terça-feira, 27 de maio de 2014

MITOLOGIAS DO CÉU - VÊNUS (4)


AFRODITE   (VÊNUS - BRONZINO)

Sem se desligar da sua profunda relação com Adônis (mito já abordado), Afrodite, dando vazão à sua natureza de deusa do amor, nunca deixou de se aproximar de muitos deuses e mortais. De uma rápida união com Hermes, que a desejara desde que a vira presa à rede de Hefesto, teve Hermafrodito, que ela deixou sob os cuidados das náiades numa gruta do monte Ida para ser por elas educado.

HERMES   (FÍDIAS)

Jovem de extraordinária beleza, Hermafrodito, quando chegado o momento de sua dokimasia (espécie de provas a que se submetiam os jovens para ingressar na vida adulta), pôs-se a percorrer o mundo. Passou pela Lícia, pela Cária e por outros lugares.
NÁIADE  (JOIA,  INÍCIO SÉCULO XX)
Regressando à terra de origem, fixou-se em Halicarnasso, na Ásia Menor, indo viver perto da fonte Sálmacis. Uma das ninfas, uma náiade, homônima da fonte, vendo-o, apaixonou-se perdidamente por ele. Ele, como nos conta o mito, repeliu-a. Certo dia, quando, despido, se preparava para mergulhar no lago, Sálmacis, a ninfa, abraçou-se a ele, cobrindo-o de beijos, descendo ambos enlaçados à profundeza das águas, pedindo ela aos deuses que jamais os separassem. Os imortais, diante de tão grande amor, a atenderam. Os dois corpos fundiram-se num só, surgindo assim um novo ser na natureza. Sálmacis era uma ninfa que, embora fazendo parte do séquito da deusa Ártemis, como uma de suas ursinhas, ao invés de uma vida ativa nos campos, rios e nas fontes, preferia se entregar à luxúria e ao ócio.



HERMAFRODITO  E  SÁLMACIS

Metade macho, metade fêmea, a voz sem timbre viril, voz de contratenor, os membros sem vigor, Hermafrodito pediu a seus pais que fosse transformado num ser  semivir (homem pela metade) todo aquele que se banhasse nas águas da fonte Sálmacis e convertido inclusive num impotente (mollescat). Os cultos a Hermafrodito foram introduzidos na Hélade por volta do séc. V aC e a esse aspecto do mito do filho de Hermes e de Afrodite já nos referimos anteriormente (uma tentativa de se “imobilizar” o Hermes dos sofistas; o conflito das ideias platônicas com a destes filósofos).


HERMAFRODITO  ( MUSEU DO LOUVRE)

Hermafrodito foi também a princípio, isto é, na sua origem, muitas vezes considerado como um aspecto viril da deusa Afrodite. O mito provinha da Ásia Menor e chegou à Grécia através da ilha de Chipre. Afrodite, como acontece com muitas outras Grandes-Mães asiáticas, parecer ter sido representada inicialmente, devido à ascendência que tinham sobre a energia masculina, com uma espécie de órgão fálico interior, representando esta imagem uma sigízia fundamental. Seria algo assim como se seu animus passasse a ter vida independente, um aphroditus, uma divindade barbuda, com seios de mulher. Lembre-se que em tempos muito remotos havia em Chipre um culto a uma Afrodite Barbuda.


O BANQUETE DE PLATÃO  ( FEUERBACH)

Chegando a uma androgenia terminal, pela mistura dos componentes masculino e feminino, a figura de Hermafrodito vai pouco a pouco se mitificando, tornando-se filho dos mencionados
HERMAFRODITO  (ALQUIMIA)
deuses. Lembramos que depois de um longo esquecimento, o tema do Hermafrodito só foi reaparecer no Renascimento, num contexto amplamente influenciado pelo diálogo O Banquete, de Platão, com as importantes contribuições do Hermetismo e da Alquimia, contexto no qual ele é considerado como um par de opostos confundidos. O tema ganhará maior impulso quando o movimento artístico a que se deu o nome de Simbolismo o elege como uma de suas principais motivações.


Quem fixou o mito de Hermafrodito no mundo antigo foi Ovídio, nas suas Metamorfoses (Livro IV), no início da era cristã. Desde então, abordado ou usado de modo perfunctório ao longo dos séculos, o mito navegou à margem das grandes correntes artísticas e literárias. Só cerca de mil e seiscentos anos mais tarde, no início do séc. XVII (1605), ele foi retomado na França para nos ser oferecida, ainda que pouquíssimo conhecida, uma das mais curiosas obras literárias sobre o tema, intitulada L´isle des hermaphrodites nouvellement descouvert, avec les moeurs, loix, costumes et ordonnances des habitants de cette isle, também chamada tout court pelo nome de Les Hermaphrodites.




Não fixada em lugar nenhum, ilha vagabunda (no que lembra as ilhas Simplégades e a ilha de Ortígia da mitologia grega), ela abrigava uma sociedade que prestava culto a três divindades, Baco (Dioniso), Vênus (Afrodite) e Cupido (Eros). Mais da metade desta obra, escrita por Thomas Artus  (pseudônimo?),  sieur d´Embry,  se dedica ao relacionamento de todo o sistema legal da ilha e aos regulamentos que comandavam a convivência de todos os seus habitantes,  nos  seus  variados  aspectos.     Inscrito nos cânones do
barroco, com lances maneiristas, o texto é muito rico enquanto através dele podemos identificar uma descrição satírica da corte do efeminado Henri III, filho da italiana Catarina de Médicis, e do alegre séquito de jovens aristocratas que o acompanhava, chamados de mignons. Para uma melhor compreensão do que foi a corte de Henri III, muito útil (evidentemente, para os mais interessados) o filme La Reine Margot (irmã de Henri III), de Patrice Chéreau, de 1994, com Isabelle Adjani e Daniel Auteuil (fig. acima), baseado num livro de Alexandre Dumas (roteiro de D.Thompson e de P. Chéreau).

Sobre a ilha dos hermafroditas, um dos melhores textos que temos sobre ela é o de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi no seu espantoso livro Guide de Nulle Part et d`Ailleurs (a melhor edição é a francesa). Dizem os autores que a ilha vagabunda passeava ao largo do porto de Lisboa; seus habitantes falavam latim e atribuía-se ao deus solar assiro-fenício Heliogabalus a criação da república hermafrodita, uma “verdadeiro teatro ao ar livre” no qual eram
HENRI III
representadas o ano todo e por toda a parte peças inspiradas nos clássicos (O Rapto das Sabinas, Artaxerxes e sua Filha, Acteon Devorado pelo seus Cães etc.). A arquitetura era helenística, decorada com ouro e esmalte, com colunas ao longo das ruas. A divisa da república era A Tous Accords. Os autores favoritos eran, dentre outros, Ovídio, Catulo e Propércio. Estas informações foram retiradas do texto de Thomas Artus que serviu de suplemento do Journal de Henri III (Cologne, 1724).


   
Além dos simbolistas que se voltaram para o tema no séc. XIX, não podemos esquecer de Balzac e do fotógrafo Nadar, ambos sempre interessados por temas extraordinários. Referência especial a Balzac, que, com Sarrasine, nos apresenta uma leitura sobre a estética do hermafroditismo, fazendo ele com esse romance, em termos de gênero literário, uma transição para o chamado romantismo tardio, algo decadentista.  

No mundo grego, o hermafrodito, aquele que nascia com uma conformação anormal de seus órgãos sexuais, sempre era objeto de horror, de repugnância. Quando nascia uma criança com
ANDRÓGINO  (NUREMBERG)
os sinais de hermafroditismo (o que era raríssimo, mas possível), toda a comunidade se sentia ameaçada pela cólera divina. O mito do hermafrodito liga-se evidentemente à temática da integração do masculino e do feminino. Num sentido filosófico, ele repete a do andrógino, evocado por Platão: a dupla natureza humana, masculina e feminina original dos seres humanos e depois a separação dos sexos pelos deuses, invejosos diante de uma tal concentração de poder. Por isso, o andrógino era muitas vezes representado pela figura alada, simbolizando-se assim a integração da matéria e do espírito.


Lembremos, por outro lado, sob o ponto de vista astrológico, que a figura  do  andrógino  aparece  muitas  vezes  associada ao signo de
Aquário, sendo usada para representá-lo um ser angelical de natureza fluida, etérea, volátil, transparente. Essa figura sugere sempre uma ideia de desapego, de rompimento com as ligações terrestres, uma ideia de emancipação, de elevação. Não é por acaso que uma das figuras mais usadas para representar o signo de Aquário seja justamente a do anjo, um ideal da sublimação da vista instintiva, na medida em que suas asas se contrapõem simbolicamente, sob um aspecto positivo, transcendente, às de alguns seres alados ligados ao mal, como serpentes e dragões.

A Hermes sucedeu Dioniso na relação amorosa com Afrodite, nascendo então Príapo, a grande divindade da cidade asiática de Lâmpsaco. Deus fálico, protetor dos jardins, Príapo é divindade muito ligada às populações da Ásia Menor. Era também ele guardador das videiras, tendo como atributo essencial o desvio do mau-olhado (função apotropaica), protegendo as plantações dos que desejavam destruí-las.


OFERENDAS  A  PRÍAPO

Príapo sempre apareceu ligado aos ruidosos cortejos de seu pai, sendo muito grande a sua semelhança com os Sátiros e Silenos, aparecendo geralmente na companhia de um asno, seu animal de estimação. Vivia a perseguir as ninfas; teve um famoso caso com uma delas, chamada Lótis. O nome desta ninfa é derivado de lotos, aplicado a diversos vegetais da África, do Egito principalmente, e a uma planta com cujo caniço se fabricavam flautas.


PRÍAPO  E  LÓTIS  (PARMIGIANINO)

Há uma outra história sobre Príapo que aparece como variante importante sobre a sua origem. Consta que Hera agrediu Afrodite com um soco no ventre, quando a deusa do amor
HERA
estava grávida de Príapo. Isto se deveu ao fato de que o pai, segundo tal variante, seria Zeus e não Dioniso. Esta hipótese é bem defensável se considerarmos que Zeus sempre foi conhecidíssimo pelo seu tremendo furor erótico. Hera temia que a criança nascesse com a beleza da mãe e com o poder paterno, um ser que evidentemente poria em perigo a vida dos mortais como poderia desestabilizar a vida amorosa do próprio Olimpo.

   
O asno, lembremos, é uma imagem da obscuridade, um animal de tendências satânicas, como no-lo apresentam muitas tradições. Seria uma espécie de contrafação diabólica do cavalo, a razão pela qual, ao longo dos séculos, a arte o representou muitas vezes demônios e monstros com orelhas de asno. Na Índia, por exemplo, as divindades infernais e outras, de caráter sinistro, se servem dele como montaria. Sua imagem, no Egito, associa-se a Seth, personificação do mal, que toma a forma do maior dos monstros da sua mitologia, o pavoroso Apofis, o devorador do Sol. 

No mundo greco-romano, o asno, em alguns cultos, gozava, pelo contrário, de uma reputação favorável, como acontecia em Delfos, onde era sagrado, pois “conhecia tudo, ouvia tudo”, devido às suas enormes orelhas, associado sempre, por isso, à profecia. Era comum a prática da kephalomancia no mundo greco-latino, inclusive entre os germânicos: a cabeça de um asno era colocada sobre carvões em brasa, recitando-se preces e pronunciando-se o nome de criminosos suspeitos de um assassinato. Quando enunciado um nome, se os maxilares do asno se aproximassem, isto significaria um indício de culpa.

Para recompensar Poseidon, que tanto a ajudara quando do seu affaire marciano, Afrodite teve com ele uma relação amorosa, da qual nasceu Erix (etimologicamente, repelir, afastar), um herói que
ERICINA
deu nome a um monte na Sicília, em cujo pico foi levantado um templo em homenagem à deusa. Afrodite, por essa razão, era muito conhecida na Trinácria (Sicília) pelo nome de Ericina. Erix, segundo o mito, teria sido adotado, depois de nascido, pelo argonauta Butes. Dentre todos os argonautas, como se sabe, Butes foi o único seduzido pelo canto das Sereias. Os demais nem chegaram a ouvir as “cruéis” sedutoras, tão encantados que ficaram com o canto de Orfeu. Butes foi entretanto salvo por Afrodite, que o levou para a Sicília.



AFRODITE  E  ANQUISES

Não podemos deixar de mencionar também dentre os mortais favorecidos por Afrodite o pastor Anquises (etimologicamente, o curvo, o de braço torto). Certo dia, quando apascentava os seus animais, Afrodite notou o belo pastor e desejou amá-lo. Apresentando-se disfarçada, a deusa, seduzindo-o, entregou-se a ele. Logo depois, revelando a sua natureza divina, disse-lhe lhe daria lhe um filho, mas o proibiu de revelar a quem quer que fosse o fato. Informou mais a deusa a Anquises que o filho que teriam estaria destinado a fundar um império que não teria fim. Anquises, porém, certo dia, embriagado, vangloriou-se de ter feito amor com uma deusa. Imediatamente foi punido, perdendo a visão, segundo uns, ou perdendo o movimento de um lado do corpo, conforme outros. 

Até os quatro anos, Eneias (etimologicamente, temível), o filho de Anquises e de Afrodite, permaneceu nas montanhas, sendo depois entregue à família real de Troia e por  ela educado. Nas batalhas que gregos e troianos travaram, Eneias sempre demonstrou uma comedida coragem, considerado um valente, mas nunca podendo ser comparado a Heitor, o mais valente dos troianos.


AFRODITE, O MÉDICO E ENEIAS FERIDO 

Na primeira parte de sua vida (período troiano), Enias, embora tenha se comportado como um bravo, participando de grandes combates, procurou sempre manter uma atitude de respeito com relação ao seu métron. Jamais se excedeu; por outro lado, contou com decidida proteção dos deuses (Afrodite, sua mãe; Poseidon, Ártemis e outros). Pode-se mesmo dizer que na crônica troiana de Eneias não há muito a ressaltar com relação a seus feitos guerreiros. Na luta contra os aqueus, apesar da sua coragem, há sempre um milagre que o salva das situações perigosas. Este é o que chamo de “o primeiro Eneias”. Um herói que sempre se manteve afastado dos outros, um pouco deprimido, quem sabe, por não ser tão famoso quanto Heitor. Seu grande mérito, contudo, foi o de ter percebido que Troia seria arrasada pelos gregos (segundo alguns, teria recebido tal informação num sonho que os deuses lhe haviam enviado).

ENEIAS  E  ANQUISES
Quando da queda de Troia, Afrodite interveio, fazendo com que Anquises, já muito alquebrado e envelhecido, fugisse da cidade, amparado por seu filho. É neste momento que nasce o que chamo de o “segundo Eneias”. O poeta Vergílio (séc. I aC), no seu famoso poema épico Eneida, narra, ao longo dos seus doze cantos, toda a trajetória do nosso herói que, com alguns troianos, “guiados pela bússola do destino”, escapou para que se cumprisse a profecia materna. Quando os viajantes estavam perto da Sicília, Anquises morreu. Depois de passar por várias ilhas, Eneias deu com os costados na Líbia, ou melhor, no litoral de Cartago, onde reinava Dido.

Mais uma vez Afrodite interveio. Pediu a Zeus providências no sentido de que seu filho e acompanhantes fossem recebidos condignamente pela rainha. Assim aconteceu. Eneias foi acolhido por ela como um príncipe. Instalado no palácio, ele enviou alguns homens de seu grupo a Troia para que tentassem trazer seu filho, que lá ficara. Temendo os humores de Dido, Afrodite intercedeu, fazendo que os homens trouxessem, no lugar do filho, um jovem belíssimo, que outro não era senão o deus Eros incógnito, com a missão de fazer com que a rainha Dido se apaixonasse perdidamente por seu filho.

As artes de Afrodite surtiram efeito.                                   
O amor cresceu no   coração             
de Dido. Uniram-se como marido e mulher. Eneias, a essa altura, parecia ter se esquecido totalmente do destino que a mãe queria que ele cumprisse. Os deuses, entretanto, resolveram intervir. Agora foi Zeus a ordenar a Eneias que abandonasse a boa vida que Dido lhe dava e que partisse para assumir o seu glorioso destino. Dido tentou retê-lo por todos os meios. Não o conseguindo, suicidou-se, atirando-se numa fogueira. Eneias escapou com seus homens, retornando mais uma vez ao reino de Poseidon. Nascia aqui o terceiro Eneias.

Chegando a Cumas, na Itália, Eneias consultou a famosa Sibila que lá vivia. Seu destino foi confirmado por ela. Ela, inclusive, acompanhou nosso herói ao Hades, onde ele viu os gregos e troianos mortos; viu as almas que, quando encarnadas, tomariam parte na história do império que iria fundar; viu desde os primeiros reis até Augusto. Diante dessa visão, nosso herói soube que o reino de Príamo floresceria de novo na terra prometida.


ENEIAS  E  A  SIBILA

Retornando ao mundo dos vivos, Eneias estava preparado para se tornar o grande ancestral do genus latinum, da raça latina. Nesta nova condição, sem a proteção dos deuses, travou grandes combates contra os aborígenes, os rútulos. As vitórias se sucederam. Casou-se com Lavínia, noiva de Turno, rei dos rútulos, por ele vencido, consagrando-se definitivamente como o rei das novas terras.

O poema de Vergílio termina aqui. Mitógrafos e poetas, posteriormente, falam da fundação de Roma pelo próprio Eneias, que não teria terminado a sua vida como um mortal comum. Arrebatado pelo deuses, durante uma tempestade, passou a viver eternamente entre eles. 

Ao longo da sua história, o personagem Eneias, como se pode constatar, foi tomando forma, mudando. De um homem a princípio hesitante, não muito seguro, chegou ao final de sua vida à consagração heroica. A princípio, parecendo titubeante,  acomodado aos favores divinos e à boa vida que Dido lhe deu; ao final, um homem decidido, vencedor por seus próprios méritos. De uma cria de Afrodite a herói fundador do maior império que a Terra já conheceu. A história de uma autoconquista.


PIGMALEÃO  (PAUL  DELVAUX )

Outro mortal que recebeu os favores de Afrodite foi Pigmaleão, segundo o mito (Ovídio), escultor e rei de Chipre. Por não encontrar na ilha, então muito famosa por suas prostitutas, uma mulher que julgasse digna de seu amor, pediu a Afrodite que lhe pusesse no caminho uma mulher tão bela e elegante como a que esculpira. A deusa o atendeu, animando a estátua, uma belíssima mulher a quem Pigmaleão chamou de Galateia. Teve com ela um filho, Pafos, fundador da cidade cipriota de mesmo nome. 

Uma referência interessante a este mito foi o uso que dele fizeram alguns psicólogos americanos (Robert Rosenthal, Lenore Jacobson e Robert K.Merton). Trata-se do chamado “Efeito Pigmaleão” (também chamado Rosenthal) que consiste num realinhamento da realidade conforme as nossas expectativas. Esta tese (Efeito Pigmaleão) apareceu na pedagogia americana através de um estudo sobre o modo pelo qual as expectativas positivas dos professores afetavam o desempenho dos alunos. Professores que tivessem uma visão positiva dos alunos tenderiam a estimulá-los, ajudando-os a obter melhores resultados. De outro modo, o “Efeito Pigmaleão” nos diz que se tivermos expectativas negativas sobre os outros, não acreditando neles ou neles não achando nada de favorável, de positivo, é quase certo que colheremos dessas pessoas o pior. Se procurarmos trabalhar com expectativas positivas, os resultados serão sempre mais favoráveis. Para possíveis considerações astrológicas, deixo aqui o registro de como alguns psicólogos interpretaram o mito de que ora tratamos.

Na literatura, quando mencionamos Pigmaleão, torna-se obrigatória a referência ao escritor de língua inglesa George Bernard Shaw (1858-1950), irlandês, satírico, virulento, dramaturgo, crítico musical, autor, dentre outros textos teatrais, de Pygmalion (1912).
Com base nesse texto de Shaw, em 1964 foi lançado (USA) o filme My Fair Lady, sob a direção de George Cukor, com Rex Harrison e Audrey Hepburn nos principais papéis. O filme conta a história de uma mendiga (Eliza Doolittle) que vende flores nas ruas escuras de Londres. Numa noite, Eliza conhece um professor de fonética (Henry Higgins), um expert em descobrir muito sobre as pessoas apenas através de seu sotaque. Quando ele ouve a horrível pronúncia (cockney) de Eliza, aposta com um amigo que será capaz de transformar aquela simples e ignorante vendedora de flores  numa dama da alta sociedade londrina em apenas seis meses.  

O culto de Afrodite estendeu-se por todo o mundo antigo, seus templos e altares eram encontrados nas mais distantes colônias gregas. Suas principais festas foram as Adonias, as Anagogias, as Catagogias e as Afrodísias. Nas festas celebradas em sua honra  não se imolavam vítimas; seus altares jamais foram manchados pelo sangue. Grande parte do seu culto era constituído pela prostituição sagrada (hierodulia).


PROSTITUIÇÃO  SAGRADA

A palavra hierodulia é formada por duas, sagrado (hieros) e escrava (doulé). Assim, hierodula era a mulher que prestava serviços sexuais aos adoradores da deusa. Por estar esta atividade vinculada aos templos de Afrodite, as prostitutas eram sagradas. É de se lembrar, porém, que desde a antiga Mesopotâmia e em todas as civilizações que a adotaram religiosamente a prostituição sagrada ou templária era muito diferenciada da profana.

As meretrizes sagradas eram sacerdotisas cuja atividade estava relacionada com cultos da fertilidade, das deusas da procriação e do amor. Entre tantas divindades do mundo oriental não podemos esquecer de Ishthar-Inana, deusa do amor e do comportamento sexual; de seus rituais de adoração constavam o transsexualismo, o travestismo e  homossexualidade de ambos os sexos. Inscrições cuneiformes e imagens de Ishthar descrevem histórias da deusa como “Rainha do Céu e da Terra”, “Estrela da Manhã”, falando-nos dela como hierodula.

Lembremos que a prostituição secular e a sagrada aparecem mencionadas na Bíblia. Em Israel, as prostitutas se expunham em lugares públicos e se vestiam de modo peculiar (adornos, maquiagem etc.) para que fossem facilmente reconhecíveis. Embora  consideradas socialmente inferiores às outras mulheres,  eram admitidas na sociedade hebraica.

AFRODITE  PUDICA
Na Grécia, a distinção entre a Afrodite Urânia (Celeste) e a Afrodite Pandêmia (Popular, A de Todos) parece ter surgido no séc. V aC, com Platão, e depois muito usada pelos neoplatônicos para representar, a primeira, conforme o caso, o amor espiritual, lícito ou matrimonial, enquanto a outra representaria o amor físico, desregrado, prostituído. Na origem, a Afrodite Pandêmia representava a união dos povoados (demos) em um só corpo político, dando forma à polis ou à reunião destas em megalópolis. Nesta primeira representação política, associava-se muito Afrodite à deusa Peithó (Persuasão), que os latinos chamaram de Suadela. A adoração de Peithó, relacionada  a Afrodite, foi introduzida em Atenas, segundo o mito, por Teseu, no período em que ele promoveu a reunião dos vários demos e tribos da Ática. Aos poucos, já no período clássico da história grega, a deusa, como Afrodite Pandêmia, passou também a ter relação com o amor homossexual masculino. Afrodite era pouco cultuada pela elite grega ateniense, aristocrática. Era, pejorativamente, chamada de a “Oriental”, sinônimo de prostituta no caso, e de Vulgar ou Promíscua (Chidaios). Apenas nos bairros populares da cidade, perto da Ágora, era honrada, num templo edificado com dinheiro fornecido pelas próprias prostitutas.

A Afrodite Urânia era muitas vezes representada nua ou seminua envolvida por véus. Um de seus pés se apoiava numa tartaruga. Este animal era aqui uma representação da força tranquila e da resistência a todos os ataques. Emblema do silêncio e da introspecção, representava a tartaruga neste contexto a vida que se recolhia, reserva silenciosa que se interiorizava, que se voltava para dentro de si mesma, indicando que a vida matrimonial era algo a ser preservado, não exposto, lembrando-se sempre que conflitos conjugais deveriam ser tratados com a máxima discrição. Ao que parece, o primeiro a representar Afrodite desse modo foi Fídias, o genial escultor grego. Do culto da Afrodite Urânia, lembre-se, o vinho estava inteiramente excluído. A Afrodite Pandêmia aparecia às vezes associada ao carneiro. O escultor Scopas imortalizou-a nesta forma, mostrando-a montada nesse animal. As implicações astrológicas desse dois animais, tartaruga e carneiro, nas representações da deusa são evidentes.

 Em  Atenas,  só  os  poetas populares e cômicos compunham versos
sobre a deusa. Entretanto, nos momentos de grande perigo, como no caso das lutas contra os persas, o governo da cidade não teve nenhum problema em conclamar as prostitutas da cidade para que, com as suas preces, pedissem a proteção de Afrodite a fim de se afastar a invasão inimiga. Mesmo um poeta como Píndaro, extremamente religioso, celebrou a proteção da deusa em vitórias olímpicas de atletas.

AFRODITE  CALIPÍGIA
Dentre os vários apelidos de Afrodite, destacamos: Akidalia - a das fontes; Akraia - a do alto das montanhas (Acrocorinto); Ambologera - a que afasta a velhice - Antheia - a que faz brotar as flores; Apatouria - a enganadora; Apotrophia - a que satisfaz, acalmando os desejos masculinos, depois de tê-los atendido; Hetaira - a prostituta; Kalipigia, a de belas nádegas; Despoina, a déspota; Hekaerge - a que atinge à distância; Leminites - protetora dos portos; Melaina - a negra; Androphona - a destruidora de homens.
  

Afrodite chegou ao mundo grego como deusa da beleza, do amor sexual, da vida social, da sedução, da sensualidade, da harmonia e do sentido interno de equilíbrio que se manifesta como charme, calor, intimidade. Ela confere mobilidade ao espírito, leveza e agilidade às faculdades mentais, aos reflexos, savoir-faire, imaginação e capacidade de compreensão. 
                       Como tal, Afrodite   sempre representou  socialmente     um grande                   poder civilizador, o    desejo de
beleza e de cultura de uma civilização. É muito difícil para as três grandes religiões monoteístas, ainda presentes no mundo atual, que consideram o sexo como uma concessão à vida instintiva, entender o papel educador e civilizador da deusa. As três religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo) sempre, na realidade, excluíram o princípio feminino, associando-o ao mal ou, quando muito, o tolerando-o hipocritamente. 

Já se disse que a beleza de Afrodite ultrapassa aquilo que simplesmente agrada aos olhos. Ela é muito mais que perfeição formal, que contacto sexual ou aquilo que agrada aos sentidos. A beleza de Afrodite não é espontânea, ela pede trabalho, cultivo, pede equilíbrio entre a espontaneidade e a prática diuturna, algo semelhante ao trabalho de um jardineiro para se obter aquela beleza que se situa entre o material e o espiritual. Além do mais, Afrodite está, ao contrário de deuses como Palas Athena e Apolo, ao lado do efêmero, das artes que embelezam a vida, o cotidiano. Nada dela é produzido para passar à História, mas, sim, é feito para ser consumido aqui e agora. São de Afrodite os jardins, os perfumes e os odores agradáveis, os enfeites, as joias, os tecidos, as roupas, a estética corporal e ambiental, as boas maneiras, a arte da boa mesa e a correta escolha das bebidas. Uma das mais famosas punições impostas pela deusa consistiu em tornar malcheirosas as mulheres
de Lemnos que a haviam ofendido. Afrodite “não entende”, por exemplo, porque retirado da terra o ouro tem que ser guardado em cofres, como valor econômico. Pior ainda é o que ocorre em algumas sociedades nas quais as joias que com ele se fabricam não podem ser usadas diante do perigo de roubo que oferecem. Para Afrodite, o entesouramento do ouro é patológico. Afrodite pede que ele seja liberado, tornado visível, ostentado, como acontecia nas antigas sociedades orientais da Ásia Menor, inclusive entre os judeus (vide neste blog Os (Des)Caminhos da Sedução).

Nas mais diversas religiões, os homens santos que desejaram se aproximar do divino foram obrigados a se afastar da mulher. Por isso, foram inventados os anjos, seres desprovidos de qualquer sexualidade. A ideia das religiões é a de que os homens santos devem evitar as mulheres e menosprezar o corpo. O prazer sexual e a alegria de viver conduziriam à danação. O combate do cristianismo a Afrodite foi (é) insano. No mundo cristão, homens como Francisco de Assis, por exemplo, tiveram que se realizar sexualmente fora das instituições eclesiásticas. As palavras de São Paulo (Primeira Epístola a Timóteo) são bastante esclarecedoras: Que a mulher aprenda em silêncio, com total submissão; não permito a ela que ensine (nada), nem que tenha autoridade sobre o homem, mas (sim) que permaneça em silêncio. Bendizer a morte, evitar as mulheres e menosprezar o corpo são atitudes que possibilitarão a alguém se tornar santo nas religiões monoteístas. O prazer sexual e a alegria de viver levarão ao Inferno. 

    A maior experiência que se fez no mundo grego no sentido de se
alcançar a plenitude quanto aos ensinamentos de Afrodite nós a encontramos, historicamente, na ilha de Lesbos, com Safo (aproximadamente entre 620-570 aC), poetisa, superiora de uma escola semirreligiosa na qual se preparavam mulheres para se expressar através da arte, da música, da dança, consideradas essenciais para se viver uma vida de qualidade.


AMOR HOMOSSEXUAL MASCULINO  (CRATERA  GREGA)

Aqueles (estudiosos) que insistem em qualificar Safo de lésbica, pregadora do amor homossexual feminino, deveriam fazer o mesmo com a “obra” de Sócrates, o filósofo da pederastia, e com a obra de Platão, de modo especial com o seu Simpósio, um grande ensaio sobre o amor homossexual. A proposta de Safo tem, ao contrário das de Sócrates e de Platão, estas inquestionavelmente masculinas, um caráter feminino, universal. O Eros de Safo usava as mesmas palavras para designar (a) o amor entre duas mulheres, (b) o amor entre homens e mulheres e (c) o amor entre mãe e filho. Já o Eros que inspirava os mencionados filósofos patrocinava apenas o amor homossexual masculino. Afrodite e Safo levaram a sua influência tanto ao mundo masculino como feminino. O lesbianismo de Safo parece ter sido muito mais do que uma fixação homossexual; foi, acima de tudo, uma recusa a admitir apenas uma preferência sexual.

Não se pode esquecer que a filosofia platônica procurou por todos os meios diminuir a presença de Afrodite no mundo grego. Platão introduziu uma hierarquia entre os padrões corporal e espiritual. Sua proposta era a da submissão de Dioniso a Apolo, tornando-se, por isso, o Eros dos filósofos uma forma de amor superior à de Afrodite. A partir destas colocações platônicas, as relações entre os homens e as mulheres começaram a assumir a forma que têm até hoje. O corpo da mulher deixou de ser um dos caminhos para o sagrado e o amor de uma mulher passou a ser considerado um obstáculo para se chegar à espiritualidade.


DIONISO


Muitos helenistas modernos, adotam o preconceito platônico ao considerar que Afrodite não representa uma forma de amor superior porque dele não está excluído o sexo. Muitas mulheres que estão presas hoje a um casamento “normal”, de natureza heterossexual, portanto, não exercem quase nenhuma influência sobre seus maridos. O homem, nesse tipo de casamento, se orienta normalmente para uma carreira profissional, preferindo se fixar muito mais nas exigências dessa carreira, na sua ascensão no mundo do trabalho, na competição sob as mais variadas formas, do que nas atenções que a vida amorosa exige. Grande parte das esposas, muitas vezes com surpresa, descobre cedo que seus maridos investem muito mais no trabalho profissional e em tudo o que lhe seja correlato do que na vida matrimonial.



Tudo isto nos permite afirmar que há hoje no mundo uma homossexualidade psíquica tão grande ou mesmo maior que a homossexualidade física. Grande parte dos homens afirma hoje os seus sentimentos de virilidade tão só pela competição e por uma grande relacionamento masculino. A competitividade e a ambição masculinas (e femininas) no mundo moderno atualmente vem excluindo Afrodite, cada vez mais, já que o tempo dedicado ao trabalho, de um modo geral, esgota as energias vitais totalmente, sobrando pouco ou nada restando mesmo para Afrodite.