segunda-feira, 13 de março de 2017

GÊMEOS (2)

                                             
GÊMEOS
Gêmeo em grego é didymo. Dídimo, em português, é o que se desenvolve aos pares, o que é duplo. Na Mitologia grega, os casos de gêmeos são muitos. Além dos citados acima, temos os casos de Etéocles e Polinices, de Idas e Linceu (primos dos Dioscuros), de Acrísio e Proitos, de Ártemis e Apolo, este último par muito importante para a Astrologia. Ártemis, como se sabe, é uma divindade olímpica, da terceira dinastia, representando, com relação a divindades anteriores, como Febe, Selene ou Hécate, uma personificação lunar mais complexa, como seu irmão Apolo o será com relação aos solares Hélios ou Febo. No mito, o culto desses dois irmãos suplantou inteiramente os antigos cultos lunares e solares. 


DIOSCUROS  NA  BATALHA  DO  LAGO  REGILO
( J. R. WEGUELIN - 1880 )

A palavra Dioscuros se compõe de dios (Zeus) e de kuroi (jovens, filhos), ou seja, os filhos de Zeus. Para bem compreender o mito dos Dioscuros, é preciso registrar antes que o fundador das dinastias laconianas (a Lacônia é uma região a sudeste do Peloponeso) foi Lelex, que de sua união matrimonial com uma náiade teve um filho, Eurotas, cuja filha Sparta, casou-se com Lacedemon, que reinou em Esparta. Um de seus descendentes, Tíndaro, casou-se com Leda. 





LEDA E O CISNE ( DA VINCI,1506 )
Zeus, entretanto, já havia notado os encantos da bela princesa Leda. Para fugir à perseguição do Senhor do Olimpo, diz o mito que Leda perambulou pelo mundo inteiro, disfarçando-se da melhor maneira (tomando a forma de animais), até que, cansada, se metamorfoseou em gansa. Zeus se transformou então em cisne e a possuiu. Diz-se mais que Leda na forma de gansa pôs dois ovos, de onde saíram, de um, Polideuces (Pólux para os latinos) e Helena, considerados como filhos de Zeus. Do outro ovo nasceram Castor e Clitemnestra, considerados filhos de Tíndaro. Apesar da diferença de origem, Castor e Polideuces viveram sempre juntos, em estreita amizade fraternal. 

O cisne, pela sua brancura imaculada, é considerado na tradição mediterrânea como símbolo da nobreza e da pureza, uma epifania luminosa. Desde os tempos de Homero, o cisne era celebrado por
CRUZ   E   SOUSA
sua voz. Este cisne do mito grego, de pescoço comprido, era diferente de outro tipo de cisne, de pescoço em S, que é mudo. O cisne, tradicionalmente, no mito grego, é símbolo apolíneo, forma que Zeus usa, chamando-o os latinos de cygnus musicus. Daí, a razão da palavra cisne ser usada para homenagear muitos poetas, músicos e oradores, como o caso do poeta brasileiro Cruz e Sousa, 1861-1898. 

O cisne tem nesta história de Leda, um valor masculino, de caráter solar, embora possa, às vezes, adquirir um valor feminino. Entre os germânicos, o cisne aparecia associado a Freyr, deus da fecundidade e às Walkirias, mensageiras dos deuses. Às vezes, o cisne adquire um valor negativo, como símbolo da hipocrisia, devido ao fato de ser exteriormente branco e puro enquanto, interiormente, sua carne é escura. Já a gansa, ave que como o cisne possui uma ampla diversidade simbólica, aparece nesta passagem mítica incorporando imagens de vigilância, loquacidade, amor e fidelidade. 


CAVALGADA   DAS   WALKIRIAS  ( W. T. MAUD , 1865 - 1903 ) 

Em que pesem as significações depreendidas de outros contextos, a gansa, como animal doméstico, representa sobretudo a fidelidade na vida conjugal por parte da mulher. O envio de uma gansa era um sinal, uma mensagem, para fazer compreender a uma jovem casadoira que ela havia sido escolhida e que, por isso, deveria pôr fim aos seus pudores sexuais. 


CASTOR  E  PÓLUX
( J. NOLLEKENS , 1737 - 1823 )
O caráter semidivino dos Dioscuros também se explica pela superstição que sempre cercou o nascimento de gêmeos entre os povos primitivos. Este fenômeno, afastando-se da norma, conforme a cultura, como vimos, apontava para o bem ou para o mal. De qualquer maneira, para justificar a anomalia, sempre se supôs que um dos gêmeos fosse de natureza divina. No caso dos Dioscuros, Polideuces representa o lado divino e Castor o lado mortal.

Célebres em Esparta, de onde eram originários, os Dioscuros, como heróis, sempre se confrontaram com Teseu, o representante do heroísmo ateniense. Numa das ausências de Teseu, invadiram Atenas em represália por ter o seu herói, com o auxílio de Piritoo, raptado Helena, irmã de ambos, rainha de Esparta. Não só a libertaram como levaram para Esparta, como escrava, Etra e depuseram do trono ateniense Demofonte, a primeira mãe e o último filho de Teseu. 

CONSTELAÇÃO  DE  GÊMEOS
Os Dioscuros tomaram parte em inúmeras aventuras, sempre se destacando como hábeis guerreiros, principalmente Castor, notabilizando-se Polideuces por sua habilidade em lutas (pugilato). Os Dioscuros eram primos dos gêmeos  Idas e Linceu (segundo Homero o mais forte de todos os heróis gregos), matando este último o primeiro. Numa briga entre primos, discórdia causada quando da divisão de um rebanho roubado, Polideuces, mesmo ferido, matou Linceu a socos. Zeus fulminou Idas e levou Polideuces para o Olimpo. Não querendo a imortalidade só para si, já que seu irmão iria para o Hades, Polideuces pediu a Zeus que concedesse a cada um deles, alternativamente, a morte, de modo que um deles estivesse sempre nos céus. É por essa razão que Zeus colocará os dois irmãos, na forma estabelecida, como estrelas da constelação de Gêmeos, onde representam a sua bipolaridade.

Se em Áries temos o impulso inicial da vida ainda bastante indiferenciado, em Touro esse impulso começa a condensar-se em matéria. O ovo que Leda pôs é o germe a partir do qual se desenvolverá a manifestação. Touro é o ovo cósmico a partir do qual ocorre a divisão por dois. Gêmeos marca a etapa de polarização desse ovo, de sua diferenciação em masculino e feminino. Nos  nos signos anteriores, Áries e Touro, estávamos ainda num estágio primário do desenvolvimento material e psíquico, fase em que o inconsciente domina de modo absoluto a vida psíquica.


OVO   CÓSMICO  ( SALVADOR  DALI , 1904 - 1989 )

É em Gêmeos, terceiro signo, que a personalidade começa a se dividir numa parte consciente e outra inconsciente.  Os contrários que até então agiam um ao lado do outro, sem se excluírem, começam a se opor. A partir do terceiro signo (três é o número da multiplicidade) a transição para formas de vida independente provoca uma desunião, uma divisão interna. Na mitologia, a manifestação da vida consciente se dá com o aparecimento da luz, que os Dioscuros representam. Essa manifestação começa na adolescência, fase do início do desenvolvimento psíquico. Esse estágio é de Mercúrio, o astro da adolescência. 



O   DUPLO  ( RENÉ  MAGRITTE , 1898 - 1967 )

A bipolaridade geminiana leva os do signo sempre a uma divisão interior, como se os dois irmãos estivessem dialogando entre si. Daí o geminiano ser alternativamente um sim e um não. Há, porém, muitos casos em que um dos gêmeos predomina sobre o outro. Neste caso, um dos lados parece observar o outro lado que atua, sendo assim o geminiano ator e espectador ao mesmo tempo. O gêmeo que atua faz o outro que o “observa” se sentir um outro, mas, no fundo, ele sabe que este outro é ele mesmo. Este outro eu, “rejeitado”, uma espécie de segundo eu, pode se projetar como uma sombra (duplo) que o sujeito não quer ser, descendo a níveis profundos da vida psíquica.

Desde tempos remotos, deu-se o nome de sombra a uma espécie de duplo do ser humano, às vezes também chamado alma, que aparece
ADALBERT VON CHAMISSO
em todas as culturas. Em muitas tradições populares, há vários registros de que a sombra era uma manifestação visível da alma e de que aquele cujo corpo não projetava uma sombra quando diante da luz teria vendido a sua alma ao Diabo. Isto foi o que aconteceu, por exemplo, com Peter Schlemihl, herói de uma célebre novela de Adalbert von Chamisso (1781-1838), alemão, amigo de Mme de Stäel, um tipo estranho que nos deixou, dentre outros textos, apreciações definitivas sobre a obra de Beethoven.  

O tema do duplo, posto em circulação pelo Romantismo alemão, está presente na obra de muitos escritores que têm a dominante dos
J. P. SARTRE , 1905 - 1980
signos mutáveis, de modo especial a do signo de Gêmeos, citando-se, como exemplo, Alfred de Musset, Oscar Wilde, Fernando Pessoa, Hugo von Hofmannsthal. Foi um geminiano como Jean-Paul Sartre, lembro, que nos deixou o estudo mais completo sobre a problemática da dualidade no geral e sobre o tema considerado sob o prisma geminiano (embora não fosse astrólogo) em particular. A Psicanálise freudiana nos falará do alter ego, um segundo eu, um segundo aspecto do mesmo eu. 

Esta dualidade que os tipos dos signos duplos podem experimentar, é importante observar, no caso do Gêmeos, antes de representar a multiplicidade, nos aponta para a dualidade terra-céu, experimentada sempre de modo muito tensional. A experiência do
J. W. VON GOETHE , 1749 - 1832
ser humano divido entre a sua "pátria" celeste e a sua "pátria" terrestre. Ocorrem-me aqui os versos de Goethe (astrólogo, que nos deixou seu próprio mapa astral interpretado) através dos quais  ele nos diz que duas almas viviam dentro dele, uma querendo se separar da outra; uma, em seus órgãos, aqui neste mundo, insistindo em se regozijar; a outra, desde o pó, até o país dos seus maiores, querendo elevar-se. 

A bipolaridade geminiana permite-nos classificar os geminianos em dois tipos clássicos: o geminiano Castor e o geminiano Polideuces. O tipo Castor representa o tipo mais terrestre do signo, mais sensual, mais ligado às coisas do mundo, à sua intensa variedade; é geralmente um tipo mais consumista, gosta de novidades e de emoções, sempre pronto a experimentá-las, evidentemente segundo a dispersão e a maior ou menor superficialidade presente. Constituem eles o modelo geminiano arlequinesco, o do tipo que transita de uma atividade a outra, de um lugar a outro, indo de uma ligação afetiva a outra, com grande desenvoltura, adepto de deslocamentos rápidos, que podem se realizar (ou não) em meio a toda essa mudança. Esse tipo horizontaliza a sua vida, é espontâneo, pouco ou nada sistemático, incoerente, procura viver sempre no presente, expondo-se a uma constante variedade de estímulos, aos quais responde com presteza, sem se ligar, porém, a nenhum deles.


Já o tipo Polideuces é bem menos mutável, bem menos superficial. Seus interesses mentais fazem-no viver acidentalmente o signo oposto, Sagitário, na medida em que procura aprofundá-los. É hábil, inventivo, não gosta das armadilhas afetivas, costumando, por isso, intelectualizar sempre as suas relações. Trabalha com a dualidade geminiana muito melhor que o tipo Castor. Embora necessite do exterior para se “alimentar”, pode prescindir, contudo, da “vida externa” por longos períodos, na medida em que as novidades às quais se liga podem lhe render “viagens” um pouco mais demoradas. Características uranianas costumam matizar bastante este tipo, levando-o a várias formas de experimentação nas atividades que buscar. A vida sensível é mantida ao longe, pois sempre costuma oferecer perigo e desconforto para a liberdade de que necessita. De um modo geral, a vida se resume à esfera do mental, nela entrando o gosto pelo jogo verbal, pelo trocadilho, pelo comércio de ideias. É o que melhor desempenha o papel de ator e espectador de si mesmo, dentre os dois tipos.

A dualidade geminiana revela frequentemente um conflito entre o ego, que se pretende consciente, e a sua sombra. A sombra, como dissemos,  também chamada de duplo, inclusive por religiões e correntes psicológicas, é identificada como a alma, uma espécie de um "outro ser" que habita a pessoa viva. Quanto à psicologia, basta citar as referências a fenômenos de desdobramentos que podem ocorrer em casos de esquizofrenia ou de histeria. Qualquer que seja o entendimento, quando aparecem referências à sombra ou ao duplo, o que ocorre é invariavelmente um conflito mais ou menos explícito entre, como disse, o eu que se pretende consciente e o chamado eu das profundezas, podendo este tomar a forma de arquétipos eternos. Normalmente, este eu das profundezas, conhecido às vezes como O Complemento ou O Adversário, dependendo do caso, sobe investido desta última função para assumir o comando da personalidade, travando-se, então, uma luta entre os dois, o consciente e o inconsciente, uma luta que pode ser sempre perigosa para o primeiro.



HAMLET  ( SIR  LAURENCE  OLIVIER , 1907 - 1989

Uma das mais ricas aproximações que podemos fazer com o signo de Gêmeos, neste capítulo da sombra, é a figura de Hamlet, como ele aparece em Shakespeare, que nos serve inclusive para dar nome a um complexo que tem o seu nome. Várias lendas estão por trás de Hamlet, príncipe dinamarquês, cujo nome aparece mencionado pela primeira vez no séc. XII, como herói de várias sagas islandesas. Teria sido filho de um rei da Jutlândia, assassinado pelo próprio irmão. que se casou com a viúva. 

Hamlet, nos tempos modernos, tem, por exemplo, como herdeiro direto, Stephen Dedalus, personagem do romance Ulisses, de James Joyce. No passado, Goethe, sem dúvida, construiu o seu personagem Wilhelm Meister inspirado por Hamlet. Kierkgaard, Nietzsche  e Baudelaire também se voltaram para o herói shakespeariano. 


PRIMEIRA   EDIÇÃO - 8 / 12 / 1016

Podemos afirmar, considerando todas essas leituras acima mencionadas, que Hamlet expõe para nós um dos maiores dramas da vida humana, o da consciência humana que hesita no mundo. Hamlet representa o drama da consciência dividida que tem dificuldade para se comprometer com qualquer coisa. Hamlet é inteligente demais para se identificar com qualquer coisa. É o homem que pensa demasiadamente e que não consegue tomar decisões. Hamlet é o que hesita diante da vida. Precisa se libertar do passado e não consegue, o que lhe traz uma sensação de impotência. Hamlet é o drama do nosso mundo interior, é o arquétipo da consciência que tem dificuldade para se comprometer com qualquer coisa, com qualquer posicionamento, qualquer missão.  
   
ARLEQUIM
(CÉZANNE, 1839 -1906 )
Outro personagem geminiano é Arlequim (Arlecchino), personagem saído da Commedia dell´Arte. Sua função inicialmente era a de divertir o público durante os intervalos, unindo os atos, como um bufão cínico e grosseiro. Sua importância foi crescendo, tornando-se cada vez mais complexa sua figura, chegando depois a participar ativamente de vários acontecimentos cênicos. Apareceu no início do séc. XVII em todos os teatros da Europa. Vestido com uma roupa multicolorida, o rosto dissimulado por uma máscara negra. Sua roupa era feita com losangos triangulares de tecidos, de cores diferentes. Instável, malicioso, é a imagem da indeterminação, da inconstância, sem princípio e sem caráter. O seu modo de ser, simbolizado pelo axadrezado de sua roupa, sugere sempre um movimento lúdico, brincalhão, inconsequente, jogralesco, algo sempre a meio caminho de um estado que nunca consegue se materializar. O xadrez da roupa do Arlequim lembra o jogo das forças que atuam no universo, opondo-se, complementando-se, sem nunca se estabilizar. Sob o ponto de vista arquetípico, o Arlequim seria uma atualização de algumas das características do deus Hermes e, como tal, um símbolo, Lembremos que oposta à figura do Arlequim temos a do lunar Pierrô, do signo seguinte, de Câncer. 


GILLES  OU  O  PIERRÔ  ( A. WATTEAU , 1718 )

Os egípcios colocaram também nos céus conceitos de dualidade, ligando-os ao romper do dia e ao poente. Horus representava a luz matinal enquanto Seth simbolizava a escuridão, as trevas. Seth também estava ligado às constelações circumpolares, que nunca se punham, reino do monstro feminino Hippototamus, sua mulher. Os gregos também usaram estas mesmas ideias, valendo-se dos Dioscuros. Castor estava ligado à luz matinal através da estrela denominada Lúcifer pelos latinos. Polideuces estava conectado com o crepúsculo através da estrela Vésper. Castor era cavaleiro; Polideuces tinha a ver com as trevas e com os ladrões. Estas ideias de polaridade nos dizem que a luz e as trevas coexistem, que são inseparáveis. Rompida a unidade do ovo primordial, fomos introduzidos na dualidade. A vida humana será, assim, até a morte, um jogo entre estes dois lados. Qualquer movimento nosso em direção da luz terá de ser compensado com um ajuste no nosso lado sombrio. A expulsão de Lúcifer dos céus e a sua queda no turbilhão do mundo material tem a ver certamente com o assassinato de Castor por Linceu (astronomicamente, a “descida” da estrela Castor na direção das declinações sul).  

Para os judeus, o signo de Gêmeos tem o nome de Sivan, tendo relação com a tribo de Zevulun. O mês de Sivan é considerado como o mês das viagens. Este mês, com os dois anteriores, lembram aos judeus a necessidade do aperfeiçoamento pessoal
TORÁ
segundo os três aspectos do pensamento, da palavra e da ação. A Torá foi recebida neste mês, o ensinamento que é arma contra as inclinações ao mal e fonte da sustentação espiritual. É durante este mês que, no plano material, em Israel, é colhido o trigo. Cabe à tribo de Zevulun a atividade comercial interna e externa (comércio exterior). 

O elemento de Sivan é o ar, que se confunde com a própria Torá, ambos essenciais para que a  vida tenha continuidade e para a manutenção dos cosmos. Como está no próprio texto: “porque Jacó é gêmeo de Esaú, a Torá foi dada no mês de Sivan.” A Torá é a Lei, a Doutrina. É o nome dado ao judaísmo à lei mosaica e ao Pentateuco que a contém. O Livro da Lei ou Sefer-Torá, compreende os cinco livros (rolos) atribuídos a Moisés: Gênese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, lidos no dia do sabat. É seguindo também a ideia que Esaú e Jacó representam o signo de Sivan que os judeus representam os três primeiros meses pelos patriarcas Abraão (Nissan), Yitzchak (Iyar) e Jacó (Sivan), o primeiro tendo a ver com graça e bondade; o segundo,  com julgamento e poder; o terceiro, com beleza e meditação. 


ESAÚ   E   JACÓ  ( P. P. RUBENS , 1624 )

O astro que tem sintonia com o mês de Sivan é Mercúrio, planeta associado à comunicação e à inteligência. Estas qualidades podem ser notadas em acontecimentos históricos judaicos ocorridos neste mês. O exemplo maior é o da concessão da Tora, através da qual se estabelece a comunicação direta com o divino. A velocidade do planeta tem a ver com a letra (Resh) cujo som está ligado intuitivamente à ideia de velocidade. Sivan é o primeiro dos signos mutáveis. 

Na história judaica, em cada um dos signos mutáveis há registros de mudanças, de alterações, que trouxeram movimento e dimensões novas. Se em Sivan a Torá apareceu, em Elul  (Virgo) temos Teshuvá, os chamados “dez dias de penitência”, período em que os judeus devem ser mais rigorosos em suas práticas rituais, pois nele estão sendo julgados. Deus é descrito na liturgia desses dez dias como um rei sentado em seu trono de julgamento. As preces regulares têm acréscimos, nelas se incluindo a confissão dos
YOM   KIPUR
pecados e um pedido para ser inscrito por Deus no livro da vida. Esse período se caracteriza sobretudo por um impulso de arrependimento, sendo também conhecido pelo nome de “retorno”. Como ninguém sabe o dia em que vai morrer, todos os dias devem ser dias de arrependimento, o que é válido particularmente para os dez dias do mês de Elul, que culminam no Yom Kipur (O Grande Perdão, a grande festa da expiação, quando o pecador se reconcilia com deus). No signo de Kislev (Sagitário), temos Chanukah e o
CHANUKAH
florescimento das tradições orais. É a Festa das Luzes. Nela se comemora a vitória dos macabeus contra os selêucidas da Palestina (165 aC), que haviam imposto a religião helenística aos judeus. No mês de Adar (Peixes), no dia 14, comemora-se esta festa para celebrar a vitória dos judeus sobre os inimigos persas. Durante a festa, lê-se a história de Ester (“bela de se ver”) e são ingeridas bebidas alcoólicas. Pratica-se a caridade, o clima é festivo. Há representações teatrais (paródias) que satirizam o ensino judaico. 

O signo de Sivan tem como principais características a flexibilidade, a instabilidade, a complexidade, a inconstância. Os
MOISÉS  DE  LEON
judeus observam que, embora Israel tenha “nascido” efetivamente neste signo.é possível corrigir estas características pelo estudo da Torá. O planeta Mercúrio, que rege Sivan e Elul, pode ser assim usado para o desenvolvimento da espiritualidade. O Zohar (chamado Livro dos 
Esplendores, é uma coletânea de comentários do Pentateuco que constitui o conjunto mais importante da literatura hebraica e cabalística. Redigido por Moisés de Leon, 1250-1305, místico judeu espanhol, do século XIII, tem por base os escritos de Simeon bar Yohai (séc.III), a ele revelados pelo profeta Isaías).  

Além da tribo de Zevulum, outra tribo associada ao signo de Sivan é a de Levi, que tinha como incumbência principal o cuidado do tabernáculo e do templo. Uma parte dos levitas (kohanins), descendentes de Aarão, eram os sacerdotes que realizavam ritos
TABERNÁCULO   MODERNO
sacrificiais. A outra parte se dedicava ao canto e à música, além de serviços gerais e de apoio. Dentro do nome Zevulum encontramos o termo zevul, que designa o tabernáculo dos judeus, o santuário portátil que os acompanhou nas suas perambulações depois do êxodo. Estava sob o cuidado dos levitas. Dentro do tabernáculo estava o Santo dos Santos, que continha a arca da aliança e as tábuas do decálogo. 

O signo de Sivan corresponde à Torá na sua forma escrita. A Torá oral, que com ela forma uma dualidade geminiana, só foi aceita no mês de Adar (Peixes). De acordo com a ciência astrológica, os judeus consideram que as pessoas nascidas nestes meses, pelo Sol e pela hora, apresentam tendências à extroversão e à introversão, o que pode lhes dar habilidade e compreensão nos campos do exotérico e do esotérico quanto à Torá. No corpo humano, o membro associado a Sivan é a perna esquerda. Em contraste com a perna direita, que denota graça, a esquerda denota poder. 

CAIM E ABEL ( RUBENS, 1625 )
Os judeus viram também na constelação de Gêmeos uma ilustração da história de Caim e Abel, filhos de Adão e Eva. O primeiro era agricultor e o outro era pastor. Ambos fizeram oferendas a Deus, que rejeitou as de Caim e aceitou as de Abel. Acabaram brigando, tanto devido à questão das oferendas como por causa de uma irmã, que Abel desposara. Por esse pecado de fratricídio, diz o texto bíblico, Caim perdeu o seu quinhão no mundo do porvir e foi amaldiçoado por Deus, condenado a perambular pela face da terra sem encontrar
ADÃO   E   EVA
(JAN GOSSAERT, 1520)
descanso. Em razão do crime cometido, ainda segundo o texto bíblico, Caim foi marcado por Deus, que lhe fez crescerem chifres na testa. Em outras interpretações, o judaísmo ortodoxo diz mais que Caim não era filho de Adão, mas da serpente, apresentando seus descendentes características semelhantes. A história de Caim termina com a revelação de que ele foi morto a flechadas por um descendente (Lemech), após ter sido confundido com um animal selvagem. 

Deixando de lado as interpretações religiosas judaicas e cristãs dessa passagem do Gênese e concentrando-nos no que historicamente dela  podemos retirar, o que temos aqui, simbolizado pela luta entre os dois irmãos, é um conflito político entre dois grupos da sociedade judaica. De um lado, temos Caim, o primogênito, cujo nome, etimologicamente, está relacionado com um termo que significa “operário de metal”. A etimologia de Abel vem de um nome que quer dizer “fumaça”, que tem relação com seu assassinato e com o fato de, por essa razão, não ter deixado ele rastro nenhum de sua existência. Caim era um construtor de cidades, um homem da agricultura. Abel era da tribo dos pastores de ovinos. O texto bíblico e a maioria dos seus comentaristas, para não dizer a totalidade, sempre procuraram enfocar pejorativamente não só a figura de Caim como a sua oferta. 


AHASVERUS  NA  FESTA  DE  ESTER  ( REMBRANDT , 1660 )  

Os intérpretes cristãos, na Idade Média, usaram a história de Caim e Abel para fazer do primeiro uma representação do povo judeu, tornando-o, assim, responsável pela morte de Jesus Cristo e fazendo de Abel um precursor de Cristo, vendo-o como o Bom Pastor. Além disso, Caim pode ser visto como o inspirador de uma história que se espalhou pelo mundo cristão tendo Ahasverus, o chamado Judeu Errante, como figura central. Esta figura, para o mundo cristão, tanto é um símbolo da dispersão do povo judeu depois da destruição do templo de Jerusalém, como encarnação de um sapateiro de Jerusalém condenado a este destino por ter maltratado Jesus Cristo quando  a caminho da crucificação. Esta história, ao longo de vários séculos, sempre alimentou várias correntes do anti-semitismo nos meios cristãos, inspirando numerosos escritores como Schiller, Goethe, Eugène Sue, bem como a imaginação popular. Condenado a uma vida nômade, Ahasverus jamais  poderá se fixar em lugar algum, só descansando e encontrando paz no final dos tempos.

Caim, como diz texto bíblico, partiu para viver ao oriente do Éden, sendo o progenitor de uma linhagem de criadores, de construtores, que trabalhavam com metais. Nenhuma vingança poderia ser exercida contra ele conforme desígnio divino. O nome de Caim significa “possessão”. Ele é aquele que quer possuir tanto a terra como a si mesmo. Ele quer acrescentar o seu trabalho à criação do mundo, não aceitando a predestinação, e desejando partilhar com todos os homens os frutos de seu trabalho. Em última instância, Caim é aquele que quer libertar o homem de toda a dependência, assenhoreando-se do fogo (no que lembra Prometeu), o principal elemento de todas as transformações  e mutações como apanágio da vida intelectual e material.

Em textos gnósticos  (O Criptograma de João), esta história é contada de outro modo. Neles se registra que Adão teria concebido dois filhos, Yahwé, com face de urso, e Elohim, com face gato, os nomes de Deus no Antigo Testamento, conhecidos depois pelos nomes de Caim e Abel, respectivamente. Eles, segundo os mesmos textos, governariam os quatro elementos do universo. A Elohim caberia o fogo e o vento (ar), e a Yahwé, a terra e a água. Este último, Yahwé (Caim) teria relação, pois, com os elementos constitutivos da vida material, os elementos mais pesados, femininos, por oposição ao fogo e ao ar, masculinos, mais voláteis. A figura de Caim aparece, por isso, associada a antigos cultos lunares de feitiçaria. 

BEL   OU   BAAL
A história do nome de Abel, por outro lado, permite-nos entender melhor o seu papel no texto bíblico e também historicamente. As consoantes “b” e “l” que fazem parte do nome lembram força e fraqueza. Abel representa a ambivalência. O nome se decompõe também em Ab, que significa pai e el, que significa deus. O nome Abel tem relação ainda com hobel, aquele que conduz o rebanho (o deus Bel ou Baal é representado por um carneiro) e com hebel, palavra que significa sopro, vaidade, brevidade, nada, e com ebhel, que significa desgosto, aflição. O universo semântico do nome Abrl compreende todas estas possibilidades significativas. O conflito entre os irmãos é, sob um outro ângulo, a tradução da disputa entre Abel, o mundo “velho” (nômade, pastoril, predador, ignorante), e Caim, o mundo “novo” (culto, empreendedor). Caim é o peregrino na terra e Abel o cidadão do céu, que baixa a cabeça e obedece. Numa outra representação, Abel é um símbolo da hipocrisia, da falsidade, o santarrão que simula pureza e santidade. A tradição judaica e cristã vê Caim como um homem de temperamento ativo, confirmada esta característica pelo seu cabelo arruivado.



NAAMAH ,  MULHER  DO  REI  SALOMÃO
 ( GIOVANNI  VENANZI  DI  PESARO , 1627 - 1705 )

É interessante lembrar que é de Caim que sai o primeiro personagem de um grupo profissional, o dos dominadores do fogo, chamado Tubalcain, ancestral bíblico dos ferreiros, mestre dos
FERREIRO
trabalhos nas artes do bronze e do ferro. Esse personagem aparece ligado a uma irmã, Naamah, a Sedutora, um dos nomes da deusa Ishtar, da Mesopotâmia, modelo da Afrodite grega. Fácil se depreender aqui a relação entre estes personagens e o “caso” que Afrodite teve com seu irmão Hefesto, na mitologia grega (o metal incandescente mergulhado na água).  

TUBALCAIN  ( NINO  PISANO , 1334 )
Caim e seu descendente Tubalcain unem, na sua atividade, dois elementos importantes, o metal e o fogo, introduzindo-nos da dialética criador-criação. A arte dos ferreiros era sagrada na antiguidade (prerrogativa real). As divindades que atuam nesse mundo vivem subterraneamente pois guardam os tesouros da fertilidade. Os gregos tinham os Cabiros e Telquinos, que viviam em Rodes, Creta e em ilhas do Egeu. Vivendo ctonicamente, eles tinham formas anormais, monstruosas, eram anões, aleijados, disformes, tortos, gigantescos às vezes (Hefesto, Oberon, Alberich etc.). Eram criadores de formas, mestres da vida material, fabricando mantos que podiam proporcionar a invisibilidade (nuvens e neblina), jóias (chuvas), armas irresistíveis (trovões, relâmpagos, raios). Caim é um dos grandes arquétipos, um “homem do ferro”. Desde os tempos do rei David, segundo a tradição bíblica, o ferro é considerado um metal vil, opondo-se aos metais nobres. Por isso, o uso do ferro foi proibido na construção
MOSAICO   ROMANO
do templo por Salomão. Este mesmo tabu existia no Egito, no mundo greco-latino (as portas do Hades eram de ferro). Platão (Critias) nos informa que os habitantes da Atlântida lutavam sem armas de ferro, usando lanças de madeira e redes. Como regra geral, os herboristas da antiguidade não usavam nenhum instrumento de ferro para recolher as suas plantas mágicas. Enfim, a maldição de Caim...