segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

CREPÚSCULO DOS DEUSES*


                   
O título do filme em inglês é Sunset Boulevard, nome de uma longa avenida de Beverly Hills, em Los Angeles, Califórnia, bairro de mansões suntuosas, com grandes jardins, árvores, muros altos, onde viviam as grandes estrelas do cinema americano nas primeiras décadas do século XX. Ao todo,  são 38 km. que se estendem desde Los Angeles downtown até atingir a costa do Pacífico. A mansão, cenário do filme, foi construída em 1924 por William Jenkins, tornando-se depois residência de Jean Paul Getty, segunda mulher de um multimilionário americano do petróleo, que a alugou aos estúdios da Paramount para a realização do filme. Passou por isso o imóvel a ser conhecido como a Desmond Mansion, nome da grande estrela que no filme a possuía, Norma Desmond. 


DESMOND   MANSION

Sabe-se que, na realidade, a Mansão Desmond, cenário do filme, não estava situada no charmoso boulevard de nome Sunset, mas em outro endereço, tendo sido demolida mais tarde.  Para a realização do filme, foram necessárias algumas modificações no prédio original, construindo-se especialmente a piscina, onde é encontrado o cadáver de Joe Gillis (Wiliam Holden), que explorava a principal personagem do filme, a antiga estrela Norma Desmond.  


JOE    GILLIS


O filme é de 1950, classificado como um drama noir, dirigido por Billy Wilder. No roteiro trabalharam, além de Wilder, Charles Brackett e D.M.Marshman Jr. No elenco principal: William Holden (Joe Gillis), Gloria Swanson (Norma Desmond), Erich von Stroheim (Max von Mayerling), Nancy Olson (Betty Schaeffer). Aparecem também no filme, como personagens reais, dentre outros, o diretor Cecil B.DeMille (então dirigindo Sansão e Dalila), Hedda Hopper (famosa e venenosa colunista de Hollywood), Buster Keaton (gênio do cinema cômico americano), Mabel Normand (atriz do grupo de Mack Sennett) e H.B.Warner (dos estúdios Warner).

O papel de Norma Desmond foi oferecido inicialmente a Mae West, a Mary Pickford e a Pola Negri. O convite à primeira tenha sido motivado talvez  porque ela, como a personagem do filme, Norma Desmond, mantinha em casa macacos como pets, qualificativo que os norte-americanos dão a animais de estimação. No mais, ela se declarou impedida quanto à aceitação do papel de Norma Desmond, pois tinha "apenas" 55 anos. Mary Pickford foi descartada porque exigiu de Wilder muitas mudanças no roteiro para aceitar o papel. Depois de muitas conversações, Pola Negri e Mae West acabaram abrindo mão do convite. Outra que, convidada, não aceitou ser Norma Desmond foi Greta Garbo, que, ao tempo, estava muito ligada a Rouben Mamoulian, diretor do filme Golden Boy, que, em 1939, havia aberto as portas do estrelato para William Holden. Acabou prevalecendo, segundo a versão mais confiável, a indicação feita por George Cukor, assumindo o papel Gloria Swanson. Quanto ao principal papel masculino,  sabe-se que Montgomery Clift e Fred MacMurray chegaram a ser sondados para assumi-lo, mas acabaram desistindo. 

Desde as suas filmagens, Sunset Boulevard foi considerado um filme noir, um dos mais representativos até hoje realizados no gênero. É por essa razão que  em cursos de cinema, nos USA e na Europa, Sunset Boulevard é usado para ilustrar as principais características dessa maneira de fazer cinema, que tem a ver tanto com aspectos temáticos como de linguagem cinematográfica. Os elementos de um filme noir são muito variados, a começar pela atmosfera que o envolve, definida principalmente pelo seu tom (mood), depressivo, escuro, razão pela qual muitos o consideram mais como um estilo visual do que um gênero.


PAUL    SCHRADER
O filme noir é, porém, mais que um estilo. Num texto de Paul Schrader, Notes on Film Noir, encontramos algumas observações sobre os pontos em comum que muitos desses filmes apresentam. Por trás do filme noir estão os estragos que a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) produziu de modo furtivo mas profundo na sociedade americana. Apesar de vencedores, os americanos “perderam a sua inocência” diante dos números de mortos e dos enormes prejuízos materiais contabilizados: mais de 50 milhões de mortos (26 milhões na URSS, 4,2 milhões na Alemanha, 2 milhões no Japão,  400 mil nos USA e 370 mil na Inglaterra).

Embora os americanos tivessem lucrado economicamente muito no pós-guerra, os estragos da guerra também se fizeram sentir na atmosfera social dos USA nesse período. O cinema de Hollywood acabou caminhando para territórios mais sombrios. Mesmo filmes não tão importantes, mas muito significativos sob esse aspecto, como Os Melhores Anos de Nossas Vidas e A Felicidade Não se Compra refletiram um certo desconforto e mal-estar com o qual a sociedade teve obrigatoriamente que se haver.
   
Por outro lado, o fim da segunda guerra mundial trouxe questões novas:  o início da era atômica e o clima de belicosidade criado entre os vencedores, russos e americanos, a chamada Guerra Fria, que se estendeu até a década de 1990. Interiormente, nos USA, notáveis os reflexos diretos decorrentes das grandes tensões criadas; a indústria cinematográfica, agora tendo que conviver com a presença cada vez mais incômoda da TV, reforçou os mecanismos de censura de ordem religiosa, moral (existentes desde 1930) e política (Comissão das Atividades Antiamericanas, de inspiração anticomunista, da qual participavam principalmente membros de organização pró-nazi americana chamada Bund e da famigerada Ku Klux Klan). 

Schrader, lembre-se, é um dos melhores roteiristas (depois diretor) do cinema americano.  Gosta de falar sobre as influências que recebeu, coisa rara entre diretores e técnicos que fazem cinema em
C. T. DREYER
Hollywood: Yasujiro Ozu, C.T. Dreyer e Robert Bresson, dentre outras, além da filosofia existencialista (Sartre). Tornou-se muito conhecido depois de ter feito o roteiro de Taxi Driver (1976), filme de Martin Scorsese. Está na ativa até hoje (2015) e dele destacamos Gigolô Americano (1980), Touro Indomável (1980), Mishima: Uma Vida em 4 Tempos (1985). Em 1982, fez um  ótimo remake do clássico Cat People, (Sangue de Pantera), de 1942, dirigido por Jacques Tourneur. Como diretor, realizou, dentre outros, The Auto Focus (2002), The Cannyons (2013) e The Dying of the Light (2014). 


Embora o cinema americano continuasse produzindo bobagens como os filmes de Lassie & Elizabeth Taylor e de Esther Williams,
ELIZABETH  TAYLOR  &  LASSIE
o depressivo clima do pós-guerra afetou bastante grande parte do público americano que frequentava o cinema e que agora tinha a TV à sua disposição, uma presença cada vez mais poderosa. Cresceu o desinteresse  pelas fantasias que Hollywood produzia para promover o american way of life. Acostumado ao realismo das notícias da guerra e do que via nas ruas, o público queria também um cinema  com gente e histórias que refletissem o seu dia-a-dia, com locações e tratamento cinematográfico  mais real.

  
Outra grande influência incorporada pelo filme noir americano foi a do expressionismo alemão, sobretudo sob o ponto de vista estético, trazido pelos diretores, músicos e cenógrafos que haviam, desde a década de 1930, fugido da perseguição nazista. Gestado no clima de crise material, espiritual e intelectual que na Europa se instalou depois de terminada a primeira guerra mundial (1914-1918), o expressionismo foi um movimento que alcançou a arquitetura, as artes plásticas, a literatura, a música, o teatro, a dança e o cinema.
O  GABINETE  DO  DR.  CALIGARI
Antes de tudo, porém, foi um movimento que procurou apresentar a realidade objetiva, coisas e acontecimentos, através das respostas subjetivas (sentimentos e emoções) que provocavam. Um dos marcos cinematográficos  iniciais dessa manifestação no cinema foi O Gabinete do dr. Caligari (1919), de Robert Wiene. Dentre os principais nomes que no cinema europeu, principalmente na Alemanha, se destacaram, temos além de Wiene, Pabst, Murnau, Fritz Lang e Wegener, todos eles, emigrados ou não, influenciariam bastante o cinema americano.


A influência expressionista se revelou principalmente pela fotografia e pela iluminação: criar áreas de sombra, zonas de obscuridade, utilização de  movimentos de câmera que, através de linhas oblíquas, verticais e horizontais, traduzissem o desequilíbrio dos personagens; muito explorados o foco profundo (profundidade de campo), as distorções visuais, a justaposição de elementos díspares, as composições desarmônicas, imagens obtidas através de espelhos, em escadas etc . Em Sunset Boulevard, esta maneira de filmar é muito explorada pela permanente sugestão de dúvida, de ansiedade, de suspeita e mesmo de perigo, que as imagens sugerem. 

Outra influência notável no filme noir americano é a da literatura policial, na tradição chamada hard-boiled, mais exatamente representada pelas obras de três expoentes desse gênero, Dashiel Hammet, Raymond Chandler e James M.Cain, que forneceram histórias para muitos desses filmes. Seus personagens, gente endurecida pela vida, tough guys, são heróis masculinos, de moral muito ambígua, que não se enquadram  nos padrões de normalidade da sociedade. Vivem em ambientes geralmente noturnos, à maneira das figuras Edward Hopper; são seres que perambulam pela noite, desde marginais até pessoas desorientadas, deprimidas, infelizes, atormentadas, invariavelmente passando-nos uma impressão de culpa talvez por algum erro ou crime cometido no passado. Não há por isso happy end (final feliz) no filme noir. É o caso de Joe Gillis, uma espécie de anti-herói, em Sunset Boulevard, que acaba assassinado por Norma Desmond não só porque pretendia abandoná-la, mas porque havia uma garota na jogada por quem ele acreditava ter se apaixonado.

Um ponto alto do filme é a fotografia de Jonh F.Seitz, naturalmente
JOHN   F.   SEITZ
em preto e branco e adequadamente sombria. Era tão grande o entrosamento entre o diretor e o fotógrafo que Wilder o autorizou, por exemplo, a registrar como bem entendesse a cena de enterro do chipanzé no início do filme. A filmagem do corpo de Gillis e a solução de um espelho no fundo da piscina, bem como o plano adotado para a ação policial,  é solução genial, que  eleva Seitz a níveis em que Gregg Toland, no passado, e mais recentemente Gordon Willis colocaram a fotografia no cinema americano. 



O filme tem como cenário de fundo a devastadora chegada do som ao cinema de Hollywood, tecnologia nova que liquidou com a carreira de muitos astros do cinema mudo. O seu argumento, como se disse, é retirado de uma história (nunca escrita, descobriu-se depois) de Billy Wilder e de Charles Brackett intitulada A Can of Beans (Uma Lata de Feijões). Uma das vítimas do fim das legendas do cinema mudo foi justamente a figura central do filme, antiga estrela, a diva Norma Desmond, que não conseguiu se 
NORMA    TALMADGE
adaptar aos novos tempos. Vivia ainda mergulhada nas glórias do seu passado, fechada na sua mansão, prisioneira da sua demência, com o seu fiel motorista, Max (Erich von Stroheim), num dos maiores desempenhos da história do cinema em todos os tempos. O nome Norma Desmond foi cunhado a partir de uma história real que envolveu a atriz Mabel Normand e seu amante William Desmond Taylor, sem que se chegasse a descobrir quem o assassinara. O Norma do nome da grande diva do filme veio de Norma Talmadge,  conhecida pelo seu glamour, atriz muito elegante, que se retirou quando seus filmes começaram a  dar prejuízos.

A trama (plot) mais evidente do filme, misturando realidade e ficção, se fixa na história de um roteirista (Gillis) que vivia fugindo dos seus credores e que esperava vender uma história para o cinema para sair do seu atoleiro econômico. Acaba se “refugiando” na famosa mansão, virando uma espécie de gigolô de Norma, sob o pretexto de revisar um roteiro que marcaria o seu triunfal retorno às telas.    


NORMA    E    GILLIS

                               
O filme ganhou vários prêmios nos USA e em outros países, em muitos festivais de cinema.  Melhor direção, roteiro, direção de arte, fotografia, montagem, o mesmo acontecendo com todos os principais atores. A equipe que produzia e realizava o filme chegou a temer bastante a reação dos big shots de Hollywwod pelo modo desfavorável como foi tratada não só a indústria do cinema como o star system em geral. O filme contém inúmeras referências a Hollywood e ao mundo dos seus produtores, diretores, atores, cenaristas, fotógrafos e escritores, feitas com muito cinismo e sarcasmo, principalmente através das tiradas de Joe Gillis. 

Nesse sentido, o filme se destaca pelas réplicas de Norma Desmond, algumas inesquecíveis como quando ela declara que era grande e que os filmes de Hollywood haviam se tornado pequenos.  Quando ela, para justificar a sua inadaptação ao cinema sonoro, afirma que atrizes como ela tinha rostos (faces), não precisando de diálogos. Ou quando ela diz a DeMille que está pronta para o close-up e quando proclama que, sem ela, a Paramount não existiria. A sutileza e o refinamento do filme se deve sobretudo à dinâmica dos diálogos entre Norma e Gillis e a frases de muito efeito lançadas aqui e ali por ela. O filme tem achados fantásticos, que alguns consideram mórbidos. Sunset Boulevard é uma história em flash-back, contada por um homem morto, parecendo Norma Desmond um vampiro, o que é sugerido (uma citação de Wilder com relação aos filmes do gênero), quando ela seduz Gillis, por um movimento de câmera (zoom out), com relação à região do pescoço do seu amante. Nem Max (Erich von Stroheim) escapa, ao ser lembrado como alguém parecido com o personagem de O Fantasma da Ópera

Uma grande contribuição para o excelente nível artístico e técnico do filme foi a de Franz Waxman, alemão de nascimento, responsável pela música. Foi, por exemplo, muito bem escolhida a Dança dos Sete Véus, da ópera Salomé, de Richard Strauss, para ilustrar o clima de alucinação em que vivia Norma Desmond. Norma e Gillis, de certo modo, lembram muito os personagens da história bíblica de Salomé e João Batista.

Embora muito jovem, mas nome já importante no mundo da música
FRANZ   WAXMAN
erudita, Waxman, na Alemanha, recebera apoio de Frederick Hollaender, figura maior da música para o cinema que lá se fazia. Quando Erich Pommer,  o principal produtor da UFA, foi contratado pela Fox, nos USA,  trouxe consigo  Waxman. Foram compositores e maestros europeus como Waxman que deram à música do cinema americano um elevado nível, ainda hoje mantido. 


Os dois principais personagens do filme têm um tema musical separado. Para o de Norma Desmond, Waxman usou uma forma que lembra bastante o tango, numa clara alusão à dança de Gloria
NORMA    DESMOND
no filme que ela fizera com Rodolfo Valentino. O tema de Joe Gillis, para marcar bem o contraste entre ambos, parece se encaixar no bebob, um jazz de balanço novo, inventado por Charlie Parker e Dizzie Gillespie. No mais, os arranjos de Waxman, para se manter na atmosfera do filme, ditada por Norma Desmond, fazem, sem dúvida, referência ao som das primeiras bandas do cinema, entre 1920 e 1930, ao tempo em Gloria Swanson era uma das grandes divas. 





Durante toda a sua produção, Sunset Boulevard foi  designado pelo prosaico nome da pseudo história que lhe deu origem, A Can of Beans. Quando do término do filme, na montagem da cena final, Wilder e Brackett se desentenderam.de tal modo que o primeiro veio a público para declarar que a prolífica parceria de longos anos que com Brackett mantivera estava desfeita. De fato, nunca mais trabalharam juntos. 


BILLY    WILDER

Billy Wilder (1906-2002), Samuel Wilder, nasceu na Polônia, de família judaica. Mudou para Viena e acabou se tornando jornalista. Foi para Berlin, onde começou a fazer cinema. Com a ascensão do nazismo, foi para os USA, adaptando-se perfeitamente ao american way of life, naturalizando-se. Escreveu os roteiros de Ninotchka (1939) e de Bola de Fogo (1941), dois clássicos. Foi depois para a direção. Recebeu inúmeros prêmios, Cannes, Veneza, Berlin etc. Dentre as suas realizações, destacamos: A Montanha dos Sete Abutres, Quanto mais Quente Melhor (quando inventou Marilyn Monroe), Se meu Apartamento Falasse, A Vida Íntima de Sherlock Holmes, Irma La Douce, Testemunha de Acusação, O Pecado Mora ao Lado, Um Amor na Tarde, Sabrina, Inferno nº 17, A Valsa do Imperador, Pacto de Sangue, Cinco Covas no Egito e outros.

GLORIA    SWANSON
Gloria Swanson (1899-1993) estreou no cinema em 1914, trabalhando com Mack Sennett, em comédias. Foi parceira do astro Rodolfo Valentino, latin lover do cinema americano, fixando-se depois num tipo meio vamp. Trabalhou inclusive em alguns filmes no cinema sonoro, tendo aparecido pela última vez na tela em 1975, como ela mesma, no filme Aeroporto 75. Retirando-se do cinema na década de 1930, tornou-se mulher de negócios de sucesso, no que foi ajudada pelos seus sete casamentos. Teve um longo caso sentimental com Joseph Kennedy, milionário, que fez de seu filho John presidente dos USA.


WILLIAM    HOLDEN
William Holden (1918-1981) chegou cedo ao cinema. De família rica, conseguiu se fixar na profissão, destacando-se a partir de seu papel em Inferno nº 17. Teve algum sucesso, citando-se como filmes que o projetaram Ashanti, Casino Royale, Damien, A História de uma Vida e outros. Chegou a ser dono de um safari na África, ganhando algum dinheiro como promotor de viagens. Alcoólatra, morreu por causa de um tombo. 

Erich von Stroheim (1885-1957), uma das maiores figuras do cinema, como ator, diretor, escritor e figurinista, nasceu na Áustria. Forjou uma biografia, assumindo uma linhagem aristocrática (conde). Era, no fundo, um grande mitômano, um inventor de histórias sobre a sua vida. Na realidade, vinha de uma família de
ERICH   VON   STROHEIM
judeus; seu pai era chapeleiro e o alemão que falava era o das camadas mais baixas da população da Europa central. Quando observavam o seu “acento”, dizia que havia “esquecido” o aristocrático alemão de sua família devido às suas inúmeras viagens. Em 1914, estava em Hollywood, atuando como consultor cultural e de moda, além de ator em muitos filmes do cinema mudo.Trabalhou com D.W.Griffth no clássico Intolerance. Em 1924, dirigiu um dos marcos do cinema, Greed, obra-prima. Detalhista, perfeccionista, culto, trouxe para o cinema americano a sofisticada influência da cultura da Europa central, juntamente com Wilder, Lubitsch, Peter Lorre, Fritz Lang e outros. Como diretor, teve grande dificuldade para fazer cinema; seu diálogo sempre foi muito difícil com os donos dos estúdios e com os seus delegados, os produtores. Na França, trabalhou com Jouvet, Renoir e outros. Como ator, grande destaque para o seu papel em A Grande Ilusão, do mestre Renoir, com Jean Gabin e Pierre Fresnay. Seu último papel no cinema foi o de Max, ex-marido, mordomo e motorista de Norma Desmond em Sunset Boulevard.


Quando abordamos um filme como Sunset Boulevard, para bem aproveitá-lo, temos que inseri-lo naquilo que os americanos chamam de Filmmaking, um método de fazer cinema conhecido pelo nome de Star System, que se baseia na promoção e na exploração do nome dos atores, criação típica hollywoodiana. Esse sistema é montado a partir da escolha de jovens e promissores atores (a critério dos estúdios) que serão transformados em astros pela máquina publicitária. O Star System enfatiza sobretudo a imagem e não a capacidade técnica do ator, sua formação, sua cultura, inexisttentes na grande maioria dos atores hollywoodianos. Salões de beleza, médicos, dentistas, professores de dicção e de dança são convocados para esse fim. As atrizes podem virar ladies, jamais saindo de casa sem a devida maquiagem. Todos, atores e atrizes, têm os seus itinerários e viagens programados, agentes de relações públicas fazem parte da equipe encarregada de manter o astro como notícia nos meios de comunicação. As notícias favoráveis são “plantadas” e o que pode denegrir a imagem (escândalos, problemas sexuais, bebedeiras, droga, bacanais etc.) é habilmente escondido.


MOMENTOS   FINAIS

O Star System começou a ser montado em Hollywood já na virada do século XIX para o XX. O cinema, entre 1890 e 1900, era considerado uma pantomima, algo menor, coisa de parque de diversões e de feiras. Os primeiros produtores não promoviam os “artistas”, pois tinham receio de que, se famosos, eles começassem a exigir salários maiores. Logo, porém, tudo isso mudou. Os produtores perceberam que o interesse do público aumentaria muito se os atores fossem promovidos, reconhecidos e, com isso, obviamente,maiores os lucros. Os atores começaram inclusive a receber apelidos (nicknames), “a garota disto ou ou daquilo”. Erich von Stroheim, por exemplo, era conhecido como o homem que você gosta de odiar.

O grande idealizador do Star System foi o produtor Carl Leammle, usando a atriz Florence Lawrence, a Biograph Girl como a primeira star. A criação de revistas sobre cinema foi muito incentivada. Evidentemente nada com relação ao cinema como arte, apenas fofocas sobre a vida pessoal dos atores e notícias promocionais sobre filmes. Em 1911,  já se editava o Motion Picture Story Magazine, depois Photoplay. Entre 1930 e 1970, o Star System funcionou através de festivais, da cerimônia do Oscar e sobretudo com a

participação do governo americano e de entidades religiosas, protestantes principalmente (CIA, FBI, embaixadas etc.); foram montados esquemas de controle político para impedir “desvios”, pressões do Congresso (muitos cineastas foram presos e/ou tiveram que abandonar Hollywood por causa do famigerado código Hayes e da perseguição política). Muitos filmes americanos, entre 1950 e 1980, exploraram o tema da guerra fria (URSS x USA), a corrida espacial e a violência setorializada (guerras no sudeste asiático e África). A

manipulação do
Star System ainda se faz presente no cinema americano, embora não tão declaradamente como antes, mas utilizando, com mais eficiência, os grandes esquemas de distribuição, cadeias de cinema e redes de TV, sempre procurando garantir o máximo espaço para as produções americanas, valendo-se inclusive de uma “diplomacia” muito bem montada para alienar a crítica cinematográfica (convites, bons hotéis, roteiros para a elaboração de notícias e críticas, patrocínio de viagens, participação em festivais, presentes etc.).

Quando apresentado para o grande público, Sunset Boulevard foi bem recebido. Talvez seja possível, pela manchete de um órgão de imprensa da época, resumir todas as críticas que o filme recebeu: O pior de Hollywood pelo melhor de Hollywood. Realmente, Sunset Boulevard é, até hoje, não só um dos melhores filmes produzidos sobre Hollywood como de toda a história do cinema A cada ano que passa, sua importância cresce, qualquer que seja o viés pelo qual o analisemos. 

Se por um lado Sunset Boulevard é uma visão nada lisonjeira de Hollywood, com os seus poderosos chefões de estúdios e o seu
CECIL   B.   DEMILLE
corrupto star system, ele, por outro, é uma das mais belas demonstrações de amor ao cinema. Isto pode ser constado, por exemplo, quando Norma Desmond vai reencontrar Cecil B.DeMille. É só olhar o filme com aquele mesmo olhar com o qual a gente miúda do estúdio, guardas, porteiros, seguranças, figurantes e técnicos,  olhou Norma Desmond quando ela voltava triunfalmente aos estúdios da Paramount.  


* Ciclo de Cinema - MUBE - 2011/2013
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