sábado, 3 de dezembro de 2016

DRACO, URSA MINOR

                                    


CONSTELAÇÕES   DO  DRAGÃO  E  DA  URSA  MENOR

DRACO é uma constelação conhecida desde tempos pré-históricos, ora representada por um dragão, ora por uma serpente. O visual do monstro, conforme a cultura e o período histórico, incorporava à sua forma réptil pernas, asas de morcego, escamas, garras, cauda bífida etc. Sempre agressivo, perigoso, o monstro, em países ou regiões onde há animais muito grandes (crocodilos, serpentes como a anaconda  e a sucuri), incorpora muitos dos traços desses animais, quando não os reproduz totalmente. A presença desses seres dracônticos nos mitos, lendas e contos é atribuída por muitos a vagas lembranças que o ser humano conserva de períodos muito recuados da sua história, tudo muitas vezes colorido com os exageros que ficam por conta da imaginação.

Etimologicamente, a palavra dragão (drakon, o macho, e drakaina, a fêmea, em grego) vem do verbo derkomai, que significa “olhar fixamente”, aqui no sentido de um olhar devolvido e também de um olhar penetrante. Os judeus lhe dão o nome de tannin, grande serpente, cuja origem está ligada ao chacal (tan), animal necrófago. Em qualquer tradição, o dragão aparece invariavelmente ligado a funções de vigilância devido à sua capacidade de ver tudo, de nada lhe escapar. 



APOPHIS

Os cenários dos quais os dragões fazem parte se ligam a períodos em que a ordem cósmica estava em vias de se constituir, períodos em que eles representam o comando das forças regressivas que vão se opor às forças evolutivas. Nesta perspectiva, o dragão é um agente do caos. Neste papel encontramos, por exemplo, entre os egípcios, o monstro Apophis, que simboliza a esterilidade, por oposição aos deuses Osíris e Ísis, que representam a fertilidade do rio Nilo.


ZEUS   E   TIFON

Na Grécia, as forças da destruição da ordem cósmica serão representadas por Tifon, o maior dos monstros da mitologia grega, filho de Geia e do Tártaro. Os caldeus viram estas forças simbolizadas pela figura de Tiamat, monstruosa personificação feminina do mar, que deu nascimento ao mundo, É representada como uma força cega do caos primitivo contra a qual entram em luta os deuses inteligentes e organizadores, representados por Marduk. 


TIAMAT   E   MARDUK

Os dragões encarnam sempre o mal maior que os seres humanos têm que vencer quando se dispõem a buscar o bem. Se o dragão aparece, por exemplo, em cenários que lembram, esterilidade, seca ou gelo, o tesouro será então a fertilidade, muitas vezes representada por uma princesa, por uma heroína. Se, por outro lado, o ser humano pensa na vida subconsciente e nos seus monstros, o herói que deve enfrentá-lo é a Razão que tem por missão a restauração da integridade psíquica.

Nos mitos de criação, dragões são criaturas violentas e agressivas, como dissemos, que devem ser vencidas pelos deuses, uma ilustração da eterna luta entre as forças da luz e as forças das trevas. Mais tarde, a tarefa de lutar contra os dragões foi passada para os heróis ou ancestrais de antigas linhagens, no seu papel de agentes da ordem. Nas lendas e contos, a morte do dragão é frequentemente um teste que se oferece ao herói; se ele vence, entrará na posse de
  MIGUEL  VENCENDO  LÚCIFER
GUIDO  RENI ( 1635 )
um tesouro ou libertará uma princesa. Fácil é depreender de tudo isto que o dragão é um símbolo do elemento bestial que há em todo ser humano, elemento que deve ser derrotado com firmeza e determinação. No judaísmo, o dragão personifica o elemento diabólico, o componente luciferiano que o arcanjo Miguel derrotou. Miguel (mi, quem?, ka, como, El, Elohim,  em hebraico, ou seja, aquele que é como Deus), como sabemos, é  arcanjo da mais alta hierarquia. Seu inimigo é Samael, um anjo caído que lidera as forças do mal do Sitra Achra. 

No extremo-oriente, a visão do dragão é outra, bem diferente. Ele é considerado como portador da felicidade, sendo capaz de produzir a poção que dá a imortalidade. Na China, ele representa o yang, uma das imagens da dualidade cósmica no seu aspecto masculino, positivo, ligado aos céus, à luz, ao calor, ao sul, ao imperador. Tem a ver com procriação, fertilidade, atividade, sendo seu desenho usado frequentemente na decoração para desviar ou afastar os maus espíritos. As figuras do dragão faziam parte da indumentária de aristocratas (os famosos brocados chineses), sendo regulamentado o seu uso. Os dragões trazem raios e chuvas, realizando-se para tanto os seus festivais. No Japão, encontramos a figura do dragão associada, como divindade, à produção de chuvas. 



AS   HESPÉRIDES   ( ALBERT  HERTER )

Entre os gregos, a origem desta constelação, Draco, está relacionado com três mitos. No primeiro, temos a história do dragão que guardava os pomos de ouro num jardim que ficava no extremo-ocidente. Nesse jardim viviam as ninfas do poente, as Hespérides, filhas de Nix, a deusa da Noite, Egle (a brilhante), Eritia (a vermelha) e Hesperaretusa (a do poente). Nesse jardim também vivia o titã Atlas, que, punido por Zeus, quando da vitória dos olímpicos sobre os Titãs, sustentava o céu para que ele não voltasse a constranger a terra.  Esse mito, como sabemos, está ligado ao terceiro trabalho de Hércules, dizendo respeito assim ao signo de Gêmeos.



GIGANTOMAQUIA

Para que a vitória do filho de Alcmena fosse devidamente comemorada, pois vencera o monstruoso dragão, filho de Tifon e de Équidna, e se apossara dos pomos, presente de Geia quando das núpcias de Zeus e Hera, o dragão foi para os céus como uma constelação circumpolar. Outra versão nos conta que a origem desta constelação está relacionada com a Gigantomaquia, com a luta travada entre os Gigantes, filhos de Geia, e os deuses olímpicos. Mutilado Urano por seu filho Cronos, seu sangue caiu sobre Geia. Assim fecundada, Geia gerou essas pavorosas figuras para se vingar dos olímpicos (Zeus) que haviam lançado os Titãs, seus filhos, no Tártaro. Eram figuras imensas, extremamente fortes, cabeleira desgrenhada, barba hirsuta, corpo disforme, pernas em formas de serpentes. Hércules terá decisiva participação nesta batalha. Os gigantes, como sabemos, só poderiam ser vencidos com a colaboração de um mortal (Hércules como filho de Alcmena tinha um lado mortal). A batalha foi tremenda. Os gigantes lançavam contra os senhores do Olimpo enormes troncos de árvores, rochedos, lava de vulcões e, especialmente, dragões que retiravam das entranhas da terra. O alvo predileto dos gigantes ao usar os dragões como petardos era a deusa Palas Athena, estrategista dos olímpicos na Gigantomaquia.

Imagens da desmedida, entregues à vida instintiva, brutais, corpulentos, como sáurios sobreviventes de períodos pré-históricos, os gigantes simbolizam as forças regressivas que no ser humano se opõem ao seu esforço evolutivo. No caso, segundo a lição deste mito, o ser humano que, ao assim se esforçar, não deve contar só com as forças do alto para triunfar sobre suas tendências involutivas, que lhe são imanentes. Deve também procurar despertar o herói que há dentro dele, o eu superior, responsável pela função espiritualizante para que a vitória fique assegurada. Vencidos os gigantes, seres dracônticos, depois de intensa luta, os deuses, por sugestão de Palas Athena, resolveram colocar nos céus a figura do dragão para que o episódio fosse lembrado para sempre.



APOLO   MATA   PYTHON

Outra versão sobre a origem de Draco nos conta que Apolo para tomar posse do oráculo de Delfos teve que matar a drakaina Python, que Geia designara para vigiar o santuário. Esta drakaina, gerada pela própria Geia, tinha também o nome de Delfine. O nome Delfos, como se sabe, está relacionado com a palavra grega delphys, útero. O Oráculo estava sob a tutela das divindades femininas, Geia, a Grande-Mãe, e de Themis, deusa titânida. Ao conquistar o Oráculo, Apolo sinalizava que as divindades representativas do mundo patriarcal haviam assumido o poder cósmico. Acrescenta então Apolo ao seu nome o  epíteto de Delfinio. A partir de então, sentadas sobre bancos forrados com a pele do dragão, sacerdotisas, chamadas pitonisas ou sibilas (profetisas, adivinhas), em transe, falarão em seu nome, respondendo aos que se dirigiam ao local em busca de uma
UTHER   PEDRAGON
orientação para as suas aflições. Para que esse grande feito do deus solar fosse lembrado para sempre, a imagem do dragão, na forma de uma constelação, foi colocada no polo norte celeste. Lembremos que a ligação do dragão com as profecias também aparece em outras culturas, como a celta. Uther Pedragon, pai do rei Arthur, por exemplo, quando viu um dragão voando nos céus entendeu o sinal como uma antecipação do seu futuro (guerra e conquista da Inglaterra).

O dragão é, no geral, um símbolo sempre relacionado com as divindades femininas, as Grandes-Mães. Por isso, vencer o dragão é
DRAGÃO   DA   CÓLQUIDA
conquistar as forças ctônicas da natureza, libertando-se assim a fertilidade. Sempre ligado à função de guardar templos, tesouros ou santuários, o dragão é encontrado também em lugares ermos, abandonados, no fundo de grutas, na profundeza dos mares, em palácios em ruínas.   Um exemplo é o dragão da Cólquida (mito do Velocino de Ouro) que os argonautas mataram, sob o comando de Jasão, para se apoderar do maravilhoso tesouro guardado no bosque do deus Ares. 

Os dragões, segundo a sua morfologia, indicam as áreas da vida humana em que atuam. Assim, dragões com bico e pés de águia apontam para elevação, para um potencial celeste; com corpo de serpente, para o mundo subterrâneo, para a vida subconsciente; com asas de morcego, sugerem elevação pelo intelecto; com cauda de leão, apontam para submissão ao racional.  Temos também o caso do dragão de sete cabeças que é descrito no Apocalipse, relacionado com os sete pecados mortais: a cabeça humana equivale ao orgulho; a de serpente, à inveja; a do camelo, ao ódio; a do caracol, à preguiça; a da hiena, à curiosidade; a da mulher, à luxúria.


DRAGÃO DE SETE CABEÇAS ( À ESQ. )
SÃO  MIGUEL  E  SEUS  ANJOS ,  LUTANDO  CONTRA  O  DRAGÃO  (DIR. )
ALBRECHT   DÜRER , 1496



PRIMA MATÉRIA
O dragão, como se disse, tem relação com os aspectos devoradores da Grande-Mãe. Na Alquimia, é um dos nomes da Prima Materia, caótica, o irredutível elemento do mundo natural que não pode ser espiritualizado. Na Psicanálise, por exemplo, dragões devorando crianças podem ser indicação de tendências incestuosas. Dois dragões lutando sugerem putrefação, desintegração psíquica. 

Admitindo-se a existência de dragões em períodos muito recuados
E. DACQUÉ ( 1878 - 1945 )
da história da Terra (Paleozoico? Mesozoico?), o fato é que os seres humanos jamais os viram, pois só apareceram milhões de anos depois do desaparecimento dos monstros pré-históricos. Estudiosos como Edgard Dacqué elaboraram, entretanto, uma teoria fundamentada na hipótese de uma memória original que tenha ultrapassado os limites do mundo humano e atingido as camadas profundas de sua história evolutiva onde estariam conservadas as imagens dos maiores vertebrados que já existiram, como os dinossauros. 



PSICOSTASIA

Para os egípcios, além do dragão Apophis, havia também o dragão devorador das almas que atuava na psicostasia, juntamente com Osiris, Toth e Anubis.  Este dragão era formado por três animais muito comuns no Egito, dois das águas do rio Nilo, o crocodilo e o hipopótamo, e o leão, a cabeça do monstro. Seu nome era Ammit, o devorador. Comido o coração daquele que era condenado na psicostasia, tínhamos a sua morte definitiva, seu desaparecimento no nada.  Os egípcios o viram nos céus no agrupamento de estrelas situadas entre as latitudes de 63º N e 81º N. 

A constelação do Dragão ocupou na antiguidade uma configuração bem maior do que a que tem hoje. Ela incorporava as duas Ursas, a Maior e a Menor. Esta última figurava como as asas de Draco. A principal estrela de Draco, Thuban, no ano de 2.700 anos AC, ocupava a posição de estrela polar, o que fazia do dragão o guardião do centro em torno do qual todo o universo girava. Como circumpolar, a constelação do Draco nunca se põe, o que significa dizer que ela nunca "dorme", como os dragões. Na antiguidade, alguns cartógrafos desenhavam a figura de Hércules (constelação próxima) com um pé sobre a cabeça do dragão.  


PTOLOMEU
Thuban encontra-se hoje a 6º45´ de Virgem, sendo, segundo Ptolomeu, da natureza de Marte e de Saturno a sua influência. No geral, Draco é considerada através de sua estrela alfa. Sua proposta: o tema do “tesouro” e de sua respectiva proteção e vigilância. Pode isto significar num mapa zelo muito cuidadoso por algo a que de algum modo a pessoa esteja ligada, uma ideia, uma forma de arte, uma atividade profissional etc. A influência de Draco (Thuban) também diz respeito ao ato de se dar ou de se compartilhar “tesouros”, inclusive quanto às dificuldades que desse ato decorrem. Nesta última hipótese, podemos ter indícios de personalidade de natureza soturna, sombria. A grande pirâmide de Khufu foi construída, por volta de 2.200 aC,  de modo apontar o seu pico para Thuban.


CONSTELAÇÕES   DO   DRAGÃO
E  DA  URSA  MENOR  
URSA MINOR – Esta constelação, diante da Ursa Major, ocupa uma posição de bem menor importância nos céus, tanto pela sua configuração como pela sua luminosidade. Os gregos, por muito tempo, a consideraram como uma ninfa das florestas ou como Arcas. No primeiro caso, a viram como uma dríada, ninfa das árvores, companheira de Calisto já transformada em ursa. O nome “dríada” tem, como sabemos, origem na palavra grega dryas, que nos chegou pelo latim. A dríada ou dríade é a ninfa das árvores e por extensão das florestas. Ninfa, em grego, é a jovem em idade de se casar. Lembremos que o verbo latino nubere indica a jovem que se cobre com um véu, a nubente, acompanhada de um paraninfo, de um padrinho. Na Mitologia grega, as ninfas são divindades menores, ligadas à terra e à água. São extensões da própria Mãe-Terra, Geia, em sua união com a água, úmida e geradora. Os gregos possuíam na sua mitologia os seguintes tipos de ninfa: do alto-mar, as oceânidas; dos mares internos, nereidas; dos rios, potâmidas; náiades, dos ribeiros e riachos; das fontes, creneias; das nascentes, pegeias; das nascentes; limneidas, dos lagos e lagoas; napeias, dos vales; oreadas, das colinas e montanhas; dríadas, das árvores e das florestas; hamadríadas, dos carvalhos.

NINFAS   E   SÁTIRO , 1825
WILLIAM  -  ADOLPHE  BOURGEUREAU
As ninfas são aspectos da natureza, representantes da Grande-Mãe, suas atendentes, aparecendo sempre como educadoras e preceptoras de deuses e heróis, funcionando como símbolos de seu lado feminino (anima). São, no geral, grandes cantoras e dançarinas. O grande Paracelso denominava de regio nymphidica, no processo da individuação de um ser humano, aquele estágio anterior à tomada de consciência, o que significa astrologicamente que viver nessa “região” é permanecer ligado à gruta, à quarta casa, dependente da caverna. 

A Ursa Menor, para os latinos, era a pupa, menina, adolescente,  jovem, e também boneca. Numa outra acepção, a palavra pupa era usada para designar também uma criança ainda envolta em panos.
PUPA
Mencione-se que havia em latim Pupa como nome próprio, nome de mulher. Na entomologia, pupa é um estágio intermediário entre a larva e o imago, fase em que o ser ainda não se alimenta por si mesmo. Em francês, pupe é a ninfa de certos insetos envolta por um casulo, de onde sairá a borboleta. Estas três imagens, ninfa ou pupa mais o casulo e a borboleta ou mariposa (símbolo da ressurreição) nos remetem, astrologicamente, por analogia, aos signos de Libra, Escorpião e Sagitário. A crisálida, ressaltemos, é o nome que se dá à pupa ou ninfa dos insetos lepidópteros quando em seu estado intermediário, da metamorfose entre a fase da lagarta ou larva e o imago (fase adulta de um inseto). Por extensão, crisálida (krysallis, grego, larva do inseto antes de virar borboleta). Por extensão, estado latente, embrião. Viver como crisálida é viver em recolhimento e imobilidade, em estado de preparação, em expectativa de ação ou de revelação. A palavra imago, em Psicologia, é às vezes usada para designar a representação que uma pessoa faz geralmente do pai, da mãe ou de um ente querido, formada no inconsciente durante a infância, e conservada de forma idealizada na idade adulta.


SETH
Os egípcios associaram a Ursa Menor ao chacal, um animal que acompanhava o monstro Seth, irmão gêmeo do deus Osíris, o benfeitor. Seth é uma espécie de Tifon egípcio, semelhante ao Baal, dos semitas, deus das tempestades, da destruição, símbolo das forças instintivas. Seth sempre foi identificado como um princípio do mal entre os egípcios. Seth representa as forças primitivas que se negam à cosmização. Com relação a Osiris, que simboliza as cheias do Nilo, o renascimento e a fertilidade, portanto, Seth é o deserto, a seca, a esterilidade.

O chacal é um animal que tem a ver com a morte, com os cemitérios. Considerado um animal lunar, alimenta-se de cadáveres, de restos, de matérial animal putrefata, sempre visto como um predador noturno a uivar para a Lua. É neste sentido que Anubis, com a cabeça de um chacal, é considerado como deus dos mortos no antigo Egito. Foi ele quem acompanhou a deusa Isis quando ela recolheu os restos mortais de Osiris, despedaçado pelo
CONSTELAÇÃO  DO  CÃO  MAIOR
irmão Seth, e esteve presente também na reconstituição de seu corpo. A iconografia representa Anubis pela cor negra, a cor da resina sagrada daqueles que passavam pelo embalsamamento a caminho de uma outra vida depois da morte. A estrela Sirius, Sothis para os egípcios, da constelação do Cão Maior, que une as constelações de Câncer à do Leão no Zodíaco, representava para os egípcios tanto Osiris como Seth, (re)nascimento ou morte, significados que estão implícitos na quarta casa astrológica. Lembremos que a estrela Sothis é a principal estrela da constelação do Cão Maior, que vai de 0º Câncer a 0º Leão.

Os gregos viam nesta constelação Cynosura, uma das ninfas de Creta que tomou conta de Zeus quando Reia lá o escondeu para livrá-lo da sanha devoradora de Cronos. O nome Cynosura se compõe de kyon, kynos, cão, e de ura, cauda, em grego, cauda do cão, pois. Cynosura, auxiliada por uma companheira, Hélice (a que gira, a que dá voltas, em grego, certamente uma alusão ao movimento da Ursa Menor), criou o menino Zeus, que também recebeu os cuidados de Melissa (mel, abelha, em grego), outra ninfa,  da cabra Amalteia, que o amamentou (vide Auriga), e dos demônios guerreiros, os Curetes. 

TALES   DE   MILETO
Foi Tales de Mileto, o primeiro cosmólogo grego, como astrônomo, por volta do séc. VI aC, quem discorreu sobre a existência desta constelação. Contudo, não podemos esquecer que Homero (850 aC) já registrara na Ilíada, recolhendo antiquíssimas tradições orais da Idade do Bronze, que Hefesto já havia, ao forjar o famoso escudo de Aquiles, nele representado a Terra, o Sol, a Lua, o mar, os astros, as Plêiades, as Híades, Orion e a Ursa (Maior). 

Um dos paradigmas mais constantes da mística do Islã e, em especial, da Sufi, tem relação com Polaris (Qotb), que dá título à 53ª surata do Corão (A Estrela). Os iniciados que por intensa disciplina se tornam mestres no caminho da ascese e no ensino os árabes os comparam à estrela Polaris, chamando-os de centros cósmicos. Dentre eles podemos citar, principalmente, al-Ghazali, Alghazel, (1.058-1.111) e Ibn´Arabi (1.165-1.241). 

No Tarot, esta constelação aparece associada ao arcano 21, o
ARCANO   21
Mundo ou o Universo. A figura central deste arcano, como se sabe, representa união de opostos. Trata-se do hermafrodita, que se movimenta através da dança no seu espaço, formado por uma grinalda, em forma ovalada. A par do que a tradição nos ofereceu sobre o entendimento  desta constelação, talvez o melhor que possamos dela retirar esteja nas propostas que o referido arcano nos oferece. O Hermafrodito era, na origem, o lado viril da deusa Afrodite. Originária da Ásia Menor (Astarte) e tendo chegado à Grécia através de Chipre, Afrodite parece ter sido dotada na sua primeira elaboração arquetípica, como aconteceu com outras grandes-mães, de uma espécie de “falo interior”, de um animus muito poderoso, que com a sua anima constituíam uma sizígia  fundamental. No mundo grego, este lado masculino se destaca para para dar lugar, antes de que os mitos falassem da separação dos sexos, a um ser que então se denominava Aphroditus,  um ser barbudo, com seios. Aos poucos, este ser tomará a figura de Hermafrodito, centro de um mito, no qual aparece como filho de Afrodite e do deus Hermes. 

Hermafrodito foi criado pelas ninfas do monte Ida; era um jovem
HERMAFRODITO
de extraordinária beleza. Aos quinze anos, a fim de cumprir a dokimasia, o rito de separação pelo qual todo jovem tem de passar, resolveu percorrer o mundo. Um dia, junto da fonte Sálmacis, a ninfa pegeia de mesmo nome, que lá vivia, o viu e por ele se apaixonou perdidamente. Hermafrodito, muito inexperiente nas questões de Eros, manteve-se totalmente indiferente às investidas de Sálmacis. Simulando ter desistido de seu intento, Sálmacis se afastou de Hermafrodito. De certa feita, porém, quando o jovem a julgava ausente de sua vida, banhando-se na fonte, foi por ela surpreendido. Apesar da resistência, ela o cobriu de beijos e, ao mesmo tempo em que o enlaçava fortemente (como a hera, diz o poeta), pediu aos deuses que jamais os separassem. Foi atendida. Os dois corpos se uniram num só, dando origem a um novo ser, de dupla natureza, metade macho, metade fêmea. Hermafrodito se transformou num ser de dupla natureza, mas essencialmente uno. 

O arcano 21 tem nos seus cantos quatro figuras, touro (Lucas), 
MATEUS , JOÃO, MARCOS , LUCAS

leão (Marcos), águia (João) e um homem alado (Mateus), que representam, respectivamente, os quatro elementos, terra (materialidade), fogo (criação), água (sentimentos, emoções) e ar (pensamento). A proposta do arcano, levada à Ursa Menor pode nos indicar positivamente a integração da dualidade (lembrar que Polaris está no final de Gêmeos, cujo último decanato é regido por Vênus), consciente-inconsciente, dos opostos. De outro lado, a rondar Polaris estão as dificuldades do hermafroditismo. Ressaltemos que Hermafrodito, ao descer ao fundo das águas, como o mito nos conta, percebeu que se transformara num ser cujos membros haviam perdido o seu vigor. A sua voz perdera o seu timbre viril, sexualmente se convertera num impotente, num “semivir”, “homem pela metade”. Daí, as características que podem se fazer presentes quando Polaris atua negativamente: dificuldade de síntese, dispersão, valorização exagerada do que não têm importância. 

PLATÃO
É oportuno lembrar que o tema do hermafroditismo esteve esquecido, no ocidente, por séculos, reaparecendo só na Renascença, num contexto que tem como influência principal a obra de Platão, de modo especial o Simpósio, à qual temos que juntar as imprescindíveis contribuições do Hermetismo e da Alquimia. O movimento simbolista, a partir de meados do séc. XIX, o retomará e ampliará o seu alcance literário e artístico.  

A constelação da Ursa Menor, por volta de 3.000 aC, fazia parte da constelação do Dragão (Draco), quando Thuban, alfa desta última,
era a estrela polar. A Ursa Menor estende-se de 0º de Câncer a 7º de Virgem, entre as latitudes 69º-90º N.  Sua principal estrela é Polaris, alfa, a 27º 51´ de Gêmeos, lat. 89º14`N. As demais estrelas são: Kochab, Phekard Major, Phekard Minor, Yidun e Farkadain. Para Ptolomeu, a Ursa Menor indica influências saturninas com ligeira contribuição venusiana. A tradição vê nela propostas de indiferença com relação aos acontecimentos, descompromisso, ausência de juízo previsor, atitudes e posturas sempre causadoras de problemas. 


A estrela Polaris é uma super-gigante, a mais distante da Terra, 600 anos-luz (um ano-luz é igual a 9.461 mil milhões de km., isto é, a distância percorrida pela luz, no vazio, durante um ano). Sua rotação é de 17 km/seg. É cerca de 2.000 vezes maior que o nosso Sol.  Esta estrela, na sua função de centro do polo norte celeste, será substituída por volta de 4.500 dC por Errai, estrela gama da constelação de Cepheus. A última estrela polar antes da atual foi a alfa Draconis, Thuban, por volta de 2.700 aC. As influências de Polaris acompanham as da sua constelação, presentes também possibilidades de perdas de legados e heranças. Em 7.500 dC, 11.300 dC e 13.500 dC, respectivamente, as estrelas alfa de Cepheus (Alderamin), delta de Cygnus (Azekfafage) e alfa Lyra (Wega) ocuparão a posição de estrela polar.