quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

LEPUS, LUPUS





LEPUS, A Lebre, é o nome de um conjunto de estrelas de baixa magnitude, mal percebido, que foi interpretado de diversos modos, nele sendo vistas formas muito diferentes, conforme as denominações recebidas. Na Itália, na chamada Magna Grécia, Sicília inclusive, em tempos muito remotos, devido a uma verdadeira praga de pequenos animais do gênero lepus, que lá proliferaram descontroladamente, produzindo grande devastação nas plantações, deu-se o nome de Leporis a esse conjunto de estrelas situado perto das constelações de Orion e do Cão Maior. Dizia-se mais que os coelhos tinham ido para os céus para ficar perto de Orion, grande caçador. Levipes, Velox, Auritus eram, dentre outros, adjetivos que os latinos daqueles tempos usaram para designar tal constelação.

Os árabes viram nesta constelação, principalmente devido a quatro de suas estrelas mais próximas da Via Láctea, camelos sedentos. Deram-lhe, por isso, o nome de Al Nihal, que pode ser traduzido, mais ou menos, como Os ondulantes e sedentos camelos. Para os
SANTO   AGOSTINHO
( PHILLIPE  DE  CHAMPAGNE )
árabes, o camelo é símbolo da sobriedade, da moderação, da paciência, da rapidez e da adaptação, por isso a sua adoção, principalmente, pelos beduínos. É por estas e outras razões, por exemplo, que o norte-africano Santo Agostinho usou o animal para simbolizar a humildade do cristão que suportava as adversidades da vida sem se queixar. Todavia, devido à sua atitude altaneira, tornou-se também o camelo em algumas tradições carólicas símbolo da pretensão, da arrogância e do orgulho.

GRAVURA  DE  PHILLIP  GALL
Muito usado pelos árabes, o camelo, seja o dromedário (uma corcova) ou o bactriano (duas corcovas), era considerado, entre os judeus, como está no Levítico, um animal impuro. Sua carne e seu leite não são kosher. Muito usado pelos árabes, Maomé o admitiu em seu paraíso. Em muitas regiões do mundo árabe, diz-se que, antes dos homens, o camelo é capaz de perceber o aparecimento das Plêiades nos céus, estirando-se na direção delas, voltando-se para esse asterismo que indica sempre um caminho livre de perigos. A Idade Média cristã fará do animal um símbolo do discernimento (discretio), por recusar o transporte de cargas que sabe não poder suportar. Por sua facilidade em se ajoelhar, o camelo será ainda considerado um símbolo da obediência.   


DROMEDÁRIOS
Qualquer que seja a sua valorização simbólica, o camelo é, antes de tudo, um animal que ajuda na travessia dos desertos; graças a ele é possível chegar a um centro, a um oásis, a um paraíso. Sem ele, impossível Neste sentido, ele é o companheiro fiel do homem na sua caminhada, capaz de levá-lo sempre a lugares seguros. As ressonâncias astrológicas ficam aqui evidentes se atentarmos para o fato de a constelação Al Nihal sensibilizar uma região celeste zodiacal entre Gêmeos e Câncer, fazendo, portanto, a ligação entre a terceira e a quarta casas astrológicas.

A mesma ideia de travessia está presente na leitura que os egípcios fizeram de Lepus, vendo-a como um barco. Eles valorizam este agrupamento de estrelas como o barco de Osíris, divindade
BARCO   DE   OSIRIS
sempre associado à constelação de Orion. No Egito, como sabemos, as divindades tinham embarcações através das quais se deslocavam de uma cidade para outra, ao longo do rio Nilo, como deuses-visitantes, em concorridas procissões. Osíris foi inicialmente uma divindade da vegetação, ou melhor, do poder da sua imperecível energia. Depois, passou a ser identificado como o Sol no seu duplo aspecto, diurno e noturno, representando a continuidade dos nascimentos e dos renascimentos. Neste papel, se confunde Osíris com a atividade vital universal, terrestre ou celeste. A barca de Osíris era a barca que o Sol tomava para fazer a sua viagem noturna, quando ao findar o dia mergulhava no oceano. 

Entre os hindus, desde os tempos védicos, esta constelação sempre teve relação com a Lua, chamada de Sasi ou Sasin, quando cheia, e nela aparecem  manchas com a forma de uma lebre. No Budismo, segundo uma lenda, a lebre é um símbolo da compaixão. Consta que uma lebre, ao presenciar as mortificações a que se submetia Sidarta Gautama para obter a iluminação, atirou-se, cheia de compaixão, ao fogo, para alimentá-lo com a sua carne. Esta versão está também descrita no mundo védico, na história do coelho da compaixão que não tendo outro alimento para dar a um mendigo, na realidade o deus Indra, atirou-se ao fogo para que ele se alimentasse da sua carne. 

Entre os antigos chineses e astecas, a mesma leitura, ligando a lebre e a Lua. A lebre é um animal lunar porque dorme durante o dia e perambula à noite; porque sabe aparecer e desaparecer
LAPIN   LUNAIRE
silenciosamente; porque é tão prolífico que passou a simbolizar a fertilidade; e porque é extremamente rápido ao se deslocar, como a Lua, que percorre as doze constelações do zodíaco em menos de um mês. Na Idade Média, segundo as lendas populares e o folclore, afirmava-se que a lebre se mantinha alerta o tempo todo, jamais fechando os olhos, sendo por isso considerada como causadora de insônia. 

Na Mitologia grega, a lebre era um dos animais preferidos de

Afrodite enquanto símbolo da fertilidade. Segundo Plínio, o grande naturalista romano, séc. I dC, a carne de lebre tornava fecundas as mulheres estéreis e os testículos dos machos, consumidos, favoreciam a concepção. O mago Apolônio de Tiana (séc. I dC) recomendava que para facilitar os partos alguém da família levasse uma lebre ao colo e com ela desse três voltas em torno do leito da parturiente. 

Uma das versões gregas sobre a origem de Lepus prende-se a uma história que se contava na ilha de Leros, uma das Sporades (As Dispersas), arquipélago  do mar Egeu. Diz a lenda que um jovem habitante da ilha sempre desejara ter uma criação desses pequenos animais, inexistentes nas ilhas. Um dia, indo ao continente, conseguiu um casal e o trouxe para a sua ilha. Com o tempo, os coelhos proliferaram de tal maneira que acabaram devorando as colheitas. Os habitantes da ilha, em decisão unânime, resolveram dar fim aos animais, livrando a ilha dessa verdadeira praga. Para que a história se perpetuasse exemplarmente na memórias de todos, os habitantes da ilha deram o nome de Lagos (lebre) ao conjunto de estrelas que ficava perto de Orion e do Cão Maior.

Tudo que lembra exuberância, multiplicidade, desperdício, desmedida, luxúria, desvio da normalidade. incontinência tem relação com a lebre enquanto ela toma, como símbolo, a via da esquerda. É a partir deste enfoque que pode ser estabelecida, para fins mito-astrológicos, uma relação entre a lebre e o complexo
MERCÚRIO
( G.B.TIEPOLO , 1696 - 1770 ) 
Hermes-Mercúrio. Em muitas tradições, tanto europeias como nas de muitas tribos indígenas do norte das Américas, a lebre representa alguns de seus heróis culturais. A explicação para este fato está na grande capacidade que ela demonstra para escapar de situações perigosas e de animais bem maiores que a atacam. Extremamente hábil, veloz e inteligente, a lebre encarna nessas tradições aquilo que os ingleses chamam de trickster, tricheur, em francês, isto é, aquele que por meio de vários artifícios,
JUNG
fraudulentos ou não, por esperteza, por estratagemas, por subterfúgios, criando ilusões, apresentando o falso como o verdadeiro, consegue não só levar vantagens como se safar sempre. Jung nos diz que o trickster é um personagem no qual os apetites físicos dominam sua conduta, sendo ele no geral, cínico, cruel e insensível.

Por ser um símbolo da fertilidade, a lebre sempre foi muito relacionada com a mulher. Na antiga China e em outras tradições encontramos antigas crenças sobre fendas lábio-palatinas: se uma mulher grávida recebesse diretamente sobre o seu ventre raios lunares seu filho nasceria com o “lábio de lebre”, leporino. As forças da abundância e da multiplicidade que a lebre representava nas antigas culturas eram, de um modo geral, sempre perigosas na medida em que iam no sentido contrário da união e da organização.
LEVÍTICO
Estas forças foram aos poucos sendo controladas e contidas na história dos povos. É por esta razão que os judeus (Levítico e Deuteronômio), quando se constituíram como nação, proibiram o consumo da carne da lebre, um animal impuro para eles. Este mesmo raciocínio pode ser trazido para a vida do ser humano. Se na infância (vida animista) as forças lunares (a lebre) são úteis, protetoras, a partir da puberdade tais forças devem ser contidas e canalizadas adequadamente, pois do contrário jamais será atingida a “idade da razão” (5ª casa), a criação de um ego autônomo. 

No mundo cristão, a lebre, por apresentar uma grande disposição para o acasalamento, tornou-se um símbolo da luxúria. Foi por esta razão que em muitas imagens medievais encontramos a lebre deitada sob os pés da Virgem Maria para se sinalizar o controle da "tentação da carne". Esta associação da lebre não só com  a luxúria, mas também com relação à fertilidade das mulheres, e, por extensão, aos ciclos menstruais, pode ser encontrada em tradições
FERTILIDADE
como a africana, a  ameríndia, a celta, a teutônica, a escandinava e muitas outras. Antigas associações da lebre com a fertilidade e a regeneração subjazem, por exemplo, no simbolismo do coelho da Páscoa. Devido à sua prolífica procriação, os coelhos e lebres eram usados na magia simpática, como vimos, nos partos e para cura de esterilidade. Uma pata da ágil lebre, nessa magia, também é sempre boa para gota ou reumatismo. 

Os povos anglo-saxões e do centro da Europa associavam os
EOSTRE   
conceitos de fertilidade e de regeneração à deusa Eostre ou Ostara, celebrando-se seu culto na primavera, dele fazendo parte simbolicamente coelhos e ovos coloridos. É desse culto que provém a palavra inglesa easter para dar nome ao ovo de Páscoa, easter egg. Estas celebrações, como se sabe, foram absorvidas pela tradição católica, que delas afastou a tutela de Eostre, palavra que lembra Sol nascente. Mantemos, hoje, nas nossas festas de Páscoa, totalmente comercializadas,
OVOS   DE   PÁSCOA   RUSSOS
ignorando o que coelhos e os ovos significavam naquele desaparecido mundo. Certamente, quem perdeu com essa absorção fomos nós. A bela Eostre era a deusa do equinócio da primavera e, como tal, da fertilidade. da luz, da juventude e dos cíclicos da natureza que sempre se renovavam. 

   
Positivamente, a lebre deve iluminar a “gente da Lua” na Terra,  os cancerianos pelo Sol ou pelo ascendente e os que têm a Lua em posição de destaque nos seus mapas astrais. Ao lado do carneiro (signo de Áries), essencialmente propícia, a lebre preside também o despertar da natureza, razão pela qual na Páscoa ela trazia o ovo da primavera que, ao despontar, prometia o alimento novo depois das agruras hibernais terem exigido  do homem a busca do seu sustento numa terra ingrata. 



A constelação de Lepus estende-se de 4º de Gêmeos a 3º de Câncer. Segundo Ptolomeu, sua influência é de natureza saturnina e mercuriana, proporcionando presença de espírito, timidez, rebeldia e fecundidade. A tradição astrológica não dá importâncias às estrelas de Lepus. Duas delas têm apenas registro: Arneb e Nihal. 

O que se pode constatar, contudo, para fins astrológicos, é que Lepus cobre praticamente todo o signo de Gêmeos, um signo
ILUMINURA   MEDIEVAL
tradicionalmente ligado à multiplicidade, à dispersão, à inconstância, à curiosidade, à ambivalência, à vigilância (para os egípcios, as lebres  dormiam de olhos abertos), características muito ligadas ao animal como símbolo. Em muitas histórias, por essa razão, como se expôs, ela aparece como sinônimo da esperteza, da trapaça, da finta (ação que visa enganar ou ludibriar) e também, às vezes, da timidez e da covardia. Lembremos que em muitas tradições, a covardia estava ligada a um exagerado consumo da carne do animal.

DAME  À  LA  LICORNE
( TAPEÇARIA  MEDIEVAL )
Além do mais, a lebre sempre apareceu, principalmente entre os romanos, associada à lascívia e à  imoralidade, pois ela mantém relações sexuais abertamente, escandalosamente. Neste sentido é que já na antiga Grécia a lebre era um animal sagrado associados a divindades que lembram fertilidade, como, além de Afrodite, Hécate, e, sobretudo,o deus Eros, o Cupido dos romanos.

Em latim, coelho é cuniculus, palavra que significa também cavidade profunda, canal, mina (órgão sexual feminino). Esta palavra tem dentro dela cunnus, vulva, partes pudendas da mulher, cona, em português. É neste contexto que entra o deus Eros, cunhando-se a palavra cunilíngua, o ato de buscar ou dar prazer sexual com a boca e a língua na vulva da mulher. Lembremos que a língua, além de sugerir eloquência e persuasão, associa-se ao elemento fogo (chama, flama) pela sua forma e mobilidade, lembrando a atividade fálica, além de sugerir também, como elemento imprescindível para a articulação de sons, que pode se tornar uma arma poderosa, destruidora (língua viperina).


JOIA   COM   LEBRE    E   LUA  
Ao cobrir a constelação da Lebre praticamente todo o signo de Gêmeos, como se viu, serão trazidas para a área (casa ou casas) do tema astrológico que se considerar, muito mais do que saturninas e mercurianas, me parece, influências de natureza mercurianas e lunares. Não nos esqueçamos que a lebre e a Lua se identificam em muitas culturas, sendo mesmo o animal considerado uma cratofania lunar. Desde a noite dos tempos, a imaginação humana povoa a Lua. Vi na Lua três coelhinhos... é uma canção infantil cantada na França. Há uma série de lendas em todos os países que mostram a Lua habitada por coelhos ou lebres. 

Uma dessas lendas nos conta que a Lua encarregou um piolho de anunciar aos homens que eles teriam um destino semelhante ao seu e que morreriam para reviver. Pelo caminho, o piolho encontrou uma lebre que declarou ser mais veloz e que levaria mais depressa a mensagem aos homens. Mas, segundo a lenda, as lebres perdem a memória quando correm e ela então se enganou: disse então aos homens, simplesmente, que, como a Lua, eles minguariam e morreriam. A Lua ficou muito contrariada com a deturpação de sua mensagem. Brandiu um pedaço de pau e atingiu a lebre no lábio. Desde então, o lábio da lebre é fendido.


Qualquer que seja a tradição e o enfoque, o que fica é que todas as tradições, sem exceção, sempre reconheceram a lebre nas manchas da Lua. Ela age nela como força prolífica. Por isso, a lebre figura como antepassado original de muitas dinastias asiáticas. Aparece como a intermediária entre a progenitura humana e a sequência posterior. Simbolicamente, ela assinala a eficácia da herança na educação e no ensinamento iniciático. Daí, a grande importância do encadeamento que a lebre representa em processos iniciáticos no oriente, na medida em que lembra, pelo seu movimento, uma incessante continuidade, sempre necessária a uma transmissão ininterrupta dos conhecimentos passados.  





LUPUS – Esta constelação forma, como se viu, com Ara e Centaurus um conjunto, que, dessa forma, deve ser considerado. É o Centauro que leva o Lobo ao Altar para o sacrifício. Os antigos (Aratus) chamavam esta constelação de A Besta ou, simplesmente, O Animal Selvagem. 


O   CHAPEUZINHO   VERMELHO
( GUSTAVE   DORÉ )
O simbolismo do lobo, como ocorre normalmente com muitos símbolos, é ambíguo, inconsistente, mutável. Por vezes, o animal aparece associado à crueldade, à astúcia, à ganância; noutras ocasiões representa a divindade, a coragem, o zelo alimentador. Nas sociedades pastorícias do Médio Oriente, bem como nas regiões densamente arborizadas e povoadas da Europa, o lobo é uma criatura predadora célebre. Em várias tradições folclóricas, o lobo mau é um símbolo voraz e sexualmente ativo. As histórias de bruxas que se transformam em lobas e de homens em lobisomens nos falam do medo da possessão demoníaca, da violência masculina e do sadismo. 

Perigoso para os humanos e para os animais, de impossível domesticação, ele é considerado um dos grandes “inimigos” do homem, na medida em que passou a simbolizar as forças da vida instintiva que se apõem à vida racional. Como já vimos, o lobo faz parte de uma galeria de animais que se caracteriza pela sua voracidade, neles se destacando, pela desproporção com relação ao corpo, a sua bocarra e a sua goela. 

ROMULUS   E   REMUS  ( PETER  PAUL  RUBENS , 1615 )

Antes de inspirar o terror e de se tornar demoníaco na Idade Média, o lobo, temido por sua selvageria, mas admirado por sua força e por sua astúcia, desempenhou um papel importante em muitas passagens mitológicas. Os antigos romanos o consagraram ao deus Marte, deus da guerra, tornando-o um dos emblemas de suas legiões. Foi uma loba que alimentou os gêmeos Rômulo e Remo, fundadores míticos da cidade eterna. 


VISTA  GERAL  DE  WALHALLA
( E.E. MORRIS , 1889 )
Na antiga Germania, onde os guerreiros se alimentavam de carne de lobo para adquirir as suas qualidades (força, rapidez, obstinação), o animal foi igualmente um atributo de deuses guerreiros, de Odin especialmente. Um dos frontões do Walhalla, o palácio dos deuses, lugar de retiro dos guerreiros mortos depois das batalhas, tinha a guarnecê-lo uma enorme cabeça de lobo. Segundo a mitologia escandinava, ao final dos tempos será travada uma grande batalha entre os deuses e os monstros demoníacos, dentre os quais vários
FENRIR   APUNHALADO
( COLLINGWOOD, 1908 )
lobos, que se lançarão contra o Sol e a Lua para devorá-los. Esses lobos nasceram da união de uma feiticeira com grande lobo Fenrir. Este último, aprisionado pelos deuses, que lhe atravessarão a garganta com uma espada, conseguirá no final dos tempos se libertar, para dar início à batalha que provocará a destruição final do universo (Ragnarok). A libertação de Fenrir será anunciada por tremores de terra; da sua bocarra sairão enormes labaredas. Ele engolirá então o deus Odin e o seu cavalo maravilhoso, Sleipnir, mas será morto pelo deus Vidar, o Silencioso, que esmagará as suas mandíbulas. Ao final, deuses e monstros, todos perecerão numa catástrofe total para que para que o universo se renove. 

UPUAUT
Pelo fato de ter um olhar que atravessa as trevas e porque se põe a caçar antes do Sol nascer, o lobo foi levado pelos egípcios para os seus cultos solares com o nome de Upuaut, divinizado. Os gregos o ligaram a Apolo, deus solar, chamando o deus de Licógenes (nascido da loba), porque sua mãe, Leto, se transformou em loba para fugir do furor erótico de Zeus.  


GRAVURA  SÉC. XVIII
Na Idade Média, no ocidente cristão, o lobo, feroz, indomável, carnívoro, propagador da raiva, e que redobrava a sua atividade quando das pestes que dizimavam as comunidades ou quando de invernos muito rigorosos e de guerras, transformava-se num dos piores inimigos do homem e dos outros animais, especialmente do cordeiro, símbolo de Cristo. Era o animal mais temido, fato que levou os demonólogos a considerá-lo como sinônimo de selvageria e de crueldade. 

A loba, desde Roma, passou a representar a depravação, a impudicícia e também a fecundidade promíscua. Daí, por exemplo, o nome de lupanar dado a prostíbulos, desde a antiguidade. Este aspecto toma uma feição infernal, diabólica, razão pela qual o Diabo, dentre as formas animais que toma para participar do Sabat, prefere a do lobo para presidir a cerimônia. As encruzilhadas são os lugares particularmente preferidos para o Diabo aparecer na sua forma lupina. Famosa na França por isso a encruzilhada que tem o nome de Marlou (Marelou, Mauvaise Loup). 


Mesmo que não seja o próprio Diabo, o lobo de qualquer modo sempre foi considerado como um dos grandes representantes do Mal. Um famoso texto medieval, Roman de Renart (sécs. XI e XIII), traduzindo um entendimento cristão muito arraigado de ódio à mulher, a quem se atribui a expulsão do Paraíso, fará do animal uma criatura de  Eva, enquanto os animais úteis e pacíficos serão tidos como criaturas de Adão.

LOBO   DEVORADOR
( MICHEL  MAIER , 1618 )
O simbolismo do lobo aparece desde à pré-história ligado a um aspecto devorador, que se explica pelas suas desproporcionais bocarra e goela com relação ao corpo. Por isso, o animal, como outros que têm as mesmas características, como já salientamos (crocodilo, baleia, hipopótamo, jaguar etc.), constituem  uma analogia viva ao lembrar o fenômeno da alternância dos dias e das noites, da vida e da morte (o Sol sempre devorado pela noite e o seu reaparecimento matinal). Por essa mesma razão, ritos iniciáticos usam a imagem do animal para representar processos de renascimento. Entrar no ventre dessas criaturas é morrer, sair dele é renascer.

PARACELSO ,  OPERA   OMNIA
Na Alquimia, lembremos, o lobo é o antimônio, chamado de lupus metallorum, que devora o ouro para depois “resgatá-lo”, isto é, para purificá-lo. O antimônio, conhecido também pelo nome de “lobo cinzento”, era na Grande Obra considerado um metal-solar, pois “limpava a alma da escuridão horrível e acendia uma luz para a verdadeira compreensão”. Desde Paracelso, sabe-se que o espírito opera muito bem alinhado nas pessoas-antimônio, sendo o metal usado para exemplificar a máxima mens sana in corpore sano. O alquimista Fulcanelli o chamava de o “metal dos sábios”.


CAMINHO  TRIUNFAL  DO  ANTIMÔNIO
( BASÍLIO  VALENTIM  ,  1642 )
Na arte alquímica de laboratório, ele representava a última etapa da transformação do chumbo em ouro, isto é, a passagem do inferior ao superior. Na medicina, na dose certa, pode trazer o impulso necessário para a conquista do eu superior; na dose errada, fracasso irremediável, total. Já na antiguidade, o antimônio era usado para o restabelecimento da cooperação entre o corpo e a mente. A palavra antimônio vem do grego, anti, contra, e monos, só, único. Lembremos que monge vem também de monos, monakhos solitário, isolado, único. 

O antimônio atrai harmoniosamente todas as energias cósmicas e as une de modo a fazer com que as pessoas que recebem o metal nas
ANTIMÔNIO ( SÉC. XVII )
doses adequadas saibam dar e receber de modo equilibrado. Os antigos egípcios, sumérios e gregos usavam o antimônio para fazer taças para beber e para preparar cosméticos para os olhos. Como remédio era ainda usado para os males da garganta, dos órgãos genitais e dos olhos em geral (três áreas em que Vênus, astrologicamente, tem grande influência), assim como para a melancolia. Por sua ação anti-saturnina, era especialmente indicado para as pessoas que têm dificuldades com relacionamentos (tristes, taciturnos, macambúzios, solitários, esquizofrênicos). 

Os árabes chamavam Lupus de Al Fahd (Animal), que tanto podia significar leopardo ou pantera. Já os gregos o designavam genericamente pelo nome de Therion (Animal), sem precisar seu tipo, enquanto os latinos o faziam pelos nomes de Bestia Centauri
ZEUS  TRANSFORMA  LICAON    EM  LOBO
( HENDRICK   GOLTIZIUS )
ou Victima Centauri. Uma versão grega, por outro lado, nos diz que Lupus tem relação com o mito de Licaon. Este personagem era filho de Pelasgo, um dos primeiros habitantes e rei da Arcádia, e de uma oceânida. Tanto o pai como o filho, segundo a história, eram ímpios consumados. Diz-se que o próprio Zeus, certa vez, resolveu tirar a limpo essa questão. Disfarçou-se de camponês e se apresentou no palácio de Pelasgo e de seus filhos pedindo hospitalidade. Pelasgo o acolheu, mas desejando se certificar da identidade do peregrino, ofereceu-lhe um banquete, nele servindo como iguaria as carnes de um de seus filhos (Nictimo), que matara. Enraivecido, Zeus derrubou a mesa, as iguarias e fulminou o rei. Nictimo foi salvo pela intervenção da Mãe Geia e Licaon foi transformado em lobo. Esta história serve de fundamento para um costume dos povos da Arcádia, o de se sacrificar vítimas humanas a Zeus Lício (Lobo), sendo delas retiradas as entranhas que eram consumidas pelos sacrificantes. O caso de Licaon teria sido, assim, levado para os céus para dar nome ao conjunto de estrelas que fica ao sul de Escorpião e ao fim da Hydra.

SIGISMUNDO (PISANELLO)
Objeto do folclore e modernamente do cinema fantástico, o tema da licantropia, transformação do ser humano em lobo (lobisomem) se propagou. Em todas as tradições esse tema é encontrado. Durante a Idade Média, a existência do lobisomem era indiscutível. O imperador germânico Sigismundo, no século XV, reuniu autoridades sobre a matéria para discutir a licantropia; a conclusão dos debates foi a de que ela deveria ser admitida. A transformação do homem em lobo poderia ser obtida por feiticeiros através do Diabo ou por eles mesmos, graças a um unguento mágico que passavam sobre o corpo. Outros homens se transformavam em lobo devido a um castigo divino. A transformação, qualquer que fosse a sua origem, acontecia sempre nas noites de Lua cheia. Os lobisomens erravam pelos campos e vilas, iam a cemitérios, uivavam. Pela madrugada, antes do Sol nascer, retomavam a forma humana. 


LICANTROPIA   NA  LITERATURA  INFANTIL
A licantropia está atestada desde a pré-história. Na antiguidade greco-latina, vemos o tema aparecer, por exemplo, na história de Mormólice (mormo, murmurar, sussurrar, e lyke, uma espécie de demônio feminino na forma de loba), um gênio infernal que assustava as crianças em histórias infantis. No mito grego, era a ama do rio infernal Aqueronte. Entre os etruscos, as divindades da morte tinham orelhas de lobo. Lembremos que entre os egípcios Osíris, ao ressuscitar, veio sob a forma de um lobo, para ajudar sua irmã e mulher Ísis vencer o demônio Seth, também seu irmão. Entre os gregos, como está acima, o tema da licantropia tem relação com a história de Licaon. Uma das formas adotadas por Zeus era a lupina (Zeus Lykaios), a ele se imolando, em sacrifício, seres humanos, nos tempos em que reinava a magia agrícola, com a finalidade de se pôr fim às secas e a outros fenômenos naturais que assolavam os campos. 

NICOLAS   MALEBRANCHE
Foi no século XVII, sob o reinado de Luis XIV, que a licantropia começou a ser questionada. Malebranche escreveu em 1.674: O mais estranho efeito da imaginação é a descontrolada crença  na aparição de espíritos, de sortilégios, de lobisomens e tudo o mais que se acredite depender de um poder demoníaco. (Do texto Em Busca da Verdade). No século XIX, os médicos consideravam a licantropia como uma doença mental. Admitia-se e se admite até hoje que o lobisomem  era um doente, um criminoso sádico, de classe social inferior, que muitas vezes matava para alimentar a si mesmo e à sua família. Há uma doença mental que tem em língua francesa o nome de lypomanie que leva os que a têm a se sentirem como lobos ou cães (cynanthropie): os que se acreditam transformados em bois são vítimas da bousanthropie. Os produtos (unguentos) que certas criaturas usavam para se transformar em lobos, descobriu-se mais tarde, eram poderosos alucinógenos que as induziam às visões de todas as suas aventuras noturnas.

Por analogia etimológica, a palavra lobo (lykos) identifica-se com a luz da alvorada (lyke), entre os gregos, a claridade que precede a iluminação.  Daí a tradição segundo a qual Apolo regressava a cada ano do seu retiro hiperbóreo, lugar da eterna primavera, situado para além da geada, portador da luz regeneradora. A área em redor do templo ateniense de Apolo chamava-se lykaion (pele de lobo). O
APOLO
Apolo gaulês chamava-se Belen, de bleiz (lobo) e de loqui (palavra latina “falar”, enquanto  dom da eloquência emana de Apolo). A palavra ciciar (bleser) assinala o jogo cambiante entre a claridade e a obscuridade da elocução. Por isso, o deus Apolo era chamado de “oblíquo”, devido à ambiguidade dos seus oráculos. O sentido trágico da luz, a aptidão para romper as trevas, é o dom da perspicácia atribuído ao lobo.

LUPUS
Lupus estende-se de 15ª de Escorpião a 7º de Sagitário. Ptolomeu viu influências saturninas e marcianas (estas parcialmente) em Lupus: comportamento agressivo, traiçoeiro, prudente, desejo de conhecimentos, atitudes apaixonadas. Não há estudos sobre as estrelas desta constelação. Os únicos registros que temos sobre elas nos vêm da China. A mais importante chama-se Yang Mun (Men, no ocidente); a segunda em importância é Ke Kwan.


CHAPEUZINHO  VERMELHO
( PAUL  MENERHEIM )
Temas folclóricos como o do Chapeuzinho Vermelho e do lobisomem como temos estes últimos em Portugal e no Brasil poderão ser estudados para nos ajudar a ampliar a abordagem astrológica. Um dos aspectos mais perigosos posto em evidências por lendas e contos é o do sedutor masculino, o tentador hipócrita, inescrupuloso. Neste aspecto, ele é uma imagem da libido descontrolada, da qual faz parte a avidez oral. Como a serpente e o urso, o lobo simboliza a sombra, o inconsciente da personalidade do homem, do qual podem emergir perigosas energias.

Dentre mapas úteis para o estudo de Lupus, sugerimos o de

J.B. AURIVILLY 
Friedrich Nietzsche, lembrando que o filósofo alemão é um dos grandes estudiosos da besta que há no ser humano (O homem é uma ponte entre a besta e o super-homem). Na literatura, por exemplo, outro tema muito significativo é o do escritor francês Jules Barbey d´Aurevilly, editado no Brasil (As Diabólicas). Quanto a filmes,  se formos ao tema da licantropia, encontramos bom material nos mapas dos atores que neles atuaram.