quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

CENTAURUS, CETUS, CORONA AUSTRALIS





CENTAURUS forma com Lupus e Ara, o Altar, um conjunto que deve ser apreciado de modo interdependente, pois nos contam histórias que falam de adoração e de devoção. Esta constelação foi
KIRON
vista pelos gregos inicialmente tanto como o centauro Kiron como o centauro Folo, ambos ligados ao ciclo dos doze trabalhos de Hércules. A grande constelação do Centauro ocupa uma área cuja declinação sul varia entre 30º e 60º. A imagem que temos dela é a de um centauro que segura um lobo com uma de suas mãos estendida. Gregos e árabes viram-na como se caminhasse na direção da constelação do Altar para sacrificar o animal. 

ERATÓSTENES
Considerando porém que os mesmos gregos já haviam ligado, com muito maior pertinência, a figura de Kiron à constelação zodiacal de Sagitário, não vejo razão associá-lo a esta constelação. Quem fez esta confusão foi Eratóstenes de Cirene, astrônomo, matemático, geógrafo e diretor da Biblioteca de Alexandria (séc III aC), deixando de lado a tradição que já havia fixado Kiron no Zodíaco e colocado Folo como o Centauro do Sul.


FAMÍLIA   DE   CENTAURUS  ( SEBASTIANO  RICCI , 1659 - 1734 )

Na mitologia grega, os centauros são seres híbridos, compostos por um corpo de cavalo e um busto humano. Desde a antiguidade, seu valor simbólico é ambíguo. Na cultura grega, sua origem estava ligada historicamente às primeiras invasões de cavaleiros vindos da Ásia Menor, que aterrorizavam as populações dos países mediterrâneos. Os povos da América central, aliás, consideraram os invasores espanhóis do mesmo modo, quando irrompiam nas aldeias montados em cavalos. Viam-nos, ao mesmo tempo, como humanos e animais.





BATALHA  ENTRE  CENTAUROS  E  LÁPITAS
( KAREL  DUJARDIN , 1667)
Famosa na mitologia grega é a batalha entre os Lápitas, povo das montanhas da Tessália, e os Centauros, filhos de Ixion e de Nephele, o primeiro filho de Ares, deus da guerra. Rei dos lápitas, Ixion cometeu vários e gravíssimos crimes, dentre eles o de perjúrio e o traiçoeiro assassinato de seu sogro, jogando-o num buraco cheio de carvões em brasa. Destronado e expulso da cidade, passou a perambular pelos caminhos, ninguém lhe dando acolhida. Zeus, magnânimo, que do alto tudo via, resolveu ajudar seu neto. Purificou-o, trazendo-o para viver no Olimpo. 


IXION   E   NEPHELE  ( P.P. RUBENS , 1615 )


IXION   NO   TÁRTARO
( BERNARD  PICARD , 1731 )
Mal chegado à mansão divina, Ixion tentou atacar sexualmente Hera, a esposa de Zeus. Repelindo-o, indignada, ela relatou o ocorrido ao marido. Zeus, então, mandou confeccionar com nuvens um simulacro de Hera, que Ixion, de nada sabedor, e acreditando tratar-se da divina deusa, que agora acedia ao seu desejo, envolveu-se com ela sexualmente. Dessa união, nasceram os centauros, filhos, portanto, de Ixion e de Nephele, a Nuvem. O castigo do ingrato Ixion veio em seguida: Zeus obrigou-o a ingerir ambrósia, tornando-o assim imortal, e mandou amarrá-lo no Tártaro, com serpentes, a uma roda incandescente, a girar eternamente. Fixado nesse suplício, Ixion grita sem cessar: Honrai vosso benfeitor pelo doce tributo da gratidão.

Os centauros são considerados símbolos da força bruta e das
CENTAURO
pulsões instintivas que se apoderam do homem, anulando o lado humano de sua personalidade, que não consegue dominar este lado animal. Concupiscentes, lúbricos, bestiais, comedores de carne crua, vivendo em bandos, sempre fazendo algazarras, bastando um copo de vinho para embriagá-los, são a imagem da irracionalidade do ser humano. 


Ao mito de Ixion não podemos deixar de acrescentar a história de seu filho Piritoo, um ser também vitimado pelas paixões como o pai, cujas aventuras fazem parte da crônica do grande herói Teseu. Impressionado pelo filho de Egeu e por suas façanhas, Piritoo passou a acompanhá-lo como uma espécie de escravo. Uma das maiores aventuras desta dupla foi a tentativa (fracassada) de rapto de Perséfone, a rainha do Inferno. Nas obras de arte simbolizam os centauros a concupiscência carnal, que torna o homem muito semelhante às bestas, sempre ausentes quaisquer  traços da vida racional e espiritual, abolida qualquer luta interior no que diz respeito ao controle dos instintos. 


SILENO
Diferente destes tipos que acabei de descrever é o centauro Folo, filho de Sileno e de uma ninfa da raça das melíades, ninfas dos freixos (melia, freixo, em grego), nascidas do sangue derramado de Urano quando da sua castração. Dotados de grande saber, os Silenos eram sátiros envelhecidos, filhos do deus Pan. Foram considerados por todas as tradições como preceptores de Dioniso quando jovem. 


SILENO   ÉBRIO  ( JOSÉ  DE  RIBEIRA , 1626 )

Folo era um centauro extremamente pacífico e cordato, muito diferente dos filhos de Ixion. Quando da realização do seu sétimo trabalho, o da captura do javali de Erimanto, Hércules, ao passar por Fóloe, foi recebido com muita hospitalidade por Folo. Há muito que Folo aguardava a visita do nosso herói, pois Dioniso lhe dera uma jarra de vinho, hermeticamente fechada, recomendando-lhe que só a abrisse quando o filho de Alcmena viesse à sua gruta. Preparada lauta refeição, servido o vinho, os outros centauros que viviam na região, sentido o perfume da divina bebida, invadiram a gruta, atacando Folo e seu hóspede. Hércules matou muitos
FOLO   
centauros, outros fugiram, sendo perseguidos tenazmente por nosso herói que, ao voltar, encontrou Folo muito triste, a dar diligentemente sepultura aos seus infelizes “irmãos” mortos. Para matar os centauros, Hércules usara flechas envenenadas. Ao retirá-las do corpo dos centauros para melhor inumá-los, Folo feriu-se acidentalmente na coxa, morrendo logo em seguida. Coube ao nosso herói, depois de lhe prestar as devidas honras fúnebres, enterrá-lo em magnífica sepultura que construiu para esse fim. 



GAIUS   JULIUS   HYGINUS 
Algumas das estrelas da constelação do Centauro do Sul, como é chamada também, com algumas de Lupus, eram conhecidas entre os árabes pelo nome de Al Kadb al Karm, O Ramo da Videira. Ptolomeu descreveu a constelação vendo numa das mãos do Centauro um lobo e na outra um tirso, que é, como sabemos, um dos emblemas do deus Dioniso. Todas as representações posteriores desta constelação sempre a associaram às constelações do Altar e do Lobo, como podemos constatar em Hyginus e, muito mais tarde, nas Tábuas Afonsinas. Em Roma, a constelação do Centauro era às vezes denominada pelos nomes de Semi Vir ou Semi Fer, isto é, Meio Homem ou Meia Besta, respectivamente.

Na astronomia medieval cristã, esta constelação foi visualizada de outro modo. Uns a chamaram de Noah (Noé), personagem bíblico que sobreviveu juntamente com a sua família ao dilúvio. A figura de Noé aparece na tradição medieval obviamente ligada ao tema do vinho. Ele foi, biblicamente, o primeiro personagem a descobrir os efeitos da bebida alcoólica que, uma vez ingerida descontroladamente, ao invés de levar ao céu, leva ao inferno, por libertar a besta (o centauro) que há em todo ser humano. Há na Bíblia algumas advertências contra o álcool apesar da declaração de que ele alegra o coração do homem, conforme está em Salomão. 

EMBRIAGUEZ   DE   NOÉ  ( GIOVANNI  BELLINI )

Outras versões do medievalismo cristão sobre esta constelação, menos difundidas, mas muito importantes para a compreensão do seu campo semântico, a ligam, uma, ao tema de Abraão e Isaac no que diz respeito ao tema do sacrifício (akedá)  e, outra, à figura de Nabucodonosor, rei da Babilônia, na medida em que este personagem aparece associado à rainha de Sabá e a Salomão, a primeira identificada por alguns como Lilith. Ainda com relação à

constelação do Centauro, seria interessante não esquecer, como a Astrologia o fez até agora, a descoberta, por  John Herschel, de uma das mais notáveis nebulosas do céu, nela presente. Filho do descobridor de Urano chamou esta nebulosa de Blue Planetary, cujas dimensões oscilam entre a metade e a totalidade do primeiro planeta transaturnino.



PTOLOMEU
A constelação do Centauro estende-se de 2º de Libra a 28º de Escorpião, ficando claro pelos seus limites as conotações decorrentes dos temas da hospitalidade (Libra) e do vinho (Escorpião). Ptolomeu viu nas estrelas desta constelação situadas na parte humana da figura influências venusianas e mercurianas. Às estrelas mais brilhantes, na região das patas do Centauro, ele atribuiu influências venusianas e jupiterianas. A estrela alfa, de 1ª magnitude, é Bungula, também conhecida pelo nome de Toliman, hoje a 28º51´ de Escorpião; a seguir, temos Agena, beta, também de 1ª magnitude, a 23º06´ de Escorpião. Há uma terceira estrela, Chort, inexpressiva astrologicamente.

No antigo Egito, Bungula, ligava-se ao equinócio de outono, e serviu de orientação para a construção de templos no norte e no sul do país entre os anos de 4.000 e 2.000 aC. Recebeu, entre os egípcios, o nome de Serkt. Para Ptolomeu, Bungula favorece as
MAO TSE-TUNG
amizades, dá refinamento e pode levar a posições honrosas. Há, por outras tradições, indicações de que Bungula pode influenciar no 
sentido de ligar quem a tem com algum destaque a causas, projetos, mas que sempre exigirão correções e revisões no futuro. Agena, para Ptolomeu, também proporciona influências semelhantes e dando também posições elevadas, honras, projeção. O mapa de Mao Tse-Tung poderá servir para o estudo das influências destas duas estrelas.





CETUS, a Baleia, é o monstro que aparece na história de Andrômeda, enviado por Poseidon para devorá-la, conforme já visto quando esta constelação foi estudada. Foram os gregos que fixaram para a Astrologia a constelação da Baleia, dando-lhe uma origem mítica. Cetus é um monstro marinho, uma figura híbrida, constituída por traços de baleia, de crocodilo e de hipopótamo. É
AS   GREIAS  ( H. FUSELI )
uma figura feminina, filha de Pontos e de sua mãe Geia. O primeiro, cujo pai é o Éter, como sabemos, é a primeira personificação masculina do mar, representado pela onda, pelo movimento marinho. Nereu, Taumas, Fórcis e Euríbia são irmãos de Cetus, todos entidades marinhas monstruosas, ligadas às forças primordiais, fazendo parte das primeiras elaborações cosmogônicas e genealogias teogônicas. Cetus, ligada a Fórcis, gerou as Greias (As Velhas), também chamadas Fórcidas, que aparecem no mito de Perseu.



JONAS
A Baleia é um cetáceo (Ketos, para os gregos) que, como vimos, foi morto por Teseu, que o petrificou com a cabeça da Medusa, para libertar a princesa Andrômeda, filha de Cepheus e de Cassiopeia. A baleia faz parte de um grupo de animais que aparecem na mitologia, na religião e no folclore de vários povos como devoradores. Caracterizam-se por bocarras ou por goelas enormes, muitas vezes desproporcionais ao corpo, que tudo devoram e engolem. Da galeria fazem parte, como é o caso, além da baleia, o crocodilo, o hipopótamo, o lobo, a hiena, as grandes serpentes e outros. 



Não foi por acaso, aliás,  que monstros como Cetus foram parar na filosofia. O filósofo inglês Thomas Hobbes publicou em 1.651 um livro, Leviathan, para defender a tese de que seria necessário que os homens estabelecessem um contrato social a fim de que a paz fosse garantida. Os homens, afirma ele, são egoístas por natureza. A lei que prevalece nas relações entre eles é a da guerra entre todos (bellum omnia omnes). Esta afirmação se baseava numa máxima de Plauto: homo homini lupus (o homem é o lobo do homem). Assim, para que não se exterminassem uns aos outros, era necessário, através de um contrato social, que se garantisse a paz. A proposta de Hobbes, para que isto se concretizasse, era a do estabelecimento de um governo totalitário, de tipo monárquico, que "engolisse" tudo (inclusive as liberdades individuais), evidentemente sem a presença de outros poderes como parlamentos, congressos, câmaras etc. que só servem para enfraquecer o Leviathan e gerar o caos. 


JONAS  E  A  BALEIA
Entre os judeus, temos, a história de Jonas, que foi devorado pela baleia. Profeta bíblico, Jonas fugiu do chamamento de Deus e recusou-se a pregar o arrependimento (teshuvá). Durante a sua fuga, foi atirado ao mar e engolido por um grande peixe que, segundo o texto bíblico, tinha olhos do tamanho de janelas e cujo estômago era iluminado por uma pedra preciosa. Esse peixe, tido pela tradição por uma baleia, corria o risco de ser engolido pelo maior dos monstros marinhos, o Leviathan (símbolo de Samael, o príncipe do mal entre os judeus). 


BEEMOT  E  O  LEVIATÃ
Leviathan tem dimensões enormes, sendo a maior das criaturas do mar. Diz a Bíblia que Deus matou a sua fêmea para impedir que, procriando, a criação fosse destruída. Da pele da fêmea é que foram feitas as roupas que cobriram as vergonhas de Adão e de Eva. No fim dos tempos, na idade do Messias, Deus fará o arcanjo Gabriel matar o macho. Noutra versão, será Beemot, o maior dos monstros terrestres, que enfrentará o Leviathan, morrendo ambos numa luta final. 

O que a história de Jonas simboliza é a morte iniciática. Entrar no ventre do monstro é morrer, dele sair é renascer. O monstro, a baleia, neste caso, aparece, pela sua forma ovoide, com um encontro de opostos, que podem representar o nascimento ou a ressurreição. Os dois arcos da figura ovoide significam aqui a conjunção do mundo inferior com o mundo superior, ou do céu com a terra, a totalidade. 

Jonas passou no ventre da baleia três dias e três noites. Atendidas as suas preces, Deus fez com que o monstro o vomitasse, voltando ele à vida de uma outra maneira, um novo ser. Esta mesma imagem, aliás, será repetida no Novo Testamento, em Mateus, quando ele registra a previsão de Cristo: Pois assim como Jonas passou no ventre do
TIAMAT
monstro três e três noites, assim o Filho do homem também o passará. As tradições mesopotâmicas aproximaram esta constelação do monstro Tiamat, que nos seus mitos cosmogônicos representava a água salgada, a personificação do  mar como elemento feminino que dava origem à própria vida. Tiamat simbolizava também as forças cegas do caos primordial, contra o qual tiveram que lutar os deuses inteligentes e organizadores. 



PAUSÂNIAS
Referências à história do monstro vencido por Perseu são encontradas em Plínio, o grande naturalista romano, em São Jerônimo, o grande latinista do Cristianismo, e em Pausânias, viajante e geógrafo do II séc. DC Os romanos designarão Cetus pelo nome de Pristis (grande cetáceo, em latim), a ele juntando adjetivos como nereia e auster.  Os árabes conheceram a constelação através dos gregos e lhe deram o nome de Al Ketus.

CETUS
A constelação da Baleia, embora não muito investigada astrologicamente, apresenta certas peculiaridades. Uma é a sua relação com o sul da Via Láctea, como que querendo devorá-lo; a outra é porque possui estrela Mira, a chamada “Estrela Maravilha”, a primeira estrela que mudava de magnitude, estudada por astrônomos. Cetus se estende de 17º de Peixes a 13º de Touro. Para Ptolomeu as suas influências são semelhantes às de Saturno, podendo causar ociosidade, preguiça. As estrelas de Cetus, pela ordem de importância, são: Menkar, alfa, a 13º37´Touro, entre a 2ª e a 3ª magnitudes; esta estrela está situada entre os olhos e a boca de Cetus, numa região chamada de O Nariz, Al Minhar, em árabe; tem também, segundo a tradição, natureza saturnina, atraindo desgraças e infortúnios. A seguir, temos Deneb Kaitos, Baten Kaitos, Deneb Schemali e Mira. 

No meu entender, parece ter ficado de fora, quanto a Cetus e Menkar, o mais importante quanto às suas possibilidades significativas. Em muitas tradições, a passagem pelo ventre de monstros, os marinhos de modo especial, é expressamente considerada como uma descida ao mundo infernal, ao mundo subconsciente. Equivale a entrar na noite, símbolo das gestações, das germinações que vão se revelar à luz do dia. A noite é rica de todas as virtualidades. Entrar no ventre da baleia é entrar na noite, é voltar à indeterminação. É nas trevas do ventre da noite como no da baleia que se fermenta o futuro, a preparação do dia, a volta à vida. 


Entrar no ventre da baleia sempre significou uma volta a um estado pré-formal, embrionário, equivalendo o monstro à noite cósmica, ao caos antes da criação. A passagem pelo ventre da baleia era simbolicamente o caminho de todo processo iniciático. Uma imagem desta luta está, por exemplo, no romance de Herman Melville, escritor americano do século XIX, Moby Dick ou a Baleia Branca, um avatar do Leviathan judaico.

Se considerarmos o inconsciente do ser humano, pessoal ou coletivo, como um imenso oceano, monstros como Cetus podem emergir subitamente, adquirindo um caráter destrutivo. Cetus aponta, nos temas astrológicos, para uma área de águas profundas, muito abaixo da superfície, onde monstros podem se esconder. Ao subir à superfície, podem trazer muito perigo, destruição, inclusive coletivamente. Menkar, no grau em que estiver, pode ser um ponto onde temos possibilidades de contacto com o inconsciente coletivo,
NAPOLEÃO
não esquecidas evidentemente as informações que possam ser obtidas por quadrante, signo, casa e aspectos. No meu entender, tanto a Cetus como a Menkar podemos atribuir influências plutonianas, lembrando que Plutão se exalta em Áries e se exila em Touro. Mapas para estudo os de Freud e de Napoleão. No primeiro, influências positivas de Cetus-Menkar; no segundo, negativas. 






CORONA AUSTRALIS, a Coroa do Sul, embora muito modesta, foi reconhecida por Ptolomeu.  Os latinos a chamavam de Corona Sine Honore. A tradição astronômica, incorporada por muitos astrólogos, chamou esta constelação de A Coroa do Centauro. Isto se deve ao fato de que em muitas representações os artistas punham uma coroa na cabeça dos centauros. Esta ideia tem provavelmente origem na figura dos Gandharvas, que, na Índia, são representados com um torso humano e um corpo ora de cavalo, ora de pássaro, coroados. 


GANDHARVA   VOADOR
Atribui-se aos Gandharvas na mitologia hindu grande potência sexual. Envolvidos sempre com mulheres, são músicos, usam o vinho, conhecem ervas afrodisíacas. Segundo alguns textos, representam a força primordial e a energia universal, incorporando o Eros grego muito de seus traços. Participando da energia solar, são representados frequentemente com uma coroa de raios sobre a cabeça, decorrendo dessas características, talvez, a ligação que os gregos fizeram entre a coroa e o centauro. Outra tradição grega não vê uma coroa, mas, sim, um punhado de flechas na mão do centauro, que irradiam luz como os raios do Sol.  

Ainda dentro do campo das possibilidades significativas da figura do centauro, outra tradição deu a esta constelação o nome de A Roda de Ixion (Rota Ixionis), uma alusão ao desditoso pai dos centauros, conforme relatado no texto sobre a constelação do Centauro, acima. 


CENTAURO
Da união de Ixion com Nephele, como narramos, nasceram os Centauros, os nubigenae,  os filhos da nuvem. A palavra centauro parece admitir uma etimologia que tem origem no verbo kentein, ferir, picar, mais a palavra aura, ar. Ou seja, aqueles que são apenas feridos, picados pelo elemento ar, que não tem nenhum lampejo racional, somente pura vida instintiva. O elemento ar não participa da vida do centauro, ou só o faz muito precariamente. Por isso, passaram os filhos de Ixion a representar desde o seu nascimento, no ser humano, a ameaça permanente da vida instintiva sobre o seu lado racional.


HADES  ( ANÔNIMO )
Para punir exemplarmente seu petulante neto, Zeus o enviou para o Tártaro, região mais profunda do Hades (Inferno) onde as punições não têm por objetivo a destruição da forma do pecador de modo a lhe proporcionar um renascimento. O Tártaro é o lugar das punições eternas. Os pouquíssimos que desceram ao Hades e de lá retornaram, contam que ouvem, vinda lá dos lados dessa tétrica região, perto do rio Piriflegetonte, uma voz, que aos gritos, adverte: honrai vosso benfeitor pelo doce tributo da gratidão. Sem dúvida, uma vã tentativa de Ixion no sentido de fazer com que o seu triste lamento chegue ao ouvido dos mortais. 

Uma outra versão sobre a origem desta constelação tem relação com Dioniso. Sêmele, filha de Cadmo e de Harmonia, era uma uma princesa tebana. Foi amada por Zeus e concebeu Dioniso. Ao ter conhecimento da aventura amorosa do marido com ela, Hera, a protetora dos amores legítimos, resolveu intervir. Concebeu um plano para destruir a jovem e lindíssima rival. Tomando a forma humana, de uma velha e sábia mulher, insinuou-se no palácio onde
ZEUS   E   SÊMELE  ( G. MOREAU )
vivia a princesa, conseguindo um lugar de ama. Logo ganhou a confiança de Sêmele, que lhe fez confidências sobre o seu divino amante. Hera resolveu então aconselhá-la, aguçando-lhe a curiosidade: pedir a Zeus que ele se apresentasse em seu divino esplendor. Zeus ponderou a Sêmele que o atendimento do pedido, de sua parte, lhe causaria dano, lhe seria muito funesto, já que humanos não têm como suportar a epifania de uma divindade. Ela insistiu, lembrando-lhe que, quando haviam começado a se relacionar, Zeus lhe prometera, sob juramento, em nome do rio Estige, que qualquer pedido que ela  fizesse por ele seria atendido. 



RIO   ESTIGE
Estige era filha de Oceano e Tétis, uma oceânida. Como fonte, Estige alimentava um dos rios infernais, do mesmo nome. Suas águas eram gélidas e tinham propriedades mágicas. Quando da Titanomaquia, Estige, com seus filhos, cooperou para a vitória dos futuros olímpicos. Por seu gesto, recebeu o privilégio do horkos, isto é, o de que, a partir da concessão, os deuses profeririam seus juramentos em seu nome, juramentos irrevogáveis. Quando uma divindade resolvia jurar, a deusa Iris ia rio Estige para buscar uma jarra com a sua água, para servir de testemunha ao horkos. A inobservância do juramente por uma divindade, além de outras penalidades, afastava-a do convívio dos mortais por nove anos, além de lhe ser proibido o consumo do néctar divino.


NASCIMENTO   DE   DIONISO
Não tendo como recuar, Zeus se apresentou a Sêmele na sua esplêndida forma divina, uma epifania que ela não suportou. O palácio em que vivia foi inteiramente destruído e ela carbonizada. O mito nos revela que Palas Atena retirou do ventre de Sêmele o fruto inacabado de seus amores o e levou a Zeus. O pai dos deuses resolveu, então, alojar o feto numa de suas coxas. No tempo devido, completada a gestação femural, nasce Dioniso da coxa de Zeus.


MORTE   DE   SÊMELE  ( PETER  PAUL  RUBENS )

Mais tarde, já tendo assumido os seus deveres divinos, como um dos imortais, Dioniso, de volta de uma viagem que fizera à Ásia para difundir o seu culto, desceu ao Hades e de lá retirou o eidolon (forma que a alma toma para descer ao Hades) de sua mãe. Ressuscitada, Sêmele foi devidamente coroada por Dioniso sob o nome de Tione, como a primeira das mênades, suas sacerdotisas. Depois, resolveu Dioniso levar Tione apoteoticamente para viver entre os olímpicos, colocando antes, porém, a coroa que lhe dera entre as estrelas como uma constelação, chamada pelos gregos de Coroa Austral.


MÊNADES

Outra versão grega sobre a origem desta constelação pode ser encontrada nas biografias de Píndaro e de Karinna de Tanagra, ambos poetas do século V aC.,esta professora daquele, que ficou
KARINNA  ( WILLIAM  BLAKE )
famoso pelos seus Epinícios. Em cinco concursos, ela o venceu, tendo recebido várias e justificadas homenagens. Um pouco de sua obra (lírica coral), em dialeto beócio, foi preservado. Influenciou Ovídio e William Blake, na sua série The Visionary Heads, deixou-nos um retrato dela. Recebeu Karinna os títulos de Musa Lírica e de Musa Viva Foi homenageada pelos astrônomos da época que "colocaram" nos céus a coroa que recebeu por suas vitórias poéticas.  


A constelação da Coroa Austral aparece ainda em algumas outras tradições com o nome de Uraniscus, diminutivo de céu (Urano), em grego. Uranisco é a abóbada palatina ou palato, divisão óssea e muscular entre as cavidades oral e nasal. É o chamado palato ósseo, placa óssea que forma o céu da boca. 



Esta constelação estende-se de 2º a 12º de Capricórnio, tendo apenas uma estrela digna de registro, Alpheca meridional (veja Corona Borealis). As estrelas desta constelação  não apresentam nenhum interesse sob o ponto de vista astrológico. Ptolomeu, entretanto, atribui a elas influências da natureza de Saturno e de Júpiter (favorecem a conquista de posições elevadas, mas podem trazer obstáculos não previstos).