quarta-feira, 12 de abril de 2017

CÂNCER (2)

                          

CÂNCER (ALFONS  MUCHA,1860-1939)
Câncer é um signo lunar, feminino, cardinal, do elemento água, representando a vida e o patrimônio familiar, a mãe, a vida doméstica, os primeiros anos da infância. Na ordem temporal do Zodíaco, situa-se Câncer nove meses antes do signo ascendente,  associado ao signo de Áries (equinócio da primavera). É neste sentido que o signo de Câncer simboliza a fecundação e a concepção, ato pelo qual se dá a junção de gametas (células germinativas) que resultarão na formação de um zigoto (célula resultante da união dos gametas masculino e feminino). 


STONEHENGE


É de se lembrar que em meados do séc. XX, estudiosos ingleses da Universidade de Oxford, pesquisando o famoso monumento megalítico que se encontra no sul da Inglaterra, Stonehenge, há milênios, descobriram que do seu interior era possível se determinar com exatidão, tendo-se em vista a importância que tal determinação tinha para a agricultura, a entrada do Sol nos eixos equinociais e solsticiais. Constatou-se mais que os construtores de tal monumento a ele haviam incorporado conhecimentos matemáticos mais avançados do que aqueles encontrados alguns milênios mais tarde em edificações religiosas egípcias e mesopotâmicas. Mais ainda: constatou-se que nesse monumento e em edificações semelhantes, como as de Carnac, na Bretanha francesa, nos seus dolmens e menhirs, em algumas das enormes pedras usadas, com toneladas de peso, estavam entalhados alguns sinais que mais tarde fariam parte da codificação da linguagem astrológica. Um dos sinais mais notáveis foi um constituído por duas pequenas formas, dispostas horizontalmente, uma entrando na outra, formas muito parecidas com os algarismos seis e nove, que lembravam  bastante o símbolo do signo de Câncer. 


CARNAC ,  BRETANHA , FRANÇA

Desde a mais remota antiguidade, o signo de Câncer ficou conhecido como o signo das Grandes Mães, da Mãe Terra, principalmente, no seio da qual as sementes recebidas se desenvolviam e tomavam forma. Na antiga Caldeia, entre 4.000 e 3.000 anos aC, o signo já era conhecido como o Portal dos Homens, a entrada pela qual todas as almas que desciam dos céus entravam no plano da matéria, assumindo a forma humana. 


VÊNUS   WILLENDORF
Imagens de figuras femininas, pequenas estatuetas, que a arqueologia vem trazendo à luz, permitem-nos afirmar que o culto às Grandes-Mães, no paleolítico, em várias partes do mundo, já era praticado por volta de 30.000 anos aC ou mais, desde tempos mais recuados. A produção dessas estatuetas, muito variada, estendeu-se até a era astrológica de Touro, que se estendeu mais ou menos entre 4.000 e 2.000 aC. Foi por esta época, na transição da era de Touro (signo feminino, lunar) para a era de Áries (signo masculino, marciano), que se concluiu a passagem da tutela da unidade familiar do
 ARTHUR  JOHN  EVANS
feminino matriarcal para o masculino patriarcal. As descobertas de A.C. Evans (1851-1914), em Creta, que aproximaram a História da Mitologia, em fins do século XIX, deixaram claro que por volta de 3.000 aC existia na ilha, na chamada civilização minoana, uma avançada ginecocracia. Esta civilização, como se sabe, foi destruída tanto, em parte, por catástrofes naturais (maremotos) como, principalmente, pela ação dos guerreiros aqueus (micênicos). 






Com base em trabalhos do suíço J.J.Bachofen (1815-1887) e outros, foi possível se estabelecer historicamente uma divisão do matriarcado em três grandes períodos: 1) Heterismo; 2) Amazonismo; 3) Demetrismo. O primeiro período se destacou por apresentar uma espécie de comunismo tribal, com fortes componentes nômades e acentuada promiscuidade sexual. As
JOHANN JAKOB BACHOFEN
mulheres dominavam a vida social nesse período, exercendo os homens, dentre outras funções, menos significativas, a de machos reprodutores. A Grande-Mãe era representada, nesse período, por pequenas figuras femininas obesas, esteatopígicas, uma espécie de proto-Afrodite, no dizer de Bachofen. As estatuetas acentuavam fisicamente sempre o que sobretudo na mulher lembrava a fecundidade, o ventre, os seios, as nádegas e a vulva.


Bachofen fala que na segunda fase do matriarcado, com a diminuição das atividades predadoras e coletoras, um incipiente processo de sedentarização deu origem ao aparecimento da agricultura e de cultos ctônicos, de forte inspiração feminina, adquirindo as Grandes-Mães características lunares, representadas por figuras que lembravam vagamente a Deméter grega. 



AMAZONAS  ( HEINRICH  WILHELM  TISCHBEIN , 1751 - 1829 )


AMAZONA  A  CAVALO
VASO  GREGO
Ao final desta segunda fase surgiu o que os estudiosos chamaram de amazonismo. Os antigos  gregos, como sempre, se encarregaram de explicar um acontecimento social através da sua mitologia. Filhas do deus Ares e da ninfa Harmonia, protegidas pela deusa Ártemis, as amazonas eram mulheres guerreiras que viviam perto do Cáucaso, formando comunidades que se opunham ao poder
HÉRCULES  E  A  RAINHA  DAS  AMAZONAS
( NICOLAS  KNUPFER , 1609 - 1655 )
masculino. O antagonismo entre os dois princípios foi aumentando, acabando o poder feminino por perder os seus antigos privilégios. Heróis dos mitos gregos, saturados de machismo, como Hércules e Teseu, principalmente, encarregar-se-ão de liquidar, no mito, o princípio feminino com as suas façanhas. No seu sexto trabalho (veja-o neste blog), Hércules, comandando um exército, em companhia de outros heróis, foi ao país das amazonas e as exterminou. 

Sob o ponto de vista astrológico, o início do culto às Grandes-Mães se define melhor na era de Câncer, situada mais ou menos entre 8.000 e 6.000 aC, no neolítico, com forte ênfase matriarcal, caracterizado pela crescente sedentarização de contingentes humanos que viviam dispersos, retirando o seu sustento de atividades predadoras. A agricultura e a domesticação de animais ganharam grande impulso no período.

POTNIA   THERON
Nos milênios seguintes, mesopotâmicos, sumérios, egípcios, védicos, fenícios, cretenses, gregos, romanos, celtas, nórdicos, afro-brasileiros e outros, cada um a seu modo, deixaram-nos, para designar as grandes deusas do período matriarcal, nomes como Deusa das Montanhas, Senhora  dos Animais (Potnia Theron), Deusa das Serpentes, Deusa Mãe. Aos poucos, conforme as várias culturas, os mitos,
DEUSA  DAS  SERPENTES
suas histórias e os nomes, em várias regiões da Terra, foram se tornando mais precisos: Tiamat, Aditi, Cibele, Sarasvati, Kali, Isis, Ishtar, Astarte, Eurínome, Geia, Reia, Afrodite, Dana, Freya, Magna Mater (nome de Cibele entre os romanos), Tellus Mater (Mãe Terra), Iemanjá, Iansã e outros.


Na Mesopotâmia, por volta do ano 3.000 aC, encontramos ilustrações da vitória do patriarcado. A mitologia dos mesopotâmicos nos deixou a história da deusa Tiamat, o princípio feminino, sempre confundido com o caos e a desordem, submetido, em nome dos demais deuses celestes, pelo herói Marduk. Os gregos, em sua mitologia, nos deixaram também histórias semelhantes, sobre a total submissão do princípio feminino ao poder masculino. Lembre-se, por exemplo, da conquista de Delfos, guardado pelo dragão Ladon, pelo deus Apolo. Delfos era um centro oracular tutelado pela Grande-Mãe Geia e por sua filha Têmis. Ou, cite-se, a vitória que o herói grego Teseu obteve sobre o Minotauro às custas da princesa cretense Ariadne, depois por ele abandonada. Ou, ainda, a conquista do Velocino de Ouro pelos argonautas, comandados por Jasão. Se não fosse Medeia, princesa e grande maga, sobrinha de Circe, os cinquenta e cinco heróis gregos jamais teriam conquistado o precioso tesouro.  


JASÃO  E  OS  ARGONAUTAS ( CHARLES DE LA FOSSE , 1636 - 1716 )

Ao desenterrar o mundo matriarcal, os pesquisadores nos ajudaram a reavaliar corretamente a história da humanidade e o papel que nela teve a mulher, embora muitas de suas conclusões venham sendo apresentadas com notáveis preconceitos machistas, algo que nem uma pretensa objetividade científica consegue camuflar. Dentre outros preconceitos, destacamos, por exemplo, o nome dado à primeira fase do matriarcado, heterismo, do grego hetaira, prostituta, algo absolutamente incorreto, pois a prostituição (ganho de dinheiro pela prática de atos sexuais) nunca fez parte do mundo matriarcal. O que temos de confirmado é que na ordem matriarcal sabia-se quem era a mãe, não o pai. A transmissão do poder social, inclusive de bens, quando havia, era matrilinear, sendo o pai uma figura bem menos importante, ignorada até sob vários aspectos. As uniões não eram monogâmicas. A vida dependia da mulher, cujo corpo analogicamente se confundia com a própria terra como fonte da existência. 

Foi durante o período matriarcal que a mulher, através das Grandes-Mães, comandou todos os ritos de fertilidade. No período matriarcal ela se tornou tanto dona da vida humana como do solo, da terra e dos animais. Foi neste período que se reforçou a união entre a mulher, o mundo vegetal e o mundo animal, preservando-se e reverenciando-se a fecundidade. Vêm desse mundo, por exemplo, as notáveis relações entre as deusas lunares Hécate e Ártemis com animais que lembram a fertilidade. 

Em Creta, os cultos à Grande-Mãe eram apresentados sob os aspectos da Montanha-Mãe, da Terra-Mãe ou da Deusa das Serpentes. Nas ilhas do Egeu, antes da ocupação pelos aqueus do território  que constituiria depois o mundo grego, os pelasgos
NISABA
cultuavam uma Grande-Mãe como divindade geradora da vida, da natureza, das águas, da fertilidade, doadora da agricultura e inventora da linguagem escrita. Lembre-se que em várias tradições a invenção da linguagem sempre foi atribuída às Grandes-Mães, como o encontramos na Índia (Sarasvati), entre os celtas (Brígida) e os sumérios (Nisaba). 


CIBELE
Na Ásia Menor, na Anatólia, de onde saíram, os cultos de Cibele talvez sejam os que  melhor representem o poder feminino, sob um aspecto tão dominador e cruel quanto o instaurado pelo poder patriarcal. Divindade frígia, seus cultos penetraram na Grécia e em Roma como representação do poder vegetativo e selvagem da natureza. Colocada nos panteões como uma deusa da fertilidade, ela chegou, no mundo mediterrâneo e na Ásia Menor, a dividir, em Roma principalmente, com Júpiter, na religião romana, o poder soberano sobre a reprodução das plantas, dos animais, dos homens e dos deuses. Conduzindo um carro puxado por leões, símbolo da força masculina, ela carregava consigo uma chave que lhe dava acesso, na superfície da Terra, através de uma porta, às riquezas que estavam nas suas profundezas. Na cabeça, ostentava uma coroa, encimada por um crescente lunar, formada por torres, a lembrar que o seu poder se estendia também à vida urbana. 


O  TRIUNFO  DE  CIBELE ( HANS  FRIEDRICH  SCHORER , 1634 )

Os cultos de Cibele, de natureza orgiástica, tinham um forte componente lunar e seus sacerdotes e adoradores, durante os seus solenes festejos, como Magna Mater ou Bona Mater, se
ATIS ( SÉC. II ) 
emasculavam e vestiam roupas femininas. No mito oriental, Cibele tinha por companheiro, Atis, divindade anatólia da vegetação, seu servidor e amante, que morria e renascia anualmente, no que lembra outros personagens míticos, também divindades da vegetação, como Tammuz e Adônis, na forma em que estes aparecem nas histórias de   Ishtar e de Afrodite.  





CÁRITES ( P.P. RUBENS )
Os aqueus, de origem indo-europeia, quando se instalaram no continente, fundando Micenas e Tebas, por volta de 2.000 aC, deram à Grande-Mãe dos pelasgos o nome de Eurínome (etimologicamente, a que governa um grande domínio), criando para ela mitos para enquadrá-la na nova ordem, terminando por rebaixá-la à condição de amante de Zeus, e tornando-a mãe das Cárites e do deus-rio Asopo. 

O que fica do que está acima é que a valorização do meio natural sempre esteve muito mais associada ao mundo feminino que ao mundo masculino. Quando a partir do neolítico as sociedades agrícolas começaram a se formar, criando uma economia baseada na produção da terra, a mulher passou a ocupar um lugar importante socialmente, pois, como a terra, era ela a doadora da vida. Os vegetais brotavam da terra, sendo colhidos no fim do verão. No outono a vida vegetal se recolhia ao interior do solo e lá ficava até o fim do inverno, quando os primeiros sinais do início de um novo subciclo, a primavera, se anunciavam. O degelo chegava ao fim, o carneiro começava a saltar nos campos, o Sol entrava na constelação de Áries. 

Nesse mundo, nascer era sair do ventre da mulher, como a planta saía do interior da terra. Morrer era retornar à terra, dona das forças universais. É desse entendimento que nos vêm as imagens das deusas dessas sociedades, nutridoras, doadoras da vida vegetal, animal e humana, das águas, do céu. Na mitologia grega, quem criou 
ADITI
o céu, em condições de igualdade, para que ele a cobrisse, foi Geia, a Grande-Mãe, suporte de toda existência, inclusive dos deuses celestes. Na Índia, Aditi, uma Grande-Mãe universal, a "liberta e ilimitada", como está no Rig-Veda, representava o céu, contrapondo-se à terra, "finita e limitada". Como Deva-Matri, era a mãe dos deuses celestes, os chamados Adityas, em numero de doze, simbolicamente visualizada pela passagem do Sol pelas constelações zodiacais.

Aos poucos, firmando-se o poder masculino, o céu, um território feminino (entre os antigos egípcios quem o dominava era a deusa Nut), foi passando para a tutela masculina, dando-se, no mundo
DYAUS   PITAR
indo-europeu, à divindade que sobre ele estendeu o seu poder, o nome de Dyaus. Etimologicamente, esse nome vem do radical proto-indo-europeu diw, deiwos, que significa brilhante, celeste, elevado, de onde saíram nomes como Dyaus, Dyaus Pitar, Zeus, Júpiter, Jovis e Deus. Na Índia, temos Dyaus-Pitri, Deus-Pai, considerada a Terra como mãe. Aditi, que dominava sozinha o espaço celeste e suas manifestações, foi rebaixada, passando a chamar-se Prithivi, não mais a "ilimitada", mas, agora, na nova situação, apenas a "ampla", a "vasta", o mundo natural. Prithivi, personificada como divindade, assumiu a tutela da Terra, tomando às vezes o nome de Bhumi, a camada terrestre por oposição à celeste, atmosférica, dominada por Dyaus.  

Na Idade dos Metais, que se seguiu à da Pedra (paleolítico, mesolítico e neolítico), primeiro tivemos o bronze e depois o ferro idade a partir da qual grandes transformações foram introduzidas, com a ascensão e supremacia do princípio masculino. As Grandes-Mães começaram a ceder lugar ao Grande-Pai e seus representantes, os deuses uranianos (Urano, em grego, quer dizer céu, aquele que fecunda), em torno dos quais tudo passou a se organizar. No chamado mundo ocidental, a história da humanidade, as religiões e o conhecimento passaram a ser explicados desde então sob um ponto de vista exclusivamente masculino. Lá pelo meio da era de Áries (1662 aC - 498 dC), as representações míticas começaram a ser deixadas de lado, sendo substituídas por outras, de natureza filosófica e cosmológica. Esse período passou a ser conhecido como da passagem do mito ao logos.

ATON
Na era de Áries, a humanidade ingressou na Idade do Ferro, radicalizando-se a destruição do princípio feminino com as religiões dessa era, inspiradas pelo monoteísmo egípcio (Aton), primeiro o judaísmo e depois as suas dissidências, o cristianismo e o islamismo. Esse rebaixamento fez com que as antigas Grandes-Mães passassem a sobreviver nos novos tempos, nos panteões dominados por divindades masculinas, de modo indigno, inteiramente a eles
DEMÉTER
submetidas. Numa desbotada homenagem às antigas Grandes-Mães, todo poderosas, deu-se o nome de demetrismo a essa última etapa do matriarcado. O nome foi retirado do nome Deméter, deusa grega  dos cereais, dos grãos, ao simbolizar essa deusa a passagem do mundo natural ao mundo da terra já dominada, explorada e organizada segundo uma visão patriarcal.

O rebaixamento das Grandes-Mães trouxe como consequência a desvalorização do mundo natural, que passou a ser considerado somente o ponto de vista material. Afastado o princípio da imanência  do mundo religioso, substituído pelo da transcendência, o mundo patriarcal, com a colaboração das religiões monoteístas, deu início na era de Áries a um longo processo de destruição dos recursos naturais da terra, processo que iria se acentuando nos séculos seguintes, até chegarmos à chamada revolução industrial e aos tempos modernos, onde essa destruição vem atingindo níveis alarmantes. 


SÍTIO  ARQUEOLÓGICO   DE   ELEUSIS  ,  GRÉCIA

A partir do ano 2.000 aC, os ataques à Grande-Mãe se tornaram devastadores. A misoginia religiosa fez com que o poder das Grandes-Mães se ocultasse. Não encontrando meios de se expressar abertamente, esse poder, em termos psicológicos, desceu à vida subconsciente, teve que se ocultar. Uma ilustração do que aqui se diz são os Mistérios de Elêusis, cerimônias instituídas pela deusa Deméter, pelas quais se estabeleceu uma ligação entre a agricultura e a vida psíquica. Não podendo mais se mostrar à luz do dia, encaminhou-se a Grande-Mãe para o mundo das sombras, guiada por Dioniso, o deus das metamorfoses.

TOTEM  E  TABU
A descoberta e a valorização, pelo homem, de seu poder fecundante, associado ao céu, e a desvalorização da função geradora (feminina), de natureza terrestre, desde então impuseram-se universalmente. As mudanças nas estruturas sociais, políticas e religiosas, a partir de então, alteraram radicalmente as relações entre os princípios masculino e feminino. Em Totem e Tabu, Freud, citando Frazer, discorreu sobre isto do seguinte modo: A fonte primeira do totemismo consistia na ignorância na qual se encontravam os primitivos quanto ao modo pelo qual os homens e animais procriavam e perpetuavam a espécie e sobretudo a ignorância do papel que o macho desempenhava na fecundação. Esta ignorância foi favorecida pela duração do intervalo que separa o ato da fecundação do nascimento. O totemismo será assim uma criação do espírito feminino e não do masculino.

O totemismo, como se sabe, é a crença na existência de um parentesco ou afinidade mística entre um grupo humano (ou pessoas) e um totem. Este é um animal, planta ou objeto que serve como símbolo sagrado de um grupo social, clã ou tribo e é considerado como seu ancestral e/ou divindade protetora. Tabu é instituição religiosa que, atribuindo caráter sagrado a determinados seres, objetos ou lugares, proíbe qualquer contacto com eles. A violação desse interdito acarreta (supostamente) castigo divino que pode recair sobre o culpado ou sobre seu grupo.

O caráter de sacralidade da Terra, do mundo natural, na nova ordem masculina, foi transferido para o Céu. O Cosmos começou a ser explicado como obra dos deuses, revelando-se o Céu como altura, onipotência, onisciência,  inacessibilidade, imperscrutabilidade, eternidade, incomensurabilidade, transcendência. Transcendente é o que ultrapassa. Diz-se que algo é transcendente quando este algo, Deus, no caso, ultrapassa o nosso poder de conhecimento. Quando falamos de um Deus transcendente estamos nos referindo a um Deus separado, distinto, de sua criação, conceito masculino que se opõe ao de imanência, panteísta, conceito feminino, segundo o qual Deus está presente no mundo criado. A doutrina da imanência
SPINOZA
revela que Deus e o mundo criado são a mesma coisa. Esta doutrina, na cultura ocidental, foi posta em circulação principalmente pelos estoicos, na antiga Grécia, para os quais Deus era a força vital imanente ao mundo. Foi Spinoza, seguidor desta doutrina (e por causa dela condenado pela Sinagoga Portuguesa de Amsterdam) que nos deixou a sua célebre afirmação: Deus sive natura. 


Os caldeus, na antiga Mesopotâmia, alinham-se entre os primeiros povos a estruturar a matéria astrológica. Desde logo, associaram o signo de Câncer ao caranguejo, no que foram seguidos pelos gregos. Os acadianos, do mesmo país, deram ao signo o nome de O Portão Norte do Sol (mês de Dazu). Como Porta dos Homens (entrada das almas no plano da matéria), os pitagóricos, os órficos e o platonismo assim o conheceram. Na Índia védica, o nome do signo é Kataka. 


AS  TENTAÇÕES  DE  SANTO  ANTÃO 

Desde a mais remota antiguidade, o caranguejo sempre apareceu simbolicamente ligado à Lua porque, como ela, tem uma marcha hesitante, podendo caminhar para a frente e para trás. Por causa de sua marcha retrógrada, em algumas tradições, o caranguejo é considerado como um símbolo da infelicidade, de malefícios. De outro lado, positivamente, o caranguejo sempre foi usado em cerimônias mágicas para provocar chuvas. Ao mesmo tempo, em virtude de seu aspecto repugnante, por causa de suas pinças e de sua carapaça, a "armadura dos demônios", ele foi considerado como uma criatura diabólica. É por essa razão que figura em As Tentações de Santo Antão (tela pintada por Hieronymus Bosch), este considerado como o fundador do monasticismo ocidental. A reputação maléfica do caranguejo é atestada em muitas tradições e se deve naturalmente à sua relação com a Lua, o que é explicado pelo fato de que ambos, a Lua ele, pelo seu caminhar vacilante, dão a impressão de que estão retrocedendo. Nesta perspectiva, o crustáceo e o signo, regido pela Lua, lembram sempre a involução, a indeterminação, a ameaça do caos. 


HÉRCULES  E  A  HIDRA  DE  LERNA

Na mitologia, o caranguejo foi colocado entre as constelações zodiacais em reconhecimento aos serviços que prestou à deusa Hera. Quando do mortal combate que travou Hércules contra a Hidra de Lerna (8º trabalho), o caranguejo foi enviado por Hera para auxiliar o monstro de nove cabeças; Hércules, como se sabe, num tremendo combate, conseguiu submeter a Hidra e matar o caranguejo. 


CARANGUEJO
Enquanto animal aquático, o caranguejo se relaciona com as águas originais, primordiais, não as águas regeneradoras, simbolizadas por Escorpião, outro signo ligado à água, nem as águas que tudo dissolvem, purificadoras, diluvianas, do signo de Peixes, do mesmo elemento. A água em Câncer se apresentas como água original, o que nos leva a associá-la analogicamente ao líquido amniótico, ao leite materno e à seiva vegetal. A água canceriana tem relação com valores que representam a intimidade, a interioridade, lembrando a vida nascente nas suas mais variadas expressões: fontes, regatos, brotos, ervas novas, germes, ovos, fetos, embriões, botões, manifestações que, em grande parte, sempre entram na vida devidamente protegidas por meio de cascas, revestimentos  protetores, carapaças. É por isso o signo de Câncer é conhecido como o "signo do meio", pois nele se faz a passagem do informal ao formal.  

HIPÓCRATES
Em grego, caranguejo é karkinos, cancer, em latim. Hipócrates, o pai da medicina, deu o nome do crustáceo a certos tumores, fazendo uma analogia entre as patas do animal, a sua movimentação e a proliferação anárquica, incontrolável e incessante de células no corpo humano, a partir do referido tumor, proliferação esta capaz de gerar metásteses, que poderão continuar ativas mesmo após a sua retirada cirúrgica.