terça-feira, 16 de setembro de 2014

DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA

           

Twelve Angry Men, em inglês, é um filme de 1957. Dirigiu-o Sidney Lumet, segundo um roteiro de Reginald Rose, que também o produziu juntamente com Henry Fonda, que trabalha no filme, para os estúdios da United Artists. A fotografia é de Boris Kaufman, sendo a direção de arte de Robert Markel, responsabilizando-se Kenyon Hopkins pela musica original. O filme, a direção e alguns atores foram muito premiados nos USA e na Europa. Em 1997, com o mesmo título e assunto, foi lançado nos USA um filme pela TV americana, bem inferior ao primeiro.

A distribuição de papéis é a seguinte: Juiz (Rudy Bond), Guarda (James Kelly), o Acusado (John Savoca). Jurados, de 1 a 12: Martin Balsan, John Fiedler, Lee J.Cobb, E.G. Marshall, Jack Klugman, Ed Binns, Jack Warden, Henry Fonda, Joseph Sweenwey, Ed Begley, George Voskovec e Robert Webber, todos devidamente identificados no filme através de sua vida profissional.



  
Numa quente tarde de verão, doze homens se fecham numa sala abafada, no Palácio da Justiça de Manhattan, NY, para discutir e deliberar se um adolescente porto-riquenho deve ou não ser condenado à cadeira elétrica, acusado de ter assassinado o próprio pai. Antes, como é de praxe, o juiz esclarece quanto a alguns critérios a serem adotados; um deles, muito importante, fundamental, recomenda que no caso de alguma dúvida o acusado deveria ser inocentado (é a famosa máxima in dubio, pro reo, dos latinos). Esclarece mais que apenas uma votação unânime pode levar ao veredicto. Nenhum dos jurados é conhecido pelo nome, mas apenas pelo número da cadeira ocupada na sala do júri.

Há três dias que os jurados ouvem os argumentos da defesa e da acusação. Agora, na sala fechada, sem ventilação adequada, no dia de verão “mais quente do ano”, devem deliberar. As dimensões da sala, os móveis, tudo é desconfortável, contribuindo para que a irritação dos jurados aumente e os ânimos se acirrem. Os doze jurados, do sexo masculino, são todos de origem, condição social, vida profissional e religião diferentes. Todos, de início, parecem concordar com a tese da acusação (pena de morte), até que um dos membros do júri questiona essa unanimidade. Os jurados começam a discutir a matéria, argumentos aparecem, os problemas individuais de cada deles vão emergindo, dificultando a definição do veredicto. 

Aos  poucos, os pontos de vista de cada um, em meio a veementes discussões e até  conflitos, mais ou menos abertos, vão sendo revistos. As diferenças individuais, as incertezas, as emoções, os ressentimentos e as mágoas, como variáveis, que permeiam o grupo, vão sendo resolvidos. Com isso, as diferenças vão se integrando e o grupo consegue caminhar para a decisão que a todos parece satisfazer. O que fica para nós talvez sejam as ideias de que interagindo como o fizeram os participantes do corpo de jurados um grupo pode ser mais que a soma aritmética dos seus membros. Num nível assim, sentimentos de respeito e confiança podem se sobrepor aos de má-vontade, descaso ou desinteresse.

O filme é o primeiro longa-metragem de Lumet. No momento histórico (final da década de 1950) da vida americana em que aparece, não coloca só em jogo problemas do Direito Penal de um país, mas traz para um primeiro plano das cogitações de espectadores mais atentos questões como o Macarthismo, o Fascismo, o Racismo, o Comunismo. Um dos cartazes publicitários do filme, nos USA, tinha frases como esta: A vida em suas mãos. A morte em suas cabeças! O último filme de Lumet, falecido em 2011, foi Antes que o Diabo saiba que Você está Morto (2011).

Lumet gostava muito de Nova York, onde realizou os seus melhores trabalhos. Era o que podemos chamar de um humanista, um insatisfeito, portanto, com vários aspectos da vida americana.
 LUMET: CINEMA E VIDA
Sentia-se muito bem no cinema adaptando peças, denunciando a ignorância da TV. Tinha uma sensibilidade apurada para lidar com personagens marginalizados na sociedade, os loosers, os perdedores, os desclassificados, sempre mostrando uma grande compaixão, sem nenhuma pieguice, pelas vítimas. Deixou um livro, editado no Brasil (Rocco), que tem o título de Fazendo Filmes, sobre as suas experiências no cinema.


O orçamento do filme foi mínimo, cerca de $ 350.000 dólares. Foi rodado em menos de vinte dias, segundo o roteiro de Rose, apresentado inicialmente como espetáculo de TV. Foi Henry Fonda quem, ao se interessar pelo tema, pediu que Rose o “expandisse” um pouco para levá-lo ao cinema. 

Noventa dos noventa e cinco minutos do filme se concentram num único set (a sala do júri). Alguns críticos americanos o acharam estático, rodado em tempo real, vendo nisso um demérito. O fotógrafo, BK, já havia demonstrado em trabalhos anteriores (On the Waterfont, 1954, e Baby Doll, 1956), o domínio completo da câmara em ambientes mais fechados. BK era russo, irmão de um dos maiores nomes do cinema de todos os tempos, Dziga Vertov (Denis Kaufman), teórico do “Cinema-Olho”. Saiu da Rússia, passou pela Alemanha, Bélgica e França. Trabalhou com Jean Vigo e filmou um documentário realizado por Samuel Beckett, passando para os USA onde se fixou.

O sucesso do filme se deve muito à sintonia que se estabeleceu entre Lumet, Reginald Rose (roteiro), Carl Lerner (montagem) e
BORIS  KAUFMAN
Boris Kaufman (fotografia). A montagem do filme procurou nos transmitir sempre ideias como as de tempo real e de confinamento. A fotografia desse filme é também um dos melhores exemplos que podemos invocar quando pensamos em diálogo diretor-fotógrafo. O plano-sequência do início do filme (um “passeio” para nos situar os personagens é magistral). No mesmo nível estão as angulações de câmera e o uso de lentes adequadas para que fosse criada uma sensação permanente de claustrofobia, de opressão, durante todo o filme e de libertação na cena final.  


Embora comumente não colocado na galeria dos maiores diretores do cinema americano pela crítica oficial, Lumet, é, sem dúvida, um deles. À falta de conceitos para classificá-lo, os críticos costumam se referir a ele como um bom artesão. Isso é muito pouco para se falar dele, que sempre foi sério e extremamente competente, avesso a espalhafatos e a badalações. Nascido em 1924, de origem judaica, dirigiu filmes de sucesso de público e de crítica, destacando-se dentre eles O Homem do Prego (1964), Longa Jornada Noite Adentro (1962), Negócios de Família (1989), Um Dia de Cão (1975), Equus (1977) e outros.

Doze Homens e Uma Sentença deve grande parte de sua existência ao interesse que Henry Fonda, já muito famoso, politizado, demonstrou pelo tema. Este ator, um dos maiores do cinema americano, nasceu em 1905 e faleceu em 1982. Dentre seus trabalhos mais importantes, podemos citar Paixão dos Fortes, Era Uma vez no Oeste, O Homem que Odiava as Mulheres, Mister Roberts e muitos outros.




Doze Homens e uma Sentença apresenta alguns tópicos dignos de registro. Muitos jurados, por exemplo, são identificados pelo trabalho ou profissão que exercem. O jurado nº 1 é professor de educação física e treinador de futebol em escola de segundo grau; o de nº 2 é bancário; o de nº 3, empresário; o de nº 4, corretor na Bolsa de Valores; o de nº 5, ingênuo e inseguro; o de nº 6, pintor de paredes; o de nº 7, vendedor, gosta de esportes, é superficial; o de nº 8, arquiteto, lógico, racional; o de nº 9, o mais velho dos jurados, o segundo a votar pela absolvição, convencido pelos argumentos do de nº 8; o de nº 10, dono de oficina, vazio, pretensioso, racista; o de nº 11, relojoeiro, imigrante, naturalizado; o de nº 12, animado e indiscreto publicitário, bem vestido, elegante, que usa muitos clichês para se expressar. Um microcosmos que representa de modo admirável o macrocosmos americano, com as suas contradições e grandezas.   
    
O filme nos abre várias possibilidades de abordagem. Sua importância fica muito ampliada se considerarmos a sua dimensão “extra-cinematográfica”. Nos anos 80, levei-o para debatê-lo em algumas faculdades onde lecionava, discutindo-o em seminários (áreas de Comunicação), priorizando o tema formação da Opinião Pública em pequenos grupos. Situada entre a Psicologia Social e a Política, a temática do filme é um excelente laboratório para a investigação das origens e das características dessa força a que damos o nome de Opinião Pública. O ponto de partida para as discussões estava, como então se colocou, no exame da OP como fenômeno que estabelece uma relação entre o psiquismo individual e o comportamento grupal.

Para introduzir os participantes no tema e debates, parti de uma

frase de Pascal (Pensées): La force est la reine du monde et non pas l´opinion, mais l´opinion est celle qui use la force (A força é a rainha do mundo e não a opinião, mas é a opinião que usa a força) Dentre os itens discutidos, cito a busca de uma definição de opinião e de atitude, entendendo-se a primeira relacionada com o sistema de crenças e ideologias de um indivíduo e a segunda, a atitude (mais concreta), como uma tendência para agir, uma predisposição para entrar em ação com relação a determinado assunto, de maneira mais ou menos predizível. A partir daí, procuramos escalas de medida de opiniões e de atitudes. Foram levantadas também questões sobre a maneira de se apresentar a um grupo opiniões que julgamos por ele inaceitáveis e sobre a possibilidade de se classificar os participantes do grupo a partir de esquemas bastante simples, algo assim como separá-los em “duros” (os tipos realistas, sensuais, pragmáticos, materialistas, pessimistas, céticos etc.) ou “cordatos” (os idealistas, os otimistas, os religiosos, sentimentais, emotivos etc.). 


O filme nos colocou também diante de muitas outras questões quando propusemos pensá-lo em termos em comunicação humana. Uma das questões, por exemplo, que nos pareceu (a mim e ao grupo) fundamental: o quanto o ser humano é afetado por suas suposições inconscientes sobre a linguagem que usa quando se comunica ou decide sobre alguma coisa. Chegamos à conclusão de que a maioria das pessoas, inclusive muitas que se consideram letradas, de nível superior (não só o chamado homem comum), não têm a mínima consciência de que muitas palavras que usam podem estar carregadas de sentidos, baseados, sobretudo, em preconceitos raciais, sociais e religiosos que acabam dificultando qualquer possibilidade de entendimento. 




Ao entrar na sala do júri para a devida deliberação sobre o que haviam ouvido (acusação e defesa), os jurados, com exceção de um, optavam por uma sentença condenatória. Aos poucos, porém, por insistência do jurado (Henry Fonda), que procurou debater o assunto de forma mais lógica, eles foram percebendo que as suas opiniões se baseavam mais em seus condicionamentos e preconceitos do que numa apreciação correta dos fatos. A discriminação de alguns, por exemplo, estava baseada em diferenças biológicas, o que os levava a dividir os grupos humanos
LEE   J.   COBB
em superiores e inferiores. O argumento deles era o de que crimes como o que estavam julgando só podia ser mesmo “coisa desses porto-riquenhos”, gente que nunca poderia entender os “verdadeiros” valores da sociedade americana. Outro jurado, o de nº 3 (Lee J.Cobb), o mais colérico, por exemplo, que chegou a agredir física e verbalmente outros jurados, acabou percebendo, ao final do filme, que seu voto no sentido de condenar o jovem porto-riquenho era motivado pelo fato de seu filho não querer falar com ele. O jurado nº 10, outro exemplo; permaneceu convencido durante muito tempo quanto à culpabilidade do jovem acusado. No fim, percebemos que os motivos de seu convencimento eram devidos aos preconceitos que alimentava com relação a pessoas oriundas dos meios de onde o acusado provinha, os guetos não apenas de negros, mas de latinos, orientais e mestiços. Acabam chegando todos, contudo, depois de conclusões às vezes dolorosas, num processo de autoconhecimento, à unanimidade ao se declararem convencidos pela absolvição do rapaz.


SIDNEY   LUMET
Doze Homens e uma Sentença é um filme que não envelhece, é um clássico que dignifica o cinema americano. Sua grandeza cresce certamente se o utilizamos para iluminar estes tempos em vivemos, nos quais, em espaços específicos da Internet, se partilham tantos dados e informações de um modo tão inconsequente, criando-se grupos de afinidades formados pelas chamadas comunidades virtuais que nada mais fazem do que ostentar publicamente a sua pretensiosa ignorância e insensibilidade.