terça-feira, 2 de janeiro de 2018

SAGITÁRIO (1)


SAGITÁRIO  ( BOLONHA, SÉCULO XIII )
                                          
Nas antigas tradições astrológicas da Ásia, o signo de Sagitário sempre foi representado por uma flecha ou por uma flecha e um arco. Nomes que o designavam, nomes como Kaman (Pérsia), Yai (Turquia), Kertko /Caldeia), Al Kaus (Arábia), todos, têm relação com a flecha. Há registros de que no antigo Egito a constelação era representada por um cisne ou um íbis, embora o zodíaco de Denderah nos mostre um arqueiro bifronte, uma parte humana e outra leonina. Na Mesopotâmia, a constelação era representada também por uma figura híbrida, um ser muito especial, parecido com um sátiro grego.  Inscrições cuneiformes designam a constelação por nomes como O Forte e O Gigante Rei da Guerra, personificando o arqueiro deus da guerra, Nergal, depois deus dos infernos, confundido às vezes com o planeta Marte. 

Os hindus, há mais de 3.000 anos aC, já representavam Sagitário por um cavalo, por uma cabeça de cavalo ou por um cavaleiro. O nome sânscrito desta constelação que se fixou para nós foi

entretanto o de Dhanus (arco). Na tradição dos Upanishads, o signo de Dhanus propõe a identificação com a flecha, representando o conhecimento que liberta do karma e do ciclo dos renascimentos. No antigo mundo védico, a sílaba sagrada AUM (OM) era o arco, atma, a alma, a flecha, sendo o Brahman, o Todo, o alvo, tudo isto sugerindo a saída da multiplicidade e do samsara pela volta à unidade. 

Nos tempos védicos, os astrólogos davam o nome de Brihaspati a uma dividade que tutelava o planeta Guru, Júpiter na astrologia ocidental, regente de Dhanus. Com o tempo, essa distinção acabou desaparecendo, sendo Brihaspati, denominado como “pai dos deuses” ou “preceptor dos deuses” citado astrologicamente como o próprio regente do signo. Brh é um prefixo sânscrito que significa grande, traduzindo ideias de desenvolvimento, crescimento, expansão. Pati significa senhor. Brihaspati é, assim, aquele que governa porque é grande, porque tem poder  e porque se expande. 

BRIHASPATI
Brihaspati, entre os hindus age como a inteligência e a palavra dos deuses, sendo identificado como a divindade que permite ao ser humano ter acesso a um nível de conhecimento que lhe possibilita ultrapassar o que o mental comum, inconstante e instável, lhe fornece através de budha (o planeta Mercúrio) e das condicionantes impregnações lunares (manas). É o conhecimento proporcionado por Brihaspati (Júpiter), como buddhi, que põe o hindu não só em contacto com o testemunho de grandes sábios do passado como lhe possibilita o acesso a um tipo de conhecimento superior, libertador, estabelecendo uma ligação com o Brahman.

Ao se identificar com a flecha, conforme proposta do nono signo astrológico, Dhanus, o homem adquire o conhecimento que o liberta do ciclo dos renascimentos (samsara), transformando o que nele há de animal e racional em espiritual, liquidando-se, assim, os seus débitos kármicos.  A filosofia vedantina, como sabemos, distingue quatro tipos de karma. O primeiro é o sanchita-karma, a totalidade das sementes (efeitos) acumuladas, provenientes de encarnações anteriores, que ainda não começaram a germinar, encontrado na quarta casa astrológica. 

O segundo é o prarabdha-karma, a parte do anterior que numa encarnação será vivida, colhida, constituindo a nossa presente biografia; são os efeitos que repercutem numa encarnação presente, que estão no Meio do Céu. O terceiro é o kriyamana-karma, a nossa capacidade de discernir quanto às ações do presente que poderão continuar abastecendo o sanchita-karma e que, como tal, deverão ser evitadas; este conhecimento é encontrado (ou não) na nona casa. Finalmente, o agama-karma, a nossa capacidade de prever o resultado futuro de nossas ações, realizemo-las ou não; confunde-se com o nosso livre-arbítrio. Chama-se upaya (método) o conjunto de recursos encontrados (ou não) na nona casa que podem ser usados para nos ajudar a trabalhar com o kriyamana-karma e o  agama-karma. Para os antigos astrólogos hindus, o prarabdha-karma, o kriyamana-karma e o agami-karma, na vida de alguém, seriam explicados por Jyotish. As mudanças e as transformações que alguém desejasse realizar em sua vida só ocorreriam através do conhecimento que ele tivesse do seu kriyamana-karma e do seu agama-karma, isto é, do que astrologicamente significam o signo de Sagitário (Dhanus), a sua nona casa. 


JYOTISH

Além disso, a transformação desejada só se viabilizaria se conhecido como o seu prarabdha-karma (a sua décima casa), no qual está o karma a ser colhido numa presente encarnação, estaria afetando a sua vida em função da  qualidade, da intensidade e das características que apresenta, segundo os seus níveis: 1) karma não-fixo (adridha); 2) karma fixo/não fixo (dridha-adridha); 3) karma fixo (dridha). No primeiro caso, temos o karma que pode ser removido sem grandes problemas, com algum esforço, porém. Um karma leve. No segundo caso, temos o caso de débitos kármicos, de intensidade média, só removidos com muito esforço. No terceiro caso, temos os débitos kármicos muito pesados, severos, que exigirão  esforços constantes por uma vida inteira, jamais removíveis. 

Dhanus encerrava na astrologia védica o terceiro quadrante zodiacal, conhecido pelo nome de Dharma, antecedido pelo segundo e pelo primeiro, designados respectivamente pelos nomes de Kama e de Artha. O quarto quadrante zodiacal tinha o nome de Moksha. Os nomes destes quadrantes designavam as quatro etapas pelas quais todo o hindu deveria passar, quatro metas de vida, sendo a primeira uma preparação para a segunda e assim por diante.



A primeira meta, Artha, tinha a ver com ideias de afirmação e de conquistas materiais. Nessa primeira meta prevalece matsya nyaya, a lei do peixe, da qual se diz que peixes grandes comem peixes pequenos. Grande parte da humanidade vive segundo esta lei, explicada na filosofia ocidental por pensadores como Machiavel, Hobbes e por correntes filosóficas que defendem o pragmatismo e o utilitarismo. Na segunda
THOMAS  HOBBES , 1588 - 1679
meta, temos Kama,  na qual também grande parte da humanidade está fixada: a vida como busca do prazer. Kama é o nome de uma divindade muito parecida com o Eros grego. Kama, com seu arco, dispara flechas que provocam os desejos humanos. Possui cinco flechas, uma para cada um dos sentidos humanos. É Kama a própria encarnação do desejo. 

Na terceira meta, temos Dharma, conceito que lembra ao mesmo tempo responsabilidade, dever e obrigação. É o quadrante da vida social e, neste sentido, se opõe ao primeiro, o da individualidade. Com Dharma, entramos na vida social, que pede uma noção clara dos direitos e dos deveres dos seres humanos. Este quadrante, astrologicamente, é encerrado por Dhanus, signo que nos fala de conhecimentos superiores que nos levam a uma vida espiritual, transindividual e transsocial, que nos põe em relação com a humanidade como um todo. Com as influências de Dhanus, vividas superiormente, deixamos de agir só em função da nossa individualidade e/ou da nossa vida social. 

Para Jyotish, se Dhanus é o signo do conhecimento, o da sabedoria será o de Peixes (Meena), o da doação, onde o conhecimento que leva ao Brahman será passado aos outros, compartilhado, sem nenhuma ideia de reciprocidade. Doar simplesmente com o objetivo de que a vida do Todo, a humanidade e o mundo natural melhorem. É por isso que o signo de Meena, Peixes, fechava o quarto quadrante na astrologia védica, dando-se o nome de Moksha à última etapa da vida no Hinduísmo. Moksha é palavra que etimologicamente nos remete a ideias de desatar, abrir mão, largar, emancipar, terminar. Moksha é conceito que afasta por isso a noção de ego. É em moksha que se vive plenamente uma das máximas hinduístas, a do desapego do resultado das ações praticadas. É através de Moksha que o homem, o chamado liberto em vida, como parte do Todo, do Brahman, pode se projetar além de si mesmo, em direção do mundo natural e dos outros outros homens.


CORRESPONDÊNCIAS   ZODIACAIS

A esta caminhada em direção do Brahman, que na astrologia é orientada a partir de Dhanus, tanto o Hinduísmo como o Budismo dão o nome nirvana marga. Nirvana é palavra que etimologicamente tem relação com um verbo (nirva) que  significa acalmar, extinguir diminuir, atenuar, apagar, mas que, muitas vezes, pode tomar o sentido de ir-se, de atravessar. Todo este campo semântico diz respeito obviamente ao controle do ego, dos seus desejos, dos seus apegos, da sua ignorância. O nirvana é um estado a ser conquistado, um modo de ser que deve ser confirmado pela própria vida daquele que o busca. A via para esse fim é a que tanto a astrologia como as doutrinas filosófico-religiosas chamam de gnana marga ou jñana marga, o caminho do conhecimento.


MESOPOTÂMIA
Ao que parece, dentre os povos da Mesopotâmia, foram os babilônicos os primeiros a estabelecer a ligação entre determinadas constelações com os meses do ano. Sabe-se que por volta do ano 1.000 aC eles já tinham definido  o círculo zodiacal com dezoito constelações, reduzidas depois para doze. Esta redução possibilitou que não só a noção da eclíptica (via solis) se estabelecesse como também a fixação dos eixos equinociais e solsticiais. Foi a partir das definições acima que a eclíptica foi dividade em doze partes iguais, dando-se a elas, como signos, os seus respectivos nomes (traduzidos): O Mercenário (Áries), O Touro e As Estrelas (Touro com as Plêiades), Os Grandes Gêmeos (Gêmeos), O Caranguejo (Câncer), O Leão (Leão), A Balança (Libra), A Espiga (Virgem), O Escorpião (Escorpião), Pabilsag (Sagitário), A Cabra-Peixe (Capricórnio), O Grande (Aquário) e As Caudas (Peixes). Pabilsag (Sagitário) era uma divindade conhecida desde a mais remota antiguidade mesopotâmica. Era filho de Enlil (Grande Montanha), sendo sua esposa a deusa Ninisina, padroeira de Isin, divindade ligada às doenças e às curas. 

Embora os sumérios tinham iniciado na Mesopotâmia a leitura do céu, pelo reconhecimento de algumas constelações e de planetas, foram os babilônicos, mais tarde, por volta de 2.000 aC que deram a esta leitura um sentido diferente, utilizando-a para fazer previsões
ENUMA   ANU   ENLIL
(presságios) quanto aos seres humanos, geralmente pessoas de elevado status, e quanto a acontecimentos relacionados com a vida do país, conflitos, guerras, epidemias, catástrofes. Ficaram famosas as  tabuletas em argila cozida de uma série intitulada Enuma Anu Enlil que registram, desde o período assírio até o babilônico, a posição aparente dos planetas, principalmente Marte e Vênus. O primeiro representa Nergal, deus da guerra, do inferno e da pestilência, e o segundo, associado a Ishtar, relacionado com o amor, a fertilidade e a paz.   


TIAMAT   E   MARDUK

No mundo mesopotâmico, quando a Babilônia se tornou o maior centro político do país, quem passou a reinar absoluto sobre todos os planetas foi o deus Marduk. Uma descrição dos seus feitos pode ser encontrada na quinta tabla da Epopeia de Gilgamés: Ele
ENLIL
construiu as residências dos grandes deuses. Fixou as estrelas feitas à sua imagem, inclusive os lumasi. Calculou o ano e designou os signos do zodíaco. Atribuiu três estrelas a cada um dos doze meses. Depois de definir os signos e dias do ano (meses), determinou a posição de Nibiru para que cada um tivesse o seu lugar e ninguém se atrasasse ou
EA
adiantasse. Pôs a seu lado Enlil e Ea. Abriu portas de cada lado e levantou sólidos muros à esquerda e à direita. Colocou as alturas no ventre de Ea e fez resplandecer a nova Lua, a quem confiou a noite. Fez dele (a Lua era um astro masculino) um ser da noite, a fim de que os dias se fixassem.


Marduk era o filho mais velho de Ea, cujo nome significa “Casa da Água”, divindade muito semelhante ao Poseidon dos gregos. Na cosmologia mesopotâmica, lembre-se, o elemento primordial era a água. Foi da fusão da água doce, Apsu, e da água salgada, Tiamat, que tudo nasceu, os deuses e os seres da natureza. Tiamat personificava a imensidão oceânica, representando o elemento feminino, que deu nascimento ao mundo. Tiamat lembra o caos, a indiferenciação. Foi de Apsu que saíram as fontes que apareceram na superfície da terra, origem dos rios. De Apsu e Tiamat nasceram as primeiras divindades, um par de serpentes monstruosas, mal definidas. Imediatamente, geraram elas os dois princípios básicos do universo, Anshar, masculino, e Kishar, feminino, representando o primeiro o céu e o segundo a terra, algo assim como Urano e Geia dos gregos.


UTUKKU

As batalhas de Marduk foram muitas. Uma, que serviu para consolidar a sua posição como o maior dos deuses, foi a que travou contra os utukku, gênios do Mal, que atacaram o deus Sin (Lua), cuja vigilância noturna não lhes dava trégua. Com a cumplicidade de Shamash (Sol), de Ishtar (deusa do amor) e de Adad (deus dos relâmpagos e das tempestades), os utukku chegaram mesmo a eclipsar a luz de Sin. Pondo-os em fuga, enquadrando as três referidas divindades, Marduk restabeleceu a ordem celeste e devolveu a Sin a sua luz. 

SIN  

Marduk era representado como um grande senhor, armado com uma cimitarra, submetendo um monstruoso dragão de chifres, uma lembrança da sua vitória contra Tiamat. Esta imagem ocupava uma posição de grande destaque no seu templo babilônico, onde, ao seu lado, aparecia a sua esposa, Sarpanit. Como vencedor de Tiamat, o caos, Marduk criou a ordem cósmica. Ao mesmo tempo que se manifestava como divindade benéfica, ele podia se mostrar violento, atrabiliário, muito agressivo até, demonstrando muitas características que o aproximavam bastante do deus Nergal (Marte). Tal ambiguidade, para os que astrologicamente compreendem bem as influências de Júpiter, não deve causar admiração, apesar de, há muito, desde Ptolomeu, ele ser tradicionalmente considerado como, dentre os planetas, “Fortuna Maior”. 

Não podemos nos esquecer que se divindades como Marduk na Mesopotâmia,  Zeus e Júpiter, no mundo greco-romano, associados ao maior planeta  do nosso zodíaco, representam a soberania suprema, a expansão, a vida espiritual, a iluminação, a dilatação e a
MICHEL   GAUQUELIN  ,  1928 - 1991
ordem, elas podem também, negativamente, simbolizar autoritarismo, autossuficiência exagerada e presunção. Não é por acaso, aliás, conforme os estudos clássicos de Michel Gauquelin, que Júpiter é planeta ascendente ou culminante no tema astrológico de um grande número de altos dignatários nazistas ou que pode ser encontrado, também dominante, em temas de falsos líderes religiosos e profetas.

Participando do simbolismo do raio de luz e da chuva fertilizante como ligação entre dois estados, o celeste e o terrestre, a flecha lembra passagens rápidas e penetração como união mística. É neste sentido, na tradição hinduísta, que a flecha é sinônimo de celeridade intuitiva fulgurante, do chamado saber rápido. Esta relação da flecha com esse tipo de conhecimento  explica-se melhor na medida em que soubermos que sagitta, flecha, em latim, tem
KIRON
relação com  o verbo sagire, perceber rapidamente e também ter faro. Dentro deste verbo encontramos o radical sag, que, em latim, aparece em palavras como sagus (o que pressagia), sagax (que tem o odor sutil como o cão), sagacitas (que tem os sentidos finos), praesagus (que pressente), sagaciter (saber com penetração). É por esta razão que Sagitário é considerado tradicionalmente como o signo da profecia. Saga, sagae era o nome que os antigos romanos davam às suas bruxas, feiticeiras, as que “sabiam antes.” É de todo esse contexto que sai a palavra cinegética, uma das artes ensinadas pelo centauro Kiron aos seus pupilos, como veremos.

Tudo o que se expôs acima poderá ser melhor entendido se compreendermos que Gêmeos é o signo da informação e que Virgo é o da crítica e da aplicação desta informação para que ela se transforme em conhecimento. É neste sentido que Sagitário se torna
o signo das grandes viagens espirituais e intelectuais através das religiões e dos seus códigos, dos textos legais, da filosofia, do estudo e do ensino superior, da vida universitária, do estudo das línguas e dos costumes dos povos etc.  São representantes de Sagitário, de um modo geral, os religiosos, os catedráticos, os magistrados, os professores, os pregadores, os embaixadores, os exploradores, os viajante etc.