quarta-feira, 1 de março de 2017

TOURO (3)

        

APIS

Dentre os vários animais sagrados da religião egípcia, um dos mais importantes foi o touro, adorado sob o nome de Apis, transcrição grega de Hapi. Seu principal culto estava centralizado em Mênfis, onde aparecia associado ao deus Ptah. Este deus, protetor dos
PTAH
artesãos e dos artistas, foi identificado pelos gregos como uma das formas possíveis do seu deus Hefesto, deus metalúrgico, mestre das artes do fogo, grande divindade construtora. Ptah foi no Egito o inventor das artes, trabalhando com metais, sendo também uma divindade construtora. Era apresentado como um homem mumificado, num pedestal; nas mãos, um cetro no qual estão reunidos símbolos da vida, da estabilidade e de onipotência.


Era adorado em Mênfis em companhia de sua esposa, a deusa Sekhmet e de seu filho Nefertun. A construção de templos e de monumentos religiosos estava colocada sob a sua tutela, Recebia, por isso, o título de “Grande Chefe das Artes”. Perto de seu santuário em Mênfis se fazia  a adoração do touro Apis, uma encarnação sua. Ainda que se dessem a Ptah qualificativos de beleza (o de bela aparência), Ptah era representado, muitas vezes, como um anão disforme, de pernas tortas, arqueadas, os punhos fincados nas ancas, a cabeça inteiramente raspada, ornada com uma trança. Nessa forma era reverenciado como protetor contra os animais perigosos ou daninhos de qualquer espécie e contra todas as formas do mal. A função a que os gregos chamavam de apotropaica.

Sob a forma de um fogo celeste, como muitas imagens mostravam, Ptah fecundava uma bezerra virgem e renascia através dela como um touro negro, que os sacerdotes reconheciam por certas marcas distintivas, de caráter religioso. Para ser considerado como uma reencarnação de Ptah, o touro deveria ter sob a sua fronte um triângulo branco, sob seu corpo a figura de um abutre de asas abertas, sob seu flanco direito um crescente lunar, na língua a imagem de um escaravelho, devendo os pelos de sua cauda ter uma forma bífida. 

Enquanto vivesse, Apis era alimentado com todo o cuidado num templo de Mênfis, vizinho ao de Ptah. Uma vez por dia, Apis era trazido para um pátio do templo, sendo seus mugidos recebidos com grande alegria por inúmeros visitantes, inclusive de estrangeiros em visita ao país, ainda no período helenístico. Cada um dos movimentos de Apis era interpretado como sinal de algum acontecimento futuro. A morte súbita do príncipe Germanicus, sobrinho do imperador Augusto, segundo consta, foi anunciada pelo touro Apis quando ele recusou receber das mãos do príncipe a comida que ele procurava lhe dar, um sinal de mau augúrio.

Apis geralmente morria de velhice. Quando tal não acontecia, isto é, quando a morte retardava demais a sua chegada, deteriorando-se a sua saúde, Apis era sacrificado. O encontro de um novo Apis era sempre celebrado com muita alegria em todo o país. Em 1.850, arqueólogos descobriram uma necrópole menfita onde foram encontrados vestígios de esplêndidos funerais realizados em homenagem ao touro Apis. 


SERAPEUM


SERAPIS
Os gregos rendiam ao touro cultos funerários como os celebrados em homenagem a Osíris no Egito. Nessa condição, os gregos chamavam o touro egípcio de Osorapis, depois identificado como o deus Serapis, adorado segundo um rito puramente grego no grande Serapeum de Alexandria. Deus infernal, Serapis, confundido com Osorapis, foi adorado ao lado do templo deste em Mênfis.

Hathor era uma divindade feminina na qual os gregos viam traços de sua Afrodite. Deusa celeste, passava por ser filha de Ra e mulher de Horus. Em alguns períodos da história religiosa do Egito, ela passa por mãe de Horus, sendo seu nome traduzido pela expressão “a morada de Horus”, explicada esta designação como sendo ela, a deusa, o lugar onde, a cada crepúsculo, o deus solar se recolhia para depois renascer a cada manhã. De um modo geral, os lugares pantanosos, lugares de origem da vida, eram de Hathor. Antropomorfizada, de rosto redondo, com vasta cabeleira encaracolada, a figura de Hathor, ao evocar a Lua cheia, era particularmente reverenciada pelos beduínos do deserto.

HATHOR
É ela, Hathor, registram os textos, a grande vaca celeste que criou o universo  e tudo o que ele contém, inclusive o Sol. É representada como uma vaca, seu animal sagrado ou como uma figura antropomorfizada, uma deusa com a cabeça do animal. Noutras vezes ainda, uma figura feminina ornada com chifres. 
MENAT
Esta deusa tinha ainda um fetiche no qual gostava de se encarnar, o sistro, instrumento musical também muito usado nos cultos de Ísis, que tinha a finalidade de espantar maus espíritos e de acalmar os deuses. Dentre os objetos mais sagrados de Hathor encontramos também um colar chamado menat, símbolo da fertilidade.

Hathor, às vezes se transformava numa leoa (Pakhet), forma através da qual se ligava aos vales férteis na beira de lugares desérticos, onde animais selvagens indefesos como as corças vinham se abrigar e saciar a sua sede. Honrada como leoa, Hathor era ainda reverenciada nos desertos do Sinai, onde se encontravam minas de  turquesa, pedra da sua predileção. 


DENDERAH

A arquitetura da cidade de Denderah tinha a forma do sistro. A cidade era a capital de um dos nomos do Alto-Egito, colocada sob a tutela de Hathor. Num recinto dessa cidade se realizava uma cerimônia chamada de “união ao disco”, quando das festas do início de cada ano. Nas paredes desse recinto foi encontrada a pintura de uma carta celeste, nela figurando, numa de suas mais antigas representações, o Zodíaco com os seus signos e respectivos decanatos.

Hathor era a protetora das mulheres, governando a estética do mundo feminino (roupas, joias, atavios, penteados, beleza corporal, maquiagem etc.). Sob sua tutela ficavam o amor, a alegria de viver e os prazeres da vida.  Era conhecida no Egito como a “senhora da alegria, da dança, do canto, do enlaçamento das guirlandas”. Seu templo era a morada do prazer, da vida agradável. Alimentava os humanos com o leite de seu seio. Comuns as representações de faraós mamando nas tetas de Hathor. 


LIVRO   DOS   MORTOS

Além de cuidar dos vivos, Hathor se preocupava também com os mortos. Sob o nome de “rainha do Ocidente”, ela é a protetora da necrópole tebana e ilustrações de O Livro dos Mortos mostram-na pontificando para os lados das montanhas da Líbia, limite do mundo dos vivos, pronta para acolher os mortos quando da sua chegada ao Outro Mundo, livrando-os de inúmeros perigos, desde que saibam a ela recorrer com as preces adequadas. Ela é também chamada de “A Deusa do Sicômoro”, pois, ás vezes, ela se refugia na folhagem desta grande árvore, encontrada nos limites dos desertos, para acolher o morto, dando-lhe a água e o pão das boas-vindas. 

Árvore sagrada do Egito, o sicômoro, com a sua abundante ramagem, simbolizava a segurança e a proteção que socorria as almas. Subir num sicômoro era participar da vida espiritual. Contudo, esta subida devia ser feita sempre com cuidado, com humildade. Do contrário, a árvore simbolizaria desinteresse pelas coisas terrestres , desprezo da opinião pública, rebeldia, revolta, vaidade. Denderah era a cidade de Hathor, importante centro astrológico. Lá, Hathor vivia em companhia do marido, Hórus, e de seu filho, Ehi, um menino que agitava o sistro ao lado de sua mãe.

SICÔMORO
O sicômoro, a chamada figueira dos faraós (fycus sycomorus), é uma árvore muito comum em todo o norte da África, cultivada tanto pelos seus frutos comestíveis como planta melífera e ornamental pelas suas flores, sendo muito útil também na tinturaria (tingimento de tecidos). Era empregada também, por sua madeira muito resistente, na construção de sarcófagos, de móveis e de instrumentos musicais (Para maiores detalhes, veja neste blog o artigo A Figueira).  


NUT
É preciso não esquecer que no panteão egípcio, nas suas primeiras definições, encontramos a deusa Nut, que os gregos associaram a Reia, filha de Urano e de Geia, uma titânida, irmã e mulher de Cronos. Nut é irmã de Geb, no qual os gregos viram seu deus Cronos. Eles formavam um casal, o segundo na sequência divina desde as origens. Uniram-se contra a vontade de Ra (O Criador, o Sol), que os separou brutalmente, decretando que Nut não poderia parir, que não poderia dar filhos à luz. Segundo o mito, Thot, felizmente, teve pena dela e, jogando damas com a Lua, dela subtraiu energia para que ela, Nut, fizesse mais cinco dias, que ficaram fora do calendário, os chamados dias epagômenos.

Nut conseguiu assim dar à luz cinco filhos: Osíris, Haroeris, Seth, Isis e Nephtys. O nome desta última significa “A Senhora do Castelo”, uma divindade infernal. Unindo-se a Seth, não teve filhos.  Desejou então um filho do irmão mais velho, Osíris. Para
ANÚBIS
tanto, conseguiu embriagá-lo e do conluio amoroso que com ele manteve, sem que ele disso tivesse consciência, nasceu Anúbis, deus chacal, do mundo dos mortos. Nephtys simboliza as margens do deserto, região comumente árida, mas que pode se tornar fecunda. Quando Seth matou Osíris, ajudou Ísis a mumificá-lo, participando da cerimônia fúnebre, entoando com a irmã as lamentações de praxe.


APOPHIS
Seth, também conhecido como Apophis na sua forma dracôntica, é, como sabemos, monstruoso, lembrando o Tifon dos gregos, um agende do caos.É a seca do deserto, a negação da vida, inimigo de tudo o que é bom e justo. Haroeris significa “O Grande Hórus”. Representava, com os seus olhos, os dois luminares. Representava também a eterna oposição entre a luz e as trevas. Era o ancestral de todos os faraós. É diferente de Hórus, do mito osiriano, filho de Ísis e de Osíris, representado pelo falcão.


NUT

Nut é a deusa do espaço celeste, representando-o na forma de uma mulher que, apoiada na ponta dos dedos da mão e dos pés, forma uma curvatura com o seu corpo Seu ventre sempre estrelado, é a abóbada celeste. Uma forma pela qual Nut aparece amiúde nos mitos é a de uma vaca. O ventre de Nut confunde-se com o próprio firmamento, nele estando fixadas todas as constelações. Ela assume a condição de mãe do Sol que nasce de um lado de seu corpo e se põe no outro. Antropomorfizada, carrega na cabeça um pote enorme (hieróglifo de seu nome). Aparece como protetora dos mortos, abraçando fortemente os defuntos,  vela maternalmente as múmias.  

Ligado ao signo de Touro temos o tema do bezerro de ouro, símbolo da riqueza material, na medida em que ele foi (é) idolatrado no lugar de divindades.  Este ídolo começou a ser cultuado quando da ausência de Moisés, que subira ao Sinai para
BEZERRO   DE   OURO
receber os ensinamentos divinos. O ídolo, conforme se sabe, foi construído com os brincos de ouro das mulheres. É um símbolo da fertilidade orgiástica. Como Moisés não dera mais notícias desde que se ausentara e julgando os judeus que ele não mais desceria da montanha, o bezerro de ouro foi construído por Aarão, irmão de Moisés e de Miriam. Alegou ele, para justificar a construção do ídolo, que assim o fazia para que os israelitas não se tornassem culpados pelo pecado maior de matar seu sumo sacerdote, o que certamente fariam se ele recusasse a voltar. Aarão era sumo sacerdote, tido como uma pessoa amante da paz. Sua técnica para obter a paz era a seguinte: numa disputa, tinha a habilidade de ir alternadamente na direção do ponto de vista de ambas partes e, com uma mentira inocente, desculpava-se em nome da outra parte; quando estas se encontrassem, a disputa estaria vencida porque cada uma delas acreditaria que a outra se desculpara.


Depois de fundir o metal, Aarão se dirigiu ao povo e lhe disse que aquele bezerro era o novo deus de Israel. Nesse ínterim, Deus, no alto da montanha, ordenou a Moisés que descesse, pois exterminaria os que se prostravam diante do bezerro e que faria, com os que o seguissem, uma grande nação. Assim, o bezerro de ouro não é mais que grande tentação que tem o ser humano de divinizar os desejos materiais, o prazer sensual, a sede de acumular cegamente. 

Ainda entre os judeus não podemos esquecer a história de Jereboão, rei rebelde, que fundou o Reino do Norte de Israel. Ele introduziu o culto de dois bezerros de ouro, que erigira, para impedir que as pessoas fizessem peregrinação a Jerusalém. Foi condenado a induzir o povo a um pecado que nenhum arrependimento poderia redimir. Consta que apesar disso Deus lhe ofereceu um lugar no Jardim do Éden, por ele recusado orgulhosamente, porque lhe era negado um status mais elevado que o de David (para mais informações sobre as ligações de Israel com o Bezerro de Ouro, veja neste blog o artigo Correspondências Taurinas: Israel e o Touro).


OS  DOIS  BEZERROS DE OURO  ( ANÔNIMO , SÉC. XIV )

Ao longo dos séculos, a constelação de Touro recebeu nomes latinos como Portitor, Proditor Europae, Agenoreus, Amasius Pasiphaes. Entre os árabes, inicialmente designada pelo nome de Al Thaur, passou a Altauro e depois a Ataur. Antes da “adoção” ptolomaica, os árabes tinham a sua própria representação deste espaço celeste, formado, neste caso, por duas mansões lunares. Uma delas correspondia ao asterismo das Plêiades (Al Thuraya, o Touro) e a
AL   THURAYA 
outra ao das Híades (Al Dabaran, A Seguinte). O asterismo de Al Thuraya (Plêiades) é muito popular entre os árabes, já nomeado por um sábio (Luqman), cuja antiguidade remonta ao período em que David era rei dos judeus. Um culto especial era prestado a este asterismo (confirmado inclusive por Al Sufi, no séc.X) que, quando os augúrios eram bons, trazia chuva no seu poente heliacal. Al Thuraya chegou a ser visto pelos árabes como uma divindade da fertilidade, muito celebrada pela poesia no período de expansão do Islã.