domingo, 1 de janeiro de 2017

ARA





ARA - Também conhecida como Altar, estava esta constelação para os gregos ligada à Titanomaquia, batalha travada entre os crônidas (filhos de Cronos), também conhecidos como titãs, e os olímpicos, comandados por Zeus. Estes, vencedores, encomendaram a construção de um altar aos Cíclopes,  diante do qual confirmaram a sua união e a disposição de manter a nova ordem imposta. Depois, então, foi o altar, como constelação, colocado nos céus. 


CRONOS   MUTILA   URANO  ( G, VASARI  E  C. GHERARDI , 1560

Após a mutilação de Urano por seu filho caçula, Cronos, os titãs (Cronos seus irmãos), se apoderaram do poder, impondo um regime cruel a todo o universo. Cronos converteu-se na realidade num déspota pior que o pai. Uniu-se à sua irmã Reia, tendo tido com ela vários filhos, que devorava assim que nascidos para evitar que se transformassem em seus sucessores, pois, segundo uma sentença oracular, um deles o destronaria. Pela ordem, foram devorados Héstia, Demeter, Hera, Hades e Poseidon. 

REIA   E   CRONOS
Diante do "canibalismo" de seu esposo, bastante desanimada, quando do nascimento de seu sexto filho, Zeus,  Reia teve uma ideia: oferecer no lugar dele, para que Cronos o devorasse, uma enorme pedra, envolta em grossos panos, certa de que ele nada perceberia. O plano de Reia teve sucesso. Cronos nada notou, fixado, como sempre, na sua função de "grande devorador". 


MÉTIS
É oportuno observar que este acontecimento mítico é uma ilustração de como os gregos valorizavam o que denominaram pelo nome de métis, o procedimento de Reia. Podemos traduzir métis como astúcia, inteligência prática, avisada, solércia, o chamado pensamento "oblíquo" dos filósofos, conceito que se opõe opondo-o à violência, ao despotismo e à arbitrariedade. Os gregos, diante da força bruta que os titãs então representavam, trouxeram para o primeiro plano de sua Mitologia esse elemento, que sempre ocupou um lugar de grande importância na sua civilização. Grandes figuras do mito grego, entre deuses e heróis, destacando-se Ulisses mais que todos dentre estes últimos,  participaram de inúmeras histórias exemplares quanto ao uso da métis.

ZEUS   E   AMALTEIA
Longe do pai, em Creta, protegido por ninfas e por demônios guerreiros (Curetes), alimentado pela cabra Amalteia, Zeus, jovem, sentido-se forte, resolveu libertar os irmãos e destronar o pai. A vitória que obteve se deve mais uma vez à astúcia. Zeus recebeu um precioso auxílio de Métis, divindade que tutelava o pensar "oblíquo". Titânida, filha de Oceano e de Tétis,  Métis forneceu a Zeus uma droga, uma espécie de vomitório, graças ao qual Cronos, ingerindo-o sem o saber, foi compelido a devolver todos os filhos que engolira (Héstia, Hera, Deméter, Poseidon e Hades). Depois de vencer o pai, Zeus teve que enfrentar os seus tios, irmãos de Cronos, senhores do universo. Nova confrontação entre a força
CÍCLOPE
primitiva que estes representavam e a inteligência dos representantes da nova ordem, que Zeus e seus irmãos doravante assumiriam. O combate foi difícil, os anos se passavam e nada. Foi preciso que Zeus recorresse a novos aliados. Fez um apelo aos Hecatônquiros (os de Cem Braços) e aos Cíclopes (os de Olho Redondo), entidades uranianas, que o ajudaram então, oferecendo-lhe estes últimos armas poderosíssimas, o trovão, o relâmpago e o raio, com os quais Zeus obteve finalmente a vitória. Este episódio é conhecido pelo nome de Titanomaquia.




TITANOMAQUIA  ( PETER  PAUL  RUBENS )


Aos poucos, Zeus conseguiu impor uma nova ordem que ia se contrapondo à dos titãs, que tinha por base a violência pura. Instauram Zeus e seus irmãos, agora donos do universo, sob a supremacia do primeiro, a noção de complexidade, noção sob a qual se resolveriam doravante as relações entre os próprios deuses e entre os humanos. A esta noção de complexidade foram também incorporadas, ao lado do uso da força bruta, certas práticas de alianças e de recompensas, uma “doutrina de poder” que dará forma à ordem olímpica, a ser observada, com as inerentes limitações e imperfeições, também pelo mundo terrestre. Os gregos levarão estas noções e procedimentos como modelo às civilizações do tempo, fixando valores e métodos de governo e de relações políticas ainda hoje presentes na vida das nações.


 A   QUEDA   DOS   TITÃS  ( CORNELIS  VAN  HAARLEM )

Pouco a pouco,  no espírito grego, os titãs  passaram a simbolizar as forças brutas em ação no cosmos, voltadas exclusivamente para a satisfação dos desejos terrestres, materiais, forças sempre em oposição às de caráter evolutivo, espirituais,  que Zeus e seus irmãos representavam. Juntamente com os Cíclopes e os Hecatônquiros, os titãs se tornaram a imagem viva da movimentação e dos entrechoques cósmicos dos primeiros tempos. Eram eles as forças selvagens, indomáveis, do mundo natural então em formação. É neste sentido que os titãs aparecem como ambiciosos, presos à materialidade, adversários do espírito, que Zeus e seus irmãos, os deuses olímpicos, tentavam impor à ordem universal. 


GUERRA   DOS  TITÃS  ( CERÂMICA )

No processo da individuação do ser humano, por uma natural analogia, passaram  os titãs a representar as forças que dentro dele se opunham a qualquer impulso evolutivo no sentido de uma espiritualização harmonizante. O combate dos olímpicos contra os titãs era, nessa perspectiva, era uma ilustração do esforço evolutivo do ser humano para sair dos planos da animalidade, da vida instintiva. Zeus, nessa mesma linha de pensamento, identificou-se assim como o modelo do elã espiritual na direção da transcendência, um impulso no sentido de superação das servidões da matéria e dos sentidos.

No seu todo, os titãs aparecem como potências primordiais, imagens da forças e das energias originais, cegas no geral, que atuam grosseiramente (a castração de Urano, Cronos devorando seus filhos etc.), que é preciso saber superar, ultrapassar, seja no sentido da criação da Lei Social, a ser observada por todos, seja no sentido de uma espiritualização progressiva que vá além daquela e que transforme as  forças brutas em ação no cosmos em forças da alma. Além do mais, os titãs representam, a par de sua luta contra o espírito, encarnando as tendência à dominação, ao despotismo, ao arbítrio, uma tendência obsessiva que muitas vezes se esconde por trás de uma desmedida ambição de melhorar a vida humana só materialmente. Este impulso está hoje, no mundo moderno, como sabemos, centrado nas várias expressões do poder da tecnocracia. 

KIRON
Outra versão sobre a origem de Ara pode ser encontrada no mito grego do centauro Kiron, pelo qual tomamos conhecimento do altar que ele erigiu para sacrificar  simbolicamente o lobo, símbolo da vida instintiva. Sempre considerado por todas as tradições como um monstro devorador, o lobo é uma das imagens mais caras a antigos cultos solares. No Egito, por exemplo, sob o aspecto negativo, o lobo representava poder destruidor do Sol, este, como sabemos, um símbolo de egos poderosos nas suas expressões mais hipertrofiadas. É este aspecto perigoso que o lobo nos é apresentado em inúmeros contos e lendas nos quais personifica a ferocidade, a gula.  É neste sentido que o lobo é a imagem arquetípica da libido insaciável nos seus vários aspectos devoradores, concretizados através de comportamentos egoístas, associais, violentos, destrutivos.  

Lembremos que as constelações do Centauro, do Lobo e do Altar, todas constelações austrais, formam um conjunto que, tendo-se em vista a sua melhor compreensão, devem ser analisadas através das
LOBO
suas várias relações. O lobo, qualquer que seja o enfoque, é sempre símbolo da vida instintiva, que deve ser controlada no ser humano pela sua razão e colocada a sua energia a serviço de um desenvolvimento progressivo da vida social, coletiva. Força vital que não pode morrer, mas que deve ser corretamente orientada, o “lobo” no ser humano tem que ser sacrificado no altar, um microcosmo catalizador do sagrado. Em direção do altar devem convergir todos os gestos litúrgicos e todas as linhas do edifício social (nossa relação com o Todo) que nos cabe levantar. É o altar uma miniatura do templo e do universo, uma síntese da totalidade. É no plano terrestre o lugar onde o sagrado deve  se condensar com maior intensidade. É no altar que o profano se torna sagrado, isto é, social, na perspectiva em que colocamos aqui esse tema. Por ficar geralmente acima do que o rodeia, o altar deve simbolizar não só ascensão como um sacrifício constante que o ser humano deve fazer para melhorar socialmente tanto a sua vida como a dos outros com os quais tem que conviver.


SANCTUARIUM
O altar se confunde com o santuário, tornando-se deste modo o lugar mais sagrado do templo. Entre os romanos, designava a palavra altar o gabinete do imperador (sanctuarium). Depois, no latim eclesiástico, passou a dar nome a um lugar recôndito, protegido, para a realização de cerimônias religiosas. Entre os judeus, o altar se confunde com o tabernáculo, santuário portátil que foi erigido no deserto e que os acompanhava em suas perambulações após o êxodo. O tabernáculo representava a morada de Deus em meio à comunidade e tinha como modelo o santuário celestial. Seu traçado simbolizava a criação, a estrutura do cosmos e a história futura do povo de Israel até a idade messiânica, ideias há muito perdidas pelos detentores do poder na moderna nação israelita. 

DIONISO
Uma terceira versão grega liga a origem desta constelação ao altar do deus Dioniso. Deus da vida selvagem, da vegetação, da vida animal, da vida florescente, das mudanças cósmicas, cíclicas, sazonais, é Dioniso a energia em operação no universo. Lembra no mundo humano a pulsão fundamental de viver que não pode ser contida, que impele toda a existência a se realizar pela a ação. Nesse sentido, aponta para o irrefreado, para tudo o que escapa  do controle racional, tudo o que é insaciável, sem inibições ou limites. Enquanto Apolo representa a ordem, o racional a serviço do espiritual, Dioniso ressalta as pressões do inconsciente que empurram para o caótico, para a auto-aniquilação, para a dissolução das formas, para um sentido involutivo por trás do qual existe sempre uma ideia de verdade e de justiça, de renovação, de metamorfose. Neste sentido, é Dioniso visto como uma divindade infernal, destrutiva das formas que não sabem se renovar.   


CULTO   DIONISÍACO  ( W.A. BOUGUEREAU , 1884 )

Os cultos de Dioniso eram celebrados no alto das montanhas, nas florestas, jamais em templos, que o deus nunca os teve. Por isso, os gregos colocaram o altar de Dioniso nos céus, entre as constelações, abaixo do “pavoroso” ferrão de Escorpião. Deus da vinha, do vinho, da renovação cíclica em todos os sentidos, Dioniso se confunde, no mito, com Shiva, com Osíris e com Hades-Plutão.
RITO  DIONISÍACO  ( CAMAFEU )
Na Astrologia, “vive” no signo de Escorpião, tendo, por isso, relação com a oitava casa. Espírito da seiva e das formas que brotam, Dioniso é o princípio e mestre da fecundidade animal e humana. É, por excelência, sob o ponto de vista social, o deus da exuberância, da liberação, da supressão das interdições e das proibições, enquanto atua como divindade que leva ao consciente, numa ascensão libertadora, as representações ligadas a pulsões mantidas inconscientes. 

Neste sentido, Dioniso é o que liberta do inferno, é o deus ctônico, representando o grande esforço do ser humano para romper, com
MISTÉRIOS  DE  ELÊUSIS
violência, a barreira que o separa dos planos superiores, espirituais, da existência. É o deus, através de sua ação, o grande gerador de comportamentos que simbolizam as forças da dissolução da personalidade, num primeiro momento, levando-a a formas regressivas e primordiais, através da orgia e do êxtase (Mistérios de Elêusis), para, a partir delas, se chegar  a outras formas renovadas de vida.  

Neste sentido, Dioniso tem íntima relação com aquilo que no ser humano é chamado pela Psicanálise de libido, matriz das pulsões que devem ser levadas ao altar do deus para que aprendamos a domesticá-las, controlá-las. A libertação destas energias pode tomar
EROS  E  PSYKHE ( BOUGUEREAU )
um caminho racional-espiritualizante ou materializante, evolutivo ou involutivo. Quando estas pulsões não são controladas, quando as mudanças e as transformações não vêm, quando são retardadas, proteladas ou “esquecidas” (sublimação, na Psicanálise), Dioniso intervém com violência, destrutivamente, chegando mesmo a causar a morte das formas, sejam humanas, consideradas individualmente, ou sociais, coletivamente. Na Astrologia, como sabemos, Dioniso atua através do planete Plutão, regente do signo de Escorpião.


HERÁCLITO
( RAFAEL  DE  SANZIO )
Heráclito, pensando certamente nos ritos orgiásticos e nas práticas omofágicas do culto dionisíaco, entendeu que Dioniso e Hades eram, no fundo, o mesmo arquétipo, atuando através de máscaras diversas. O culto de Dioniso se irradia por todo o mundo grego, mediterrâneo e asiático na medida em que ele se torna condutor e salvador das almas. Seu culto se reveste de cerimônias que têm seu ponto alto numa das quatro mânticas que aparecem na mitologia grega, a mântica mistérica ou dionisíaca; a de Apolo a profética; a erótica de Eros; e a poética das Musas.  É dentro deste jogo de relações que se sincretizam que Dioniso se confunde também com figuras como a de Attis e de Adonis (Tammuz) através dos cultos orgiásticos de Cibele, a Grande Mãe frígia, e de Ishtar (Astarte entre os gregos), deusa suméria da fecundidade.


PTOLOMEU
A constelação de Ara estende-se de 10º de Sagitário a 0º de Capricórnio, nenhuma de suas estrelas apresentando interesse astrológico. Segundo Ptolomeu, a influência de Ara como um todo tem características de Vênus e de Mercúrio, o que para mim não se ajusta nem às razões mitológicas das três versões acima apontadas nem ao nome que o próprio Ptolomeu usava para designá-la, Timiaterion (O Turíbulo,  O Incensário). Vejo mais nesta constelação influências de natureza jupiteriana e marciana, o que inclusive de ajusta melhor à tradição
AL   MIJMARAH
registrada anteriormente a Ptolomeu. O incenso tem o seu simbolismo ligado ao da fumaça que, elevando-se aos céus, significava a trajetória que a alma devia seguir, fazendo o mesmo caminho ascensional das preces. Astrologicamente, como se sabe, o incenso faz parte do simbolismo do signo de Sagitário, o que me parece caracterizar melhor as influências de Ara como jupiterianas. Não foi por acaso que os astrólogos árabes chamaram esta constelação de Al Mijmarah, O Incensário. Os latinos, por sua vez, a denominaram  de Ara Centauri, de Ara Thymiamatis e Thymale, estes dois últimos nomes fazendo referência à sua origem dionisíaca. 


HIPARCO
Além do mais, Hiparco e outros nos dão a saber que Ara, desde tempos muito remotos, havia atraído a atenção popular porque a sua aparição num céu nublado servia para que se fizessem prognósticos sobre o tempo. Ara tinha especial importância para marinheiros porque costumava aparecer em meio a trovões, relâmpagos e raios, anunciando tempestades. Em alguma tradições, por isso, Ara também é conhecida pelo nome grego de Pharos, sinal luminoso, luzeiro, farol, em grego. Zeus (Júpiter), lembremos, como divindade uraniana, luminosa, manifestava-se principalmente através de fenômenos atmosféricos, de três em especial, o trovão, o relâmpago e o raio, advindo daí os seus epítetos Brontaios (Trovejante) e Astrapaios (O que lança raios). Ara, assim, no mapa, pode ser um ponto (uma região) onde Zeus (Júpiter) “fala” conosco., onde podemos ouvir a sua voz. 

Os astrólogos latinos chamaram a constelação de Ara Centauri, de Ara Thymiamatis e Thymale, estes dois últimos nomes fazendo referência à sua origem dionisíaca. Os árabes a denominaram Al Mijmarah, O Incensário.

NIETZSCHE  ( MUNCH )
Na minha opinião, um mapa que ilustra de modo muito significativo tudo o que vai acima é o de Nietzsche, que tem o signo de Sagitário interceptado no seu Ascendente, iniciado a 28º50' de Escorpião. A figura de Dioniso aparece com grande relevância na obra do filósofo alemão como possibilidade oferecida ao ser humano de aceder, a despeito das perversões e dos excessos implícitos no seu culto, a níveis superiores de existência, de modo a eliminar as barreiras que o separam de uma vida transcendente. Os astrólogos latinos chamaram a constelação de Ara Centauri, de Ara Thymiamatis e Thymale, estes dois últimos nomes fazendo referência à sua origem dionisíaca. Os árabes a denominaram Al Mijmarah, O Incensário