios e beduínos. Por essa razão, ela acabou tantas vezes no harém do faraó e do rei Abimelec. Sara, conforme registros, morreu com 127 anos de idade. Dizia-se que aos cem anos era tão bonita quanto aos vinte. Foi por amor a Abraão que ela concordou em frequentar haréns com o objetivo de salvar a vida do marido.

Não há o que estranhar com relação à predileção de Jacó por Raquel diante da beleza física da jovem e o seu desdém por Lia. Ao pedir a moça ao tio, futuro sogro, este exige que Jacó lhe preste sete anos de serviços como dote em suas propriedades. Tão apaixonado estava que o texto nos fala que "os anos lhe pareceram apenas alguns dias". Evidentemente, uma disposição como esta só seria compreensível numa situação de intensa paixão, provocada pelo poder de sedução de Raquel.

No Eclesiástico, uma coleção de provérbios e máximas composta por Simão Ben Sira, livro que faz parte do AT, encontramos, por exemplo, dentre as muitas observações sobre os perigos da sedução este texto: "Como lâmpada brilhante no candelabro sagrado, tal é a beleza de um rosto num corpo bem acabado. Colunas de ouro sobre bases de prata, assim são as belas pernas sobre sólidos pés."

Raquel, por exemplo, além de sedutora era muito esperta. Quando Jacó percebe que o tio Labão o explorava, põe-se em fuga com as duas irmãs, depois de tê-las consultado, ambas o apoiando. Labão sai em perseguição de Jacó. Alcançando-o, responsabiliza-o pela fuga e exige a devolução dos seus ídolos familiares, roubados por Raquel. Quando o pai aparece para revistar a tenda, a jovem, que colocara as imagens sob a sela do seu camelo e sobre elas se sentara, diz-lhe: "Que meu senhor não fique bravo porque eu não me levanto em sua presença, é que me veio o incômodo das mulheres..."

Labão, pai de Raquel e de Lia, não queria permitir que a primeira se casasse com Jacó antes da outra, mais velha. Enganou Jacó, dando-lhe Lia no lugar de Raquel. Para que o estratagema desse certo, Raquel teve que participar, ajudando a irmã, dizendo-lhe como deveria proceder para convencer Jacó de que era ela, Raquel, e não Lia. Assim procedendo, Raquel abriu mão de seu desejo de casar antes da irmã com Jacó. Só depois tornou-se Raquel esposa de Jacó. Raquel, lembremos, morreria ao dar à luz seu segundo filho, Benjamim, sendo José o primogênito.

O amor no AT tem um caráter profundamente erótico. Nada tem daquela qualidade da qual São Paulo tanto falava, o amor como ágape, isto é, o amor desprovido do seu aspecto carnal. Ágape, entre os antigos gregos, é preciso lembrar, era um banquete de confraternização. No Cristianismo, era uma festa dos primitivos cristãos que consistia numa refeição comum através da qual se celebrava o rito eucarístico. Nessa festa, pobres e ricos eram admitidos, trocavam-se beijos em nome da paz. Aos poucos, porém, essa festa cristã acabou degenerando, tendo sido proibida pela Igreja.

Um dos casos mais interessantes do AT é o que está descrito no Gênesis (XXXIX). Narra-se ali a história de José com a mulher de Putifar, Zuleika, nome que, em árabe, lembra pêssego. José é um dos filhos do patriarca Jacó e de sua esposa preferida Raquel. José é o modelo do tsadik bíblico (homem justo, probo). Sendo o filho preferido, porque relatara ao pai o comportamento inadequado dos irmãos, estes, em número de dez, procuraram matá-lo, lançando-o num poço cheio de serpentes e de escorpiões. Milagrosamente, José acabou saindo de lá, sendo, entretanto, vendido pelos irmãos como escravo a Putifar, oficial egípcio.


Putifar era um eunuco do faraó, um posto muito importante. Os eunucos, no antigo Egito, eram, como altos funcionários reais, muito próximos do faraó, ocupando elevadas posições, apesar da mutilação. José, como está descrito, era belo de rosto e de corpo, "belo de se ver." Putifar tornou-se dono de José ao comprá-lo. Zuleika tentou seduzi-lo de várias formas. O texto revela que José foi salvo da tentação, resistindo ao assédio de Zuleika, porque a imagem de seu pai, Jacó, lhe apareceu, salvando-o da tentação.

José resistiu à mulher tanto por retidão em relação aos homens como em relação a Deus. "Ela segue, dia após dia, falando a José; mas ele não aceita deitar-se ao lado dela, estar com ela." Decepcionada e humilhada, Zuleika tenta comprometê-lo, agarrando-o por suas vestes. E José, diz o texto, "larga suas vestes nas mãos dela, foge, parte dali." Zuleika, quando chega Putifar, o incrimina (compare com a Fedra de Eurípedes). José será preso e irá para a prisão. Sabemos que, pela graça de Deus, ele ganhou a liberdade e acabou se tornando vice-rei e encarregado da economia do Egito.

Outro famoso caso de sedução está na história de Sansão, personagem que aparece no período bíblico dos Juízes (sécs. XII-XI aC). Sansão é nome que vem do hebreu, com o significado de "pequeno Sol". Era ele um nazarita de nascença. Nazarita era aquele que, desde o nascimento, fazia voto de se abster de tomar vinho, cortar o cabelo e ter contato com mortos. Quando de seu nascimento, sua mãe foi visitada pelo anjo Uriel, às vezes chamado Raziel, o anjo da luz. Dele recebeu a informação de que seu filho iria salvar Israel da opressão dos filisteus.

Sansão nasceu dotado de força sobre-humana, entregando-se, desde cedo, a intensas paixões sexuais. Foi capturado pelos filisteus, graças às intrigas de sua amante, Dalila, que o vendeu por muitas moedas de prata. Os filisteus o cegaram, fato entendido como um castigo por ter cedido à tentação de seus olhos, entregando-se à luxúria. Enquanto prisioneiro, cego, as mulheres iam visitá-lo na prisão para com ele ter relações sexuais, pois não havia perdido os seus encantos e dotes de grande amante. Muitas queriam ter um filho com ele, para que a criança herdasse a sua força e estatura. Sansão escolheu a sua morte quando fez desmoronar o templo dos filisteus, morrendo sob os escombros. Entre os judeus, este gesto é considerado como um martírio altruísta.

Sansão sempre foi um tipo humano cheio de caprichos, de caráter infantil. Jovem ainda, enamorou-se de uma filisteia, Tamna, uma filha de incircuncidados. Casou-se com ela. A festa de seu casamento não terminou bem. Brigou com os filisteus presentes, matando trinta deles, abandonando Tamna nesse mesmo dia. As façanhas de Sansão tornaram-se famosas. Os filisteus contratam, então, Dalila, por milhares de moedas de prata, para causar a perdição do herói, o que de fato aconteceu.

Nosso herói acabou por revelar a Dalila o segredo de sua força descomunal, os seus longos cabelos. Dalila, numa oportunidade em que ele adormeceu no seu colo, cortou-lhe os cabelos. Os filisteus o capturaram, tiraram-lhe os olhos e o reduziram à escravidão. Na prisão, com o tempo, crescendo-lhe os cabelos novamente, e desatentos os filisteus quanto a este detalhe muito importante, voltando-lhe a força, Sansão destruiu tudo. Centenas de mortos. Entre os escombros, seu corpo desfigurado.

Esta história põe em evidência um tema comum a várias tradições religiosas antigas e recorrentes na Bíblia: se a mulher é frágil fisicamente, é forte quando se trata de amor e sedução. Este tema aparece inclusive na tradição cristã: cuidado com a mulher, pois, embora pareça frágil, tem força quase invencível quando se propõe a algo. É através destas histórias que se fixa a figura da mulher como destruidora de homens e fonte do mal, como está, aliás, no referido Ben Sira: "Foi pela mulher que começou o pecado e é por culpa dela que todos morremos."

Uma das mais curiosas histórias de sedução nos textos bíblicos judaicos é a de Judite, viúva de Manassés. A narração começa nos informando que na cidade de Betúlia, sitiada pelos assírios, vivia uma jovem viúva, conhecida por sua beleza, devoção e riqueza. Decide ela um dia, levada pela compaixão que lhe inspira seu povo e pela indignação que sente diante da disposição dos importantes da cidade que a queriam entregar aos inimigos, fazer alguma coisa. Vai então ao acampamento inimigo com uma espada, com o seu talento de grande sedutora. Confia em Deus, é virtuosa, bela, discreta e sábia apesar de jovem.

Sensual e apaixonada, tem o senso da aposta, da aventura, que vive com idealismo. Judite é o feminino de Iehudah, Judah, louvor a Deus. Por trás desse nome está o substantivo yod, braço, mão, daí a louvação a Deus. O nome Judite, Judith, toma um sentido combativo entre os judeus. Lembre-se que Judah é o “homem da mão”, executor e braço de Deus, como Judite.


A descrição de como Judite se preparou para ir ao acampamento inimigo é muito rica de detalhes. Durante a viuvez (já haviam se passado três anos e meio da morte do marido) viveu sempre em sua casa, vestindo pano de saco e usando roupas de viúva, como convinha a uma mulher nessa condição, escondendo o seu corpo e a beleza de seu rosto. O marido deixara-lhe muitos bens. ”Ninguém podia fazer-lhe a mínima crítica, pois era temente a Deus." Judite, no dia em que tomou a decisão de ir ao acampamento assírio, rezou nestes termos: "Concede-me, Senhor, falar com sedução, para ferir mortalmente os que planejaram uma vingança cruel contra teus fiéis, contra tua morada santa, o monte Sião, e a casa de teus filhos." Depois, tirou o pano de saco que lhe cobria o corpo, o vestido de viúva, tomou banho, passou perfume caro no corpo, penteando os cabelos, vestindo-se com roupa de festa; calçou sandálias, enfeitou-se com braceletes, colares, anéis, brincos e todas as suas jóias. Ficou belíssima, capaz de seduzir qualquer homem que a visse.

Conforme o texto bíblico, deslumbrante como uma deusa, apresentou-se Judite a Holofernes, general de Nabucodonosor, chefe das tropas assírias. Todos se encantaram à sua passagem, as portas se abriram, ninguém tão bela. Judite diz ao general que tem um plano para que os assírios tomem a cidade. Segundo o texto, Judite ficou três dias no acampamento assírio. Orava todas as noites, purificava-se tomando banho numa fonte próxima, pois, estava "em contato com incircuncisos." Na quarta noite, um banquete para Judite, só ela e o general. Holofernes, fascinado pela bela mulher e por suas palavras, esperando tê-la definitivamente em seus braços, descuida-se, entrega-se à bebida, "bebe tanto como não o tinha feito em toda a sua vida", diz o texto. Disso se aproveitou Judite. Desembainhando a espada de Holofernes, cortou-lhe a cabeça com dois certeiros golpes, colocou-a então numa bolsa e saiu tranquilamente como todas as noites, dizendo que ia orar.

Escapou, então, em direção de Betúlia. Os oficiais e soldados hebreus, já cientes do ocorrido, atacaram os assírios no dia seguinte, derrotando-os, totalmente desorientados pela morte do seu chefe. O autor da história diz que Judite consagrou ao Senhor todos os objetos de Holofernes e também o mosquiteiro que ela mesma pegara do leito dele. Narra-se também que Judite teve muitos pretendentes, porém nunca mais se casou.
Muitos estudiosos ocidentais da Bíblia já questionaram a moralidade do ato de Judite. Uma preocupação tipicamente ocidental, incompreensível no contexto da mentalidade semita. A arte de Judite, a de seduzir, é neste particular semelhante à arte de vender, isto é, a de saber tirar a maior vantagem na transação, aproveitando-se inclusive da ingenuidade ou da ignorância do comprador, arte na qual os semitas são mestres.
A história de Judite é um "romance", uma "novela" edificante. Tem por objetivo dar coragem aos judeus nos momentos mais difíceis de sua história. Judite serviu-se das armas que Deus lhe deu como mulher para seduzir Holofernes e matá-lo. Nenhuma dúvida quanto aos aspectos morais; nenhum questionamento quanto à legitimidade dos meios que ela empregou. O apoio de Deus é constante. Além disso, nenhuma mancha, nenhuma nódoa no seu caráter. Judite é um instrumento divino e um belo exemplo de patriotismo. A história de Judite repetiu-se muitas vezes ao longo da história da humanidade e tem, sem dúvida, um objetivo pedagógico.

Em vários momentos sua história, além de atrair a atenção de muitos religiosos, seduziu também artistas, músicos, pintores, sendo encenada em feiras e praças públicas nos últimos séculos. Caravaggio, Marc-Antoine Charpentier, Opitz, Scarlatti, Vivaldi, Mozart, Salieri, Hebbel, Jean Giraudoux, Paul Claudel, Georg Kaiser, dentre outros, se apoderaram do tema de Judite, fazendo-a representar, conforme a época, um exemplo de patriotismo, de santidade, de ativismo político, da eterna luta entre o opressor e o oprimido, da minoria que tem o direito de usar todos os meios para se libertar. Nos séculos XVII e XVIII, Judite encarnará a Cristandade diante do Islã e, no século XX, a democracia diante do nazismo.

O maior amante da Bíblia é, sem dúvida, David, cuja extensa história é contada no primeiro livro de Samuel (capítulos 16-31) e no segundo livro. David foi aquele por quem todas as mulheres de Israel se apaixonaram. Seu caso mais famoso foi o que teve com Betsabá (filha do juramento ou casa do juramento), que seria mãe de seu sucessor, Salomão. David se apaixonou por ela quando a viu no banho. Unindo-se a ela, engravidou-a. Tomou providências então para que o marido de Betsabá, Urias, soldado hitita, fosse mandado para casa para que todos pensassem que o filho era dele. Este estratagema não deu certo e David ordenou que Urias fosse destacado para atuar na linha de frente, nas batalhas, a fim de lá morrer. O profeta Natan repreenderá David por esse horrível procedimento. Foi depois de sua união com Betsabá, como se sabe, que começaram os seus infortúnios: violação de sua filha Thamar pelo próprio irmão, Amnon; revolta de seu filho Absalon; usurpação de seu filho Adonias etc.

O nome David (Dauid) merece uma referência especial: ele é o “bem amado, o querido.” Vencedor do gigante Golias, encantou com a sua lira o primeiro rei dos hebreus, Saul, e o sucedeu. David era um pastor em Belém. Tratava os seus carneiros com muito cuidado, sendo, por isso, notado por Deus e por ele escolhido para cuidar de Israel. Como músico, foi chamado para alegrar Saul, muito deprimido, então. Casou-se com Michol, filha do rei Saul,e era amigo de Jonatan, seu irmão. David foi ungido rei aos 28 anos pelo profeta Samuel. Fez de Jerusalém a capital do reino. Grande soldado, músico e poeta,  morreu  numa  festa,  quando  o  Anjo  da  Morte  se aproveitou de sua
desconcentração com relação aos seus estudos. Muito ligado à imagem do carneiro, condutor do rebanho (animal do qual tirava as cordas da sua lira), David jamais abandonou o seu instrumento musical. Dentre as suas várias mulheres, a preferida foi Betsabá, mãe de seu filho Salomão, como se disse.

A imagem de David, devido ao affaire Betsabá, e também por outros casos, diga-se, era bastante negativa. Um texto judaico, o Talmud, sustenta porém que David, ao se unir a Betsabá, não cometera adultério. Isto porque, esclarece o Talmud, todos os soldados que iam para a linha de frente tinham que conceder obrigatoriamente às suas mulheres um atestado de divórcio para a eventualidade de não voltarem do campo de batalha. Assim, quando Betsabá se uniu a David ela já "estaria divorciada". Esclarece-se, também, que quando ela se uniu a David era virgem porque Urias não tivera tempo de consumar seu casamento com ela.

David chegou à velhice muito amargurado devido às revoltas e guerras que se sucediam no seu reino. Uma mulher, contudo, virá cuidar dele nos seus últimos dias. "O rei David ficou velho, com idade avançada; por mais que o cobrissem, ele não conseguia se esquentar. Seus servos então sugeriram: "busquem uma jovem solteira que dê assistência e cuide do senhor nosso rei; ela dormirá em seus braços e o senhor nosso rei se esquentará." Esta jovem foi encontrada, chamava-se Abisag, de Sunam, e a levaram para o rei.

David, ao vencer Golias, símbolo do mal, protetor de Gathes, cidade bíblica, foi considerado posteriormente, por algumas tradições cristãs, como um precursor de Cristo. Pela sua virtuosidade como músico e poeta, é, por outro lado, apontado, por algumas tradições artísticas, como uma “atualização” do Orfeu grego. Como exemplo de sua inspirada poesia, mencionemos os seus Salmos, o mais lido e copiado dos livros bíblicos na Idade Média.

Por último, não há como esquecer de Hadassa (nome hebraico), mais conhecida pelo seu nome de guerra (persa), Ester, grande sedutora e heroína nacional. Ainda muito jovem, órfã, foi comprada por seu primo Mordecai, líder dos exilados judeus no império persa, tornando-se sua filha. Belíssima, “engraçada”, consta que aos quarenta anos, idade avançada para mulheres àquele tempo, tinha a aparência de uma adolescente. A crônica registra que foi o próprio Mordecai que a incentivou a se aproximar do imperador persa, Assuero, que reinava “desde a Índia até a Etiópia.” O rei pediu a seus ministros que buscassem donzelas virgens e formosas, pois aquela que, “entre todas mais agradar aos olhos do rei, essa será rainha em lugar de Vasthi”, a rainha rebelde.

Assim aconteceu. Antes, porém, é preciso mencionar que tanto o nome hebraico (Hadassa) como o persa (Ester) têm a ver com o mirto, vegetal consagrado a Afrodite. A melhor aproximação a Ester que podemos fazer é sem dúvida com a deusa mesopotâmica Ishtar, deusa do amor e da guerra, entre os babilônicos, irmã de Ereshikgal, deusa dos Infernos.

Ao se apresentar ao rei persa Assuero, logo tomada por ele como esposa, conseguiu Ester em pouco, mercê dos seus encantos e da sua perícia nas artes do quarto de dormir, levar os judeus à vitória. Os judeus sempre defenderam a ideia de que a mulher que ia para cama com Assuero não era Ester, mas era um espírito muito parecido com ela, enviado por Deus. Consta mais que antes de se entregar ao rei persa ela jejuou e o próprio Deus a vestiu e a acompanhou. Antes de ir para a cama do rei, Ester passou por doze meses lunares de purificação, seis com óleo de mirto e seis com “odores adocicados” e chuva, no período do verão. Os judeus lembram dessa passagem ao jejuar no dia que antecede ao Purim (festa relacionada astrologicamente com o signo de Peixes), chamando-se essa cerimônia de Tanit Ester.

O Purim era uma festa celebrada no mês que antecedia a primavera, no último mês do inverno, portanto. Os judeus a herdaram dos mesopotâmicos; nessa festa se celebrava a vitória da luz, conduzida pelo deus Marduk (Mordecai), sobre o deus das trevas, Haman (Uman). Este último é o grande representante do mal no Livro de Ester. Ele tinha obtido de Assuero autorização para exterminar os judeus. Ester frustrou então os seus planos. Haman foi enforcado, com seus dez filhos, na mesma árvore que preparara para enforcar Mordecai.

Lembro que o grande gênio do teatro clássico francês, Racine, no séc. XVIII, escreveu uma tragédia em três atos, com coros, sobre o tema, a pedido de Mme. de Maintenon, para as jovens internas de Saint- Cyr.

Como se pode ver, pelos menos quanto às mulheres, o Antigo Testamento, é, sem dúvida, um tratado sobre ciúmes, ardor, paixão, fogo, luxúria, incesto; nada nos falando do amor idealizado, "platônico", ou do amor voltado exclusivamente para a procriação. A mulher bíblica, no AT, longe de ser uma devota triste e submissa, tem orgulho dos seus atributos físicos, da sua beleza. Por isso, não se descuida, procura manter-se bela, aprende a arte de seduzir e a de fazer amor.

Shalom, amén, salam alaikum, ave, namastê...