quarta-feira, 13 de abril de 2016

URANO (4)



HERÓDOTO


Os antigos persas conheciam também um deus celeste supremo. Segundo Heródoto, esta divindade era honrada no alto das montanhas. Seu nome se perdeu. Na sua reforma religiosa, Zaratustra a reabilitou, dando-lhe o nome, no Avesta, de Ahura-Mazda, Senhor da sabedoria e onisciente.







ZARATUSTRA
Zaratustra (Zoroastro, para os gregos) foi um reformador religioso e profeta que viveu um pouco antes da época aquemênida, sexto século aC. Vivia no que é hoje o Azerbaijão, mas teve que se exilar no Afeganistão, onde encontrou proteção. Sua reforma promoveu uma conciliação entre a religião dos antigos Magos e a dos reis. Os Magos formavam uma corporação sacerdotal de tribos medas que se dedicavam à preservação de antigos cultos arianos. Esta conciliação foi muito difícil e só teve algum sucesso depois de alguns séculos. 

A vida de Zaratustra é muito semelhante à de Buda. Diz-se que ele nasceu rindo. Aos vinte anos deixou a casa paterna à procura da verdade. Passou sete anos no fundo de uma caverna, no alto de uma montanha (Sinai). Aos trinta anos recebeu de emissários celestes (arcanjos) várias revelações. Foi tentado por um demônio, que lhe ofereceu um reino temporal. Armado de exorcismos, Zaratustra o afastou. 

A doutrina do profeta, além do seu aspecto ritual, continha conhecimentos do mundo físico, das estrelas, das pedras e do mundo vegetal, sabendo ele curar com as plantas. A proposta moral de Zaratustra consistia na busca da perfeição através de pensamentos, palavras e atos. O profeta falava do julgamento da alma depois da morte, quando os bons e os maus seriam separados.


As crenças primitivas dos persas consistiam na adoração dos elementos e dos astros, de modo especial do Sol e da Lua. Zaratustra deu ao seu povo o chamado Livro da Verdade, o Zend-Avesta, que ele dizia ter recebido por revelação, base do Mazdeísmo sistematizado e da sua doutrina, sustentado por uma visão dualista do universo.


O ser eterno, supremo, sem princípio nem fim, anterior a toda
ZERVAN  AKARENA
criação, origem de todas as coisas, foi chamado de Zervan Akarena (seu primitivo nome se perdeu). Mazda, como deus da realeza persa (aquemênidas) ofuscou todas as demais. Mazda se transformou no deus dos deuses, senhor dos céus, de todos os seus fenômenos e criador de todos os seres. Mazda era nos céus, guardadas as devidas proporções, um reflexo do que era na terra o imperador, rei dos reis, senhor de todos os povos.

A etimologia do nome Mazda é discutível. Alguns o associam à palavra sânscrita medha, sabedoria. Outros optam por mada, embriaguez, ou mastim, iluminação. O que se sabe é que ele era um deus dispensador de poderes transcendentes, levando o crente por ele beneficiado a ir além da sua personalidade, algo semelhante ao que Urano produz astrologicamente quando dignificado. 

AHURA   MAZDA
Ao nome Mazda foi incorporada a palavra ahura, passando o deus a ser conhecido como o Senhor (Ahura) da Sabedoria (Mazda). A reforma de Zaratustra purificou-o de influências naturistas. Desde então ele passou a ser conhecido como o correspondente do Varuna védico no mundo persa. Ele tem por vestimenta a abóbada celeste. É ele quem envia as chuvas fecundantes e também as tempestades para a terra. Ahura Mazda era considerado como aquele que vê longe, que espiona, que tudo conhece e aquele que não se engana. É infalível, pois sua inteligência apreende tudo. Sempre desperto, nenhum narcótico pode abatê-lo. Nenhum segredo escapa ao seu brilhante olhar. Ele garante, na sua ação comunitária, a inviolabilidade dos contratos e o respeito à palavra dada.



MITHRA

Entre os persas, na reforma de Zaratustra, foi Ahura Mazda quem criou Mithra, deus dos contratos (mithra quer dizer contrato). Aquele que os rompe atrai infelicidade para si mesmo e para tudo que está à sua volta. Além destes atributos e funções, Ahura Mazda detém a soberania, razão pela qual ele guarda as leis e pune todos os culpados. No panteão estabelecido por Zaratustra, Ahura Mazda além de “pai” de várias entidades benéficas, gerou também os gêmeos Spenta Mainyu (espírito benfeitor) e Angra Mainyu (espírito destrutivo). O que se depreende dessa concepção é que Ahura Mazda transcende todas as contradições, se situa acima do bem e do mal, que provêm dele, tornando-se o homem, conforme as circunstâncias, segundo a sua escolha, santo ou demônio, pecador ou justo quanto às suas ações. 



ANGRA   MAINYU


AHRIMAN
O onisciente Ahura Mazda teve os seus dois nomes fundidos, tornando-se Ormazd, na literatura pálavi. De outro lado, opondo-se a ele, temos Ahriman, o Pensamento Angustiado ou Negativo. Marcam eles os dois polos da existência: o primeiro significa a vida, o outro, a morte. O primeiro é a luz e a verdade, o outro significa as trevas e a mentira. Eles se definem por seu eterno e constante antagonismo. Tudo é luta entre os princípios que representam.

No mazdeísmo, Zervam Akarena, ser supremo e eterno, anterior a todos, foi assim o criador dos dois princípios antagônicos, Ahura-Mazda e Ahriman, também denominado Ayra-Lanya. O primeiro, bom e sapientíssimo, de quem procede toda a luz; o outro é a fonte de toda a maldade e corrupção. São chefes das falanges sobrenaturais que sustentam entre si constante luta em ciclos de doze mil anos. Ao final de cada um destes ciclos, o mundo físico e moral resplandecerá em pura luz e a luta entre os dois princípios terminará com a vitória do bem.

ORMAZD
Obra de Ormazd, o criador, são o céu, a luz, o fogo, os astros, os metais, a humanidade, os reinos animal e vegetal, a água. Além disso, ele é também conservador e sustentador. Às suas ordens, tem os seis Amesha Spenta, chamados Irmãos Benfeitores, que velam das alturas por toda a criação. Assemelham-se e serviram de inspiração para, no mundo judaico-cristão, se constituírem em modelos dos arcanjos bíblicos e de entidades védico-bramânicas. São gênios benéficos que formam o grupo mais chegado a Ormazd, assim descritos: 1) Bahman (Bom Propósito), divindade do firmamento, da luz e da ordem, supremamente bom e pacífico; acompanha as almas dos justos à região da bem-aventurança; 2) Ardibehechet (Retidão), nume do fogo, da pureza, da saúde e da vida em geral; 3) Shariver, preside a prosperidade e a riqueza; 4) Spendarmad (Devoção), gênio da agricultura; 5) Kordad (Saúde), rege as águas e o tempo; 6) Amurdad (Imortalidade), gênio ligado ao mundo vegetal. Abaixo dos Irmãos Imortais, fica o grupo dos Izeds, vinte e oito espíritos benfeitores e amigos do ser humano, mediadores entre este e as divindades principais que governam, em sua esfera inferior de atuação, os elementos e os dias e meses do ano. 



TEMPLO   DE   AHURA  -  MAZDA


Ahura-Mazda (Ormazd) revelou a Zaratustra que ele tinha criado o universo onde nada existia. Em oposição a este, que é a própria vida, Angra Mainyu (Ahriman) criou um outro, onde tudo é morte e no qual só há duas estações: dois meses de verão e dez meses de inverno. Tudo é tão gelado que mesmo os meses de verão são muito frios. Esta a razão porque o frio no mazdeísmo é o princípio de todo o mal, na medida em que sempre simbolizou o silêncio, a morte, a falta de amor. Lembre-se que no Inferno de Dante as grandes punições têm relação com o frio.


AHURA - MAZDA

Ahura-Mazda prosseguiu no seu discurso, dizendo que criou Gahon, o lugar mais bonito da terra, repleto de rosas, onde nascem os pássaros com plumagem de rubi. Ahriman criou por seu lado os insetos que fazem mal às plantas e aos animais. A lista da criação de um e de outro é enorme. A cada maravilha que Ahura-Mazda criava para a felicidade dos humanos, Ahriman criava o seu correspondente maligno. 

Esta relação entre Ahura Mazda e Ahriman explica porque embora o primeiro seja responsável por tudo o que há de bom no universo, as forças da destruição estão fora de seu controle, não sendo ele, a rigor, uma divindade onipotente. Só quando o bem e a harmonia triunfarem na batalha final entre as duas forças é que ele, na condição de Ormazd, se tornará então onipotente.



YAZATAS

Nesta concepção, a natureza inteira é povoada de gênios, os
FRAVACHI
Yazatas, aos quais são devidos sacrifícios. Chamam-se Fravachis os bons gênios, assumindo eles um papel parecido com os anjos da guarda (anjos custódios) do cristianismo, estes criados por inspiração daqueles. Ao nascer, cada ser humano já tem o seu Fravachi, criado por Ormazd, para acompanhá-lo. O príncipe dos demônios é, como se disse, Ahriman ou Angra Mainyu. Chamados de Devas, os demônios se dedicam a provocar a mentira e a trapaça. Sua função é a de se contrapor ao bem, em qualquer circunstância.  

Diante dos rutilantes espíritos do bem, Ahriman colocou as suas hostes sombrias e maléficas, hierarquicamente organizadas. Aos Irmãos Imortais opõem-se os príncipes que vivem em Duzerek, a morada de Ahriman, presididos por Eskem, o Demônio da Inveja. Aos Izeds se opõe a numerosa falange do Devas, tenazes e belicosos. Mithra tem o seu oposto em Darudj, inimigo feroz, que contra ele levanta o seu ódio como Ahriman o faz com relação a Ormazd. A natureza inteira aparece também dividida entre estes dois princípios: frente ao homem justo e piedoso vive o ímpio e malvado; os animais sagrados, tímidos e dóceis, têm diante de si os ferozes e predadores.

A luta entre estes dois princípios não é eterna. Ela, como se disse, ficou, por determinação de Zervan Akarena, limitada a ciclos de doze mil anos, divididos, cada um, em quatro idades de três mil anos. Na primeira, Ormazd se dedica à obra da criação enquanto seu inimigo se prepara, com infernais ardis, para corrompê-la e degradá-la. Na segunda, Ahriman sai das trevas e ataca; mas, cego pela luz pura do outro lado, cai no abismo e se desespera numa raiva impotente. Passados seis mil anos, na terceira idade, o maligno tenta de novo invadir o paraíso dos deuses (Gorotman), a mansão de Ormazd e dos Amesha Spenta. 

O homem foi criado ao final da terceira idade. Ahriman resolveu deixar os deuses de lado e se dispôs a atacar o ser humano e a criação como um todo, alvos bem mais fáceis, vingando-se assim de Ahura Mazda. Tomando a forma de uma serpente, Ahriman se escondeu na terra e atacou, alterando a organização dos elementos. Com deletérios vapores, sufocou o touro divino Abudad e se dirigiu ao paraíso em que viviam Meskia e Meskianea, o primeiro homem e a primeira mulher. Dirigindo-se a eles, declarou que, com seu enorme poder, era o criador de tudo o que existia e, dando-lhes frutas e leite de cabra, tornou-os seus seguidores. Desde aquele momento, Meskia e Meskianea perderam sua inocência, a felicidade e a imortalidade, herdando sua descendência a maldade e a corrupção. O primeiro par humano morreu, seus corpos se mesclaram à terra e suas almas foram para os céus e lá esperam o grande dia da ressurreição da carne.

A luta entre os Amesha Spenta e os Devas é incessante, renovando-se constantemente. Atualmente, segundo o Avesta, vive a
AVESTA
humanidade o final de uma terceira idade. Depois de uma batalha que durará noventa dias e noventa noites, Ahriman será vencido. O cenário, ao longo dos séculos e séculos, nos mostra que no começa das quartas idades os Devas se mostram vitoriosos, já que obtiveram obtiveram antes algumas vantagens. As almas dos mortos vagam perdidas e chorosas. Em sua perseguição se lançam então os incansáveis Devas. Os Izeds as defendem e as encaminham para a ponte Tchinevad, suspensa entre a eternidade e o mundo. Ali, Mithra tem o seu tribunal e Bahman o assessora. As almas boas e justas atravessam a ponte sem sofrer ataques do seu guardião, o pavoroso cão Sura, e chegam, conduzidas pelos Izeds, à presença de Ormazd e os Amesha Spenta, que dos seus tronos as acolhem. As almas dos malvados e dos inconstantes se tornam sempre o butim dos Devas.

No final da quarta idade, o cometa maléfico Gurker escapará da vigilância da Lua, que rege o seu curso, e deslocando-se pelo espaço se chocará com a Terra, abrasando-a. Do interior da Terra, os metais, derretidos, formarão rios ferventes. Contorcendo-se, desde as suas entranhas, nosso planeta terá então purificadas as potências do mal. Ormazd e Ahriman, afinal, se reconciliarão no seio da Unidade, criando um novo ciclo e uma nova Terra, pura, perfeita, entoando as suas criaturas cânticos de louvor à verdade e à luz. A seguir, tudo recomeçará...



GÊMEOS   DE   AHURA   MAZDA

Tudo o que sabemos de Ahura Mazda nos foi transmitido pelo que sobrou da doutrina da Zaratustra, em textos chamados gathas. As concepções  expostas nos gathas revelam que as experiências religiosas de Zaratustra admitiam o êxtase, típico dos xamãs da Ásia central, no qual era adotado o cânhamo (bhang) como agente enteógeno. Em tais experiências o corpo do xamã adormecia enquanto sua alma viajava até o paraíso (goro demana, a casa do canto).

Zaratustra recebeu a sua revelação religiosa diretamente de Ahura Mazda. Esta revelação falava de uma espécie de imitatio dei, isto é, o crente, embora permanecendo livre, deveria procurar imitar o exemplo de Ahura Mazda, que é sempre spenta (santo). Se assim o fizer, será acompanhado o crente por uma escolta de seres divinos (amesha spenta) dentre os quais destacamos Asha (Justiça), Vohu Manah (Bom Pensamento), Armaiti (Devoção) e Haurvatat (Saúde) e Ameretat (Imortalidade).

A reforma de Zaratustra possibilitou que por meio do rito (yasna) fosse possível ao oficiante participar de uma experiência extática única chamada maga através da qual era obtida a iluminação, usando-se, para tanto, uma bebida que levava na direção de deus (enteógena), de nome haoma. Zaratustra afirmava ter tido várias visões de Ahura Mazda, sempre considerado, por isso, mais que criador e juiz do homem, um amigo, um colaborador cheio de benevolência.

A reforma religiosa se Zaratustra deixou de lado uma importante divindade dos antigos persas, de características solares, Mithra, já mencionado, que tutelava o mundo animal, as boiadas, em especial. O  nome do deus, além de se ligar à designação solar, tem relação com a palavra contrato, com a ordem social, no que sugere, astrologicamente, características aquarianas. Ignorado por Zaratustra, o culto de Mithra reapareceu no período aquemênida quando passou o deus a incorporar o papel de uma divindade salvadora sob o ponto de vista escatológico. Seu culto teve grande expansão no período helenístico da história grega e, depois, durante a dominação romana. 


MAPA   ANTIGO   DE   OSTIA

Entre os romanos, o mitraísmo se tornou uma religião de mistério com sete graus de iniciação. Muito popular no império romano, do séc. II ao séc. V dC, se alastrou por extensas regiões ao longo dos rios Reno e Danúbio, sendo a cidade de Ostia, perto de Roma, um centro importante de seu culto. Lembro que pesquisas arqueológicas iniciadas no séc. XIX nessa cidade trouxeram à luz vários tesouros artísticos, destacando-se dentre eles um esplêndido altar de Mithra, o Mithraeum.  



 ROMA , IGREJA  DE  SÃO  CLEMENTE ,  ALTAR  DE  MITHRA